quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Velha Eterna | 7

(...) A carta do louco mais parecia um livro. Ele começou:

"A minha vida nasceu agora. O meu olho se desdobra sobre essa parede mágica ao meu lado. O meu lado, esse lado inútil sobre o qual resolvi deixar descansar meus ombros, já não me interessa. Eu sei, as pessoas ainda se desinteressariam bem mais em relação a mim. Caso minha loucura fosse boa, eu não teria sido jogado para fora. Aqui dentro, nada existe. Existe aqui, eu. E eu não vi passar o verão desse ano, nem dos últimos sete que vieram antes dele. Não me ocorre, agora, qualquer outro inverno em que tenha sentido desconforto também. As flores e folhas que cairam não pousaram perto daqui. Não dormi. Não comi nada. Não declarei as melhores intenções do sexo a uma mulher boa - nem a uma mulher vadia. Não estranhei. Não amei. Mas talvez se tivesse amado tivesse sido, também, um homem mais decente. Hoje, já nem me digo homem. A sensação de ver um louco falar é semelhante a de ver um bêbado esforçar-se para marchar firme."

A carta que ele fez foram todas as coisas que eu tinha. A mulher não deixou que a atenção da carta a tirasse da situação. Talvez eu tivesse perdido a vista nesse momento. Acontece que eu, ao contrário dela, tratei logo de escolher um lado. Dessa vez, não - pensava ela. Eu sei, eu a conheci. (...)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Velha Eterna | 6

(...) O próximo poderia não existir. Se um texto deve incidir sobre um fato concreto, um completo devaneio não deveria ser digno de um texto para exprimi-lo. Talvez uma mulher nua diante disso não tivesse argumentos também. A essência dela poderia preceder a experiência, mas quando? Antes de tornar a virar a página, passou a mão por cima dela diversas vezes. Às vezes, o peso. O pescoço caiu um pouco e a mão foi posta atrás da nuca. Nunca tinha lhe ocorrido nada assim antes. Teria que aguentar o peso da cabeça sobre os ombros e o da curiosidade sobre os olhos, debaixo das pálpebras. Era incrível o que se formava diante da nova folha virada. Imaginava como fazer para conduzir tudo aquilo. Imaginava o que a poderia ter trazido até ali. Nem sem os critérios pressuporiam justiça, então aquietava-se. Puxou o cabelo e analisou as veias azuis - infinitamente azuis - que tinha no braço. Apoiou as mãos no rosto e o rosto no corpo inteiro. Era essa o cansaço que tivera da leitura da carta da prostituta. Agora as coisas seriam diferentes. Eu teria participado daquela cena se pudesse porque era belíssimo observar uma mulher que tem cuidado descuidar-se constantemente. A segunda carta era a carta do louco: (...)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Velha Eterna | 5

(...) Depois de um princípio quase místico, achou que não fosse preciso desmentir tudo depois. Se imagina, supondo o que poderia estar ali, diante dela nada mais seria necessário. Pensou não dormir durante esta noite inteira. Pois que agora, diante dela, a carta de uma prostituta.


Brincar não vai tornar nada real. Eu já sabia que o afeto vinha aos montes e todo pedaço não tocado do meu corpo tinha calhado no mesmo lugar. O prêmio sempre tem intenção - o dinheiro, o galanteio do homem: sempre tem intenção. Eu sou praticante de uma vida sobre-feliz. Eu sou o lado clandestino da história. E se a prostituta não tem um lado legítimo para defender, eu não tenho mesmo. Eu preferia ter uma emoção legítima para defender um vilão. Alguém em uma língua estrangeira diz o que eu já deveria estar fazendo: olha o teatro que ele está fazendo! A admissão do adultério: tratar a dor que agora sente porque a vida de todo mundo é meio parecido. A gente quer ser diferente, mas a gente quer muito mais ser igual. A prostituta saía na rua usando um vestido que praticamente a despia. Se não tinha pudor? Certamente não tinha. A loucura tem de ser uma louca: uma loucura viável. Há pessoas que se aproximam com certa cerimônia - mas é claro que há tietagem. A primeira vista, eu fui séria há muito tempo. Uma mulher de alma mais velha do que a aparência? Impossível, eu tinha crescido como um arrombador de portas em potencial. É a prostituta, essa surpresa. Algumas coisas eram muito lindas. De decisões solitárias e perigosas: em dez anos a prostituta errou. Tratou de homens que eram frágeis em um dia, mais frágeis ainda em outro. A prostituta também era humana. Erros pequenos foram graves, mas a timidez precisaria de mais tempo para ser entendida. Era uma profissão em que se era acusada de várias coisas - então vinham as respostas às perguntas incômodas. As criticas justas vieram depois. Eu via uma arrogância muito perigosa: conforme o tempo passava, a prostituta diminuía a letra. A superficialidade era da natureza dela porque não havia nada mais superficial no mundo. Pulverizava pequenas notas sem deixar nem escândalo, nem fama, nem remorso. É lógico que o advento é um evento que a prostitua usa. Cinquenta milhões de ossos já passaram por ela. A observação da vida dos outros era a vida da prostituta. E se ela morreria de inveja? Não, não morreria. Aquilo era divertido porque não era sério.


Era divertido porque não era sério? A nudez era breve. Lambeu o dedo, virou a página, passou ao próximo. (...)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Velha Eterna | 4

(...) Como muitas vezes foram as cartas que fizeram acontecer grandes relacionamentos, cartas de mensageiros ocultos ou de grandes amantes ainda faziam com que ela perdesse o riso da boca e entre os dentes. Porque os homens de hoje escrevem cartas que não trazem nada que lhe consiga afobar o desinteresse por completo. O interesse ficava quieto, irrepreensível. Eu imaginava essa mulher como uma mulher que não escrevia cartas imensas nem generosas. Ela simplesmente pegava a beleza dos desenhos e colocava frases ao redor. A beleza era a beleza do rosto que tocava o canto do olho e o entorno da boca. A boca era lisa e quase nula na ausência das palavras. As palavras eram as mesmas palavras das cartas imensas que nunca escreveu. Essa mulher a qual volto a me referir ganhava o prazer do sentido das coisas alguns momentos depois do sentido ter atingido todo o resto. Às vezes eu acredito que ela planava dentro de uma bolha, de um grande círculo que filtrava tudo o que vinha de fora. De fora do quarto, o sol já tinha começado a tombar e as sombras dos móveis tinham começado a tombar sobre o chão também. Ela tombou ainda mais sobre o calhamaço de folhas. As folhas deitadas tinham um significado: ela pensava que folhas deitadas pudessem ser ainda mais dedicadas ou menos arrogantes que folhas expostas. Não faria uma exposição delas. Depois de terminar de desenrolar as folhas, foi como se uma grande gota de água lhe tivesse caído na frente dos olhos – porque a visão ganhou largura e perdeu nitidez. Ela pensou ser uma mulher nua diante daquilo. A nudez era bela e castigável? A veemência era. (...)

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Velha Eterna | 3

(...) Acho que passaram seis dias desde que a decisão de voltar o tempo lhe ocorreu e lhe caiu sobre o corpo de forma concreta. A decisão de ir em frente nem sempre vem dos passos. Sair do ócio se tornaria um vício agora, então abraçou com as mãos os papéis, agora, livres do elástico. A sensação de liberdade poderia ser compartilhada? Imagina que sim. Soltar um homem como uma pipa, um cadarço de tênis, um fio da meia-calça: tudo reinava sob a imensa asa das palavras. A liberdade tardaria a chegar, como outrora fez, então descreveu a cena mentalmente. Uma menina que se torna mulher talvez não tenha o direito de voltar atrás. Pensou em outras tantas pessoas que tinha conhecido até o caminho que a levou ao quarto. Um menino cego perderia esse momento, um menino paralítico, um menino morto perderia esse momento também. Alegrou-se por estar viva, mas chegou o movimento dos ombros e dos dedos do pé a tornar-se óbvia. Sentia-se ordinária e sem nenhuma lembrança vaga – um quase nada de memória. Apoiou o pequeno calhamaço de folha no chão entre as pernas, sobre o carpete, por baixo da testa e da curiosidade. Vou voltar a ser criança, repetiu. Apoiou o corpo na perna como quem apóia o resto todo no mundo. No apartamento, no espaço do closet, sentiu que uma fobia a poderia dominar. Finalmente uma sensação com o sabor excêntrico da repartição. Partiu os lados do calhamaço, desenrolando com lentidão e desapego. Quanto mais as folhas se abriam sobre o chão, mais lento o movimento ficava. E se nada aparecer? Eu teria pensado nisso. (...)

o limiar do ensaio continua

tratar de um homem como quem trata de uma tábua. toda vez que leio as frases que ela disse, vomito continuações. das pontuações a mais, já pensava estar farta - eu me acabo pelas coisas que ela disse imaginando ser uma parte de mim. o vômito tratou da crise, e a crise tratou logo de vomitá-lo. os finais não tem fim.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Velha Eterna | 2

(...) Talvez um dia ela ainda pudesse executar um protesto. Entre as pilhas de caixas vazias, estava colocado ali um monte de folhas enroladas presas por um elástico fino. Tombou um pouco a cabeça a fim de alcançá-lo primeiro com os olhos e depois com a interpretação. Uma mulher cuja interpretação muitas vezes falhou ou falou bem menos do que o esperado talvez pudesse fazê-la conter o entusiasmo agora. Entusiasmou-se. Tratar de um homem como ele merece seria inutilmente destratá-lo, então continuou. Uma mulher que desconsidera a curiosidade torna-se adulta. Na reluta que existe em crescer, tratou de deixar que os olhos caíssem logo e ainda mais sobre as folhas no fundo no armário. Vou voltar a ser criança, lhe ocorreu. A felicidade de alguém que pula fica visivel quando se chega ao chão, sendo assim, esticou o braço para alcançar as folhas e reclinou o corpo como um todo para voltar a pensar com a imaginação que teve há vinte anos. Sentou o tronco no chão e então vieram as mãos a rasgar o enfeite que mantinha intacto o calhamaço - entenda que tudo que exceder o número de uma página já pode ser considerado um livro grande e de dimensões intelectuais consideráveis. Para ela, a inteligência eram as relações secretas sobre as quais se tinha habilidade de manter. Em um desdém, arrancou o elástico. (...)

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Velha Eterna

Acho pouca tanta coisa demasiada. Se o sentido está justamente em entender a relação entre duas pessoas diferentes, porque passar tanto tempo dedicando-se a outras cujo sentido já não existe? Uma mulher nunca chegará a chamar um homem melhor do que ela para pensar em adversidades. A necessidade vem sempre do erro, só assim a entendo. Depois de muito deixar de lado sapatos que já não lhe cabem nos pés, essa mulher a qual me refiro entrou em uma crise estética – talvez até característica da idade. Dizem que as mulheres quando beiram o abismo dos quarenta anos podem mudar radicalmente de comportamento porque se a sua beleza já não existe como outrora idealizada, ela pensa já poder ser jogada no lixo também. Talvez a minha vantagem tenha sido não ter entendido isso com muita clareza. Eu imaginava se era realmente possivel que em vinte e quatro horas de vida alguém pudesse mudar. Ela ainda reclamaria muito. O desejo moveria o homem, mas qual era o risco de ser mulher? Talvez o desejo dela só brotasse como monstro em outro lugar: o limiar da loucura fazia com que ela mudasse os objetos pessoais de lugar diversas vezes seguidas. O desejo tinha se apresentado de uma forma imbatível. Um pacote de biscoitos, metade de um queijo, meio litro de suco de uma só vez. Controlar o desejo seria uma forma de sair da infância para ela - feita essa consideração, essa mulher tinha vontade de comer e desejo de xingar muita gente. Vontade de romper eu também tive. Tem gente que não gosta das coisas da vida. Atravessar talvez fosse uma liberdade que a deixaria mais feliz. (...)

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

o ensaio do ensaio

EU MUDEI DE CARGO. de mim, passei a ser a outra. passei a ser a mulher que eu fiz para dentro de mim - e depois pude contar mais três cópias dela pela sala. um espécie de prova cabal, eu pensava. quando foi instintivo, o meu bicho saiu. eu só tinha as coisas que eu guardava: agora eu tinha imagens que eram sonhos. eu penso já não querer entender aquela mulher. penso já não querer saber se ela se contorcia para sair ou para ficar presa mais tempo. a força que o corpo dela trouxe saiu pela ponta dos dedos e terminou nas minhas costas. uma mulher pequena não deveria ocupar tanto o espaço. não deveria por os braços no chão. agora eu via nela a mulher que eu criei. e via nessa mulher inventada a segunda criação dela - a mulher que se machucava o tempo todo. a mulher que ela criou era assim: cheia de machucados, de dores, de um prazer imenso em relação a ir e a ficar parada.
EU PAREI PARA FICAR MAIS TEMPO. eu achava que a espera era tempo, que a recompensa, que a paciência era tempo. gostar de mim talvez fosse pouco, então eu gostava de outro. eu queria ter entrado mais cedo para a festa, ter deixado mais tempo no mundo das trocas. acontece que eu troquei o acaso pelo engano. o engano pelo encanto. o encanto pelo encanto da cena da mulher que tem o nome mais comum de todos. ela fez de uma mulher de palavras uma outra de três dimensões. ela fez uma mulher cujo corpo virava, cujo olho, cujas unhas sangravam. eu não sabia dizer se ela tinha raiva ou se tinha pressa para ir embora. eu não sabia se ela queria deixar o corpo ou sair dele. caso ela já tivesse saído, a sobra dela ainda carregava uma força, uma depressão da vontade. o breu não tinha olho.

EU DESCOBRI QUE O MEU BICHO ERA UMA PREGUIÇA - eu fiquei à vontade com a idéia de ter gostado de ter mais gente do que eu em mim. quando a música cresceu, eu imaginei ter experimentado a surdez. vai ver a surdez era exatamente assim.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

minimamente

às vezes a gente pensa demasiar a crença - pensa em elevar a crença pequena a um limite além do razoável. a minha vontade era encontrar uma mulher que fugisse a regra, que pulasse o muro, que inventasse o caminho e não deixasse rastros com isso. em geral, eu adotava meditas criteriosas. minimamente, eu sempre errava no cálculo. eu punha peso demais, eu excedia. eu elevava e causava êxtase. o meu encantamento era um deleite sobre as coisas que já não proporcionavam nada. por isso eu só estudava o que me dava prazer - o contentamento em relação a um objeto conhecido tende a ser ravoável. se não for, contudo, eu ainda teria as coisas - e tudo mais que existe, tudo mais que é inanimado - para experimentar. de forma real ou aparente, eu poderia ir até o fundo das coisas. ele possui poucas coisas, penso eu, mas o que ocorre em seguida é que isso também não passa do curso natural das coisas. e eu tinha mesmo coisas incriveis, coisas do arco-da-velha. eu morria de velha. e a gente era toda a humanidade que teme a morte. a gente, toda a gente: as coisas que falam.

a graça é um favor

todo mundo teve na vida
pelo menos um homem que não teve graça.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

CURTA SANTOS 2009


BRANCO: Admissão de todas as cores. O gelo é branco.O dia nublado na neve é branco. A folha de sulfite é branca. O leite, o dente, o branco do olho é branco. O sêmen, o dente, o branco do olho é branco. A espuma. A paz, a pomba, a pomba da paz é branca. A luz é branca. O rei é branco. O teto é branco. O remédio é branco. A parede, a maca, o hospital, é branco.O cabelo, o homem é branco. A maca, a parede a luz, o homem, o paciente é branco. A paciência é branda.


PRETO: Ausência de todas as cores. O breu é preto. O que é escuro é preto. A sombra, a noite, a falta é preta. A caneta que escreve na folha de sulfite branca é preta. O gato da sorte é preto. O café, a sujeira, a cegueira é preta. O pó é preto. A lista é negra. O rei é preto. O básico é preto. O cacetete, o fundo, o caviar é preto. A tarja do remédio é preta. O preto do olho é preto. O cabelo, o homem, o fechar dos olhos é preto. Fechar o olhos é prático.

PRATICA-SE ENTÃO A SUSTENTABILIDADE.
(...)

trecho do DOCUMENTÁRIO feito na Faculdade de RTV - UNIMONTE no 1º semestre de 2009 chamado PROJETO:CORTIÇO - com o tema de Sustentabilidade. O filme será exibido no CINE-ROXY DO GONZAGA, a partir das 22hs na quarta feira, dia 16/09. Estamos concorrendo na MOSTRA COMPETITIVA Olhar Caiçara Universitário DO CURTA SANTOS 2009. Segue abaixo o LINK para votação ___ PROJETO: CORTIÇO.

http://sat.grupoatribuna.com.br/tvtribuna/2009/curtasantos/galeria.asp?categoria=2

_______
equipe técnica:

direção CLAYTON GALVÃO
assistência de direção e roteiro NOELLE FALCHI
produção executiva SUSAN HORTAS
produção LETICIA BAMONTE, AYENNE CARRIÃO
câmera e direção de fotografia GABRIEL BARBOSA
assistência de câmera BARBARA RIBAS
direção de arte MARIA VITÓRIA SIMÕES
edição e finalização GABRIEL BARBOSA

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

o mês está acabando?

agora eu tento imaginar o que me trouxe até aqui. se esse pedaço agora é meu, a única coisa em que eu consigo pensar são os outros espaços que ficam do meu lado. talvez esse pedaço não seja assim tão pequeno. pelo tamanho do meu pé - e digo isso porque já o examinei diversas vezes desde que cheguei aqui - imagino haver dezoito passos até cada um dos cantos. são quatro cantos aqui, para a minha óbvia surpresa. se eu tivesse que dividir com alguém, o espaço se transformaria em meio espaço para mim. se as pessoas sempre procuraram espaços vazio e silêncio, hoje eu gostaria de um pouco de gente.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

o avesso do espectro

Agora eu entendo que talvez o sofrimento tornasse cômoda a insatisfação. têm mulheres que jogam a vida no banco do carro, nas coisas cheias de cor. eu deixei de pensar assim porque, para mim, alugar um carro talvez fosse mais cabível. eu desconhecia a maioria das coisas bem feitas e permanecia de forma a tornar lúcida a minha satisfação premeditada em relação a minoria delas. se me perguntarem se vivi em tempos tristes ou caóticos, eu direi que não. em tempos de solidão exacerbada, tudo pode se tornar opcional. o sucesso, a burrice, a beleza que eu desconfiava demais para tornar óbvia a minha inteligência - não serei lembrada para sempre. ela era uma mulher de espirros curtos - e que pedia saúde. tudo é intencional - sendo assim, eu puxava tudo para mim porque dessa forma era possível exercer uma comparação. eu sentia eco na minha voz e uma divergência de operação e de alguns tons. ela era uma mulher que só usava azul marinho. se eu parasse, pensaria já ter reiniciado o processo diversas vezes antes. se pensasse, automaticamente começaria novamente. eu desconfiava de mim.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

janelas abertas | 2

é só preto e azul, ele dizia.


na realidade essa constatação vem de tempo em que a gente ainda parava para perceber as coisas. hoje, a tomar por exemplo, eu poderia facilmente meter a metade do meu corpo para fora da janela - já que esse monte de luz aqui dentro está a não me adiantar em nada. ele relutava no entendimento. e dizia que se eu fosse uma mulher mais paciente, ele me explicaria tudo quando chegasse a hora certa. acontece que há horas estamos a ter esses debates inúteis: ele não mudou de posição, então eu me mantive extremamente quieta também. ele achava que eu era um bicho - eu já nem me achava mais mulher suficiente para isso. todos os bichos saíram.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

janelas abertas

pensava se de uma janela tão extensa como essa eu pudesse ainda sair sem perder as pernas. se eu pulasse agora, tudo estaria acabado. então eu relutava. são oito e meia da manhã e eu já não aguento mais. se dias mais longos ainda estão por vir, talvez a possibilidade de pular não seja assim tão remota. ele muda os canal como um doido. meu devaneio não vai ter fim - e esse chuvisco na televisão também não. são oito e meia da manhã e esse dia já não faz sentido para mim. talvez precisasse parar como poucas fizeram.


é só o azul e o preto, ele dizia.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

essencial

______ eis um compromisso que se coloca mais e maior. é uma inspiração humana, primitiva. de um compromisso essecial, cognitivo. da duradoura fidelidade não somente como virtude ou princípio da não-traição. existe um sentimento tão grande de gratidão pelo compromisso, que de tal forma a minha humanidade me joga, me abre os braços, e me faz um país - eu sou um X no ar, um enigma no ar; uma partícula de estima no ar. da minha essência, minha aparência que não dá nada; mas quando falo de mim, falo de todo um grupo que me cerca e que me pede por perto. o aperfeiçoamento das faculdades humanas, a polidez, A CORTESIA: tudo tempo de um tempo que se passa agora e que contrói uma ponte, e diminui uma légua com o futuro.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

fotografias

aparecida - RJ
se a vida fosse perfeita, para algumas coisas já não se daria jeito. julgava improvável uma mulher nova que apenas tinha vontade de fotografar velhos homens. porque se a vida passasse assim tão rápido mesmo, para tantas coisas JÁ NÃO HAVERIA TRATO TAMBÉM. então trava-se bem. tratava-se simplesmente de uma mulher nova a ver velhos homens por outros olhos. tratava bem dos olhos, pois - e o decoro tratava da vista que reparava nos outros. e os outros reparavam nela: simplesmente uma mulher nova a ver velhos homens por olhos que carregava fora do corpo. então tratava bem do corpo - o qual possibilitava carregar olhos que reparariam nos outros. poderia dar outros nomes a eles? imaginava que não. que sã imaginação permitiria isso? apertava os olhos e obtinha fotos.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

coleções

há tempos tenho dedicado pequenas espécies de dinheiro e de minutos a fazer coleções. coleções de calças, de meias, de textos sem precedência. coleções de diversas partidas e de algumas idas sem volta. coleções de chances aproveitadas e de outras nem tanto. coleções de livros que nunca voltarei a ler, de leituras que não voltarei a fazer e de tantos outros afazeres que, de tanto ocupar-me a vida, me impulsionaram a colecionar outras formas de existir também. coleções de pessoas que fui, de cortes de cabelos que tive, de dias sem sorte, de dias de quase atropelamentos. coleções de dias que quase morri também, e de outros que percebi que o pouco que tinha vivido talvez não chegasse a ser tão pouco assim. coleções de ônibus perdidos, de pressas, de preguiças histéricas. coleções de carências sem fundamentos, de maus modos, de xingamentos diversos que eu sequer acreditava existir. coleções de instrumentos que comprei e nunca aprendi a tocar. coleções de amigos e de ex-amigos, de amores e de grandes ex-amores. coleções de e-mails lidos, de cartas lidas, coleções de lembranças de tempos em que se ainda usava cartas - e era possível ter toda aquela agústia da espera de um resposta. coleções de respostas mal-criadas e de outras tantas pessoas mal-criadas que tive que pôr a parte da vida. coleções de selos que joguei fora, de caixas de rémédios, de receitas que joguei fora. coleções de cheiros e de sensações de extremo valor que já não valem nada. porque eu fiz coleções de fotos, de albuns, de adesivos. coleção de toda a nostalgia e de todo o saudosismo que eu acreditava não ter. coleções de pessoas mundanas demais, e de espíritos que há muito já se foram. coleções de cd's e de filmes. coleções de pequenos príncipes. coleções de grandes dores, de perdas, de ganhos, de trapaças em tempos que ainda era possível saber o que as pessoas em que se confia pensavam. coleções de notas de rodapé, de capetes gastos, de tapetes velhos, de topetes estranhos, de barunhos estranhos, de intermináveis momentos de choro. coleções de momentos de silêncio em tempos em que as pessoas não tinham que pagar para conversar. coleções de gentilezas e de grosserias caóticas. coleções de caóticos emgarrafamentos. coleções de garrafas vazias, de fins, de meios, de recomeços.

e se a vida cedesse hoje?

gostaria de ter pensado em um assunto para hoje, mas nada me ocorre além de um grande declínio. talvez porque, há dois dias, eu parei com o intragável e passei a praticar ioga. regularmente, e na frenquencia que me apetecesse. o mesmo fiz com as tortas de limão, os copos de rum, as pitadas de pimenta no molho, os sonhos dos loucos delírios. se uma rotina é notável, talvez eu tenha passado a me perceber de outras formas também. mas que ficasse de lado esse grande mundo novo sobre o qual se fala - e dessas doenças caóticas, dessas cegueiras pontuais, dos maus modos dos homens, da infame boa maneira. se não se percebe, o mundo abriu um grande berreiro.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

o circo

para que se acabe com o circo, não basta matar os palhaços. é preciso tirar também os animais, os ilusionistas, o público, o mágico, o equilibrista, o domador, o apresentador, o monociclista, o acrobata, a música, a curiosidade, a lona, enfim, tudo. acontece que sempre haverá outro circo, outros palhaços que não morreram. outros animais, outros ilusionistas, outro público, outro mágico, outro equilibrista, outro domador, outro disposto apresentador, outro monociclista, outro acrobata, outras músicas, outra lona, enfim, tudo.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

o homem das vendas pretas

sentou-se. que calma absurda lha havia invadido o corpo. se toda sensação futura pudesse assemelhar-se a esta em algum aspecto, ainda que sublime, estaria satisfeito. levou as mãos até o rosto a fim de se certificar de sua permanência. tateou a venda. há pouco ainda lhe vagava pela memória a lembrança de sua loucura repentina. "perdia algo, senhor?" e a sua resposta referente emergia, às pressas, entre os lábios: "perdia a cebeça! perdia a cabeça!"; e rodava em círculos, a tornar-se óbvio. poderia a consciência ser uma afeição bem cultivada? dos tontos, imaginava então um segundo homem que o homenagiava, que sequenciava longas cenas de aplausos e de histeria. talvez um homem que não gostasse de nada, que jogasse o corpo para os cantos, que suasse pela testa e pelas juntas dos dedos? era tudo muito fácil. poderia a inconsciência ser uma inconstância tão grande assim? ele pegava as pedras dos bolsos e as jogava pelo ar. pedras a atingir-lhe o rosto na volta, a afundar-lhe o queixo navolta, os olhos vendados e a deformar-lhe o nariz na volta. ASSIM ERAM OS ERROS - acontece que se os erros fossem mesmo uma depressiva força dos hábitos, haveria ainda razão suficiente para tornar novos os velhos? apertava o nó atrás da cabeça. se lhe perguntasse o que esperava com isso, diria: espero a pureza bruta da vida. a não lapidação da vida. tornar-se-ia o primeiro no segundo homem. um homem que se contradizia lentamente até o ponto de enlouquecer. porque poucas pessoas eram especiais. se a multidão fosse especial, pensava, ela seria composta por pouquíssimos. ninguém vai viver no hilário, ninguém vai tornar a casa: que bela neurose.

terça-feira, 30 de junho de 2009

pede para sair?

eu pedi para sair. eu praticamente estrangulei aquela mulher inútil que me oferecia peças igualmente desfuncionais. porque eu deixei o apartamento mais cedo do que o meu costume só para isso, e terminei a composição do meu figurino ainda no elevador, a evitar contato com os vizinhos - o maior cuidado que eu poderia ter em uma situação assim. no térreo, aquele suor de amarrar os sapatos e recolher as coisas espalhadas no chão que despencaram da bolsa. a maquiagem, a carteira, o dinheiro, o celular, as contas a pagar - pensava no vencimento delas, então tratei de me apressar também. segurei a porta do elevador com o pé e reforcei o traço de lápis no olho. a velha do primeiro andar a me olhar, pelo espelho feito uma assombação ou uma alma penada, pedia para que eu saísse. eu desobistruí a passagem. (...)

o casamento

para este dia, talvez, eu já tivesse formulado um texto expressivo. porque uma mulher não casa, simplesmente - descasa da vida. eu não poderia supor um homem capz de tolerar essa vida. se o melhor argumento para a liberdade incessante do meu corpo fosse a fuga, eu imaginava já ter fugido antes. e imaginava já ter corrido em outras direções, de outros braços ou pernas cuja paciência tinha trazido para mim. acontece que a minha juventude ainda deixava a desejar. eu desacreditava em tudo que o tempo tinha feito ao meu rosto - todas aquelas linhas desformes e rabiscos do meu rosto. eu não tinha vivência nenhuma, eu sobrevivia dos outros e pela vontade deles. se a minha vontade tivesse valor de escolha, eu não seria livre - então a desconsiderava também. eu queria ter descido do ônibus antes, ou ter parado de atravessar a rua antes. talvez devesse ter destrinchado o cabelo antes também, ou tomado banho mais cedo naquele dia. talvez ter deitado mais tarde então e, no cansaso, ter levantado mais tarde também. tomado banho mais tarde, ter demorado mais para lavar o cabelo, para vestir a roupa, para procurar o sapato ideal. talvez se eu tivesse deixado a pressa ou se finalmente estivesse entregue a ela. eu não morri, entenda. eu nasci outra vez. acontece que eu queria ter nascido uma mulher mais exuberante, e menos vegetativa.

terça-feira, 23 de junho de 2009

catástrofes

peguei uma mulher sentada em um banco, hoje. ela lia um documento impresso em papel branco e já descriado de um dos envelopes que tinha na mão. para mim, ela não apresentou feição alguma. que distância entre nós? - eu quase deixei escapar na voz enguiçada que eu tinha. nada do meu ruído lhe fazia desrotular a atenção da folha. uma mulher cuja idade tinha avançado sobre o corpo, cabelos que atingiam os ombros diante de um descuido, ou diante de uma falta de tempo talvez. caso o metrô tivesse chegado mais cedo, penso nunca poder ter encontrado com ela - porque uma senhora de mãos tortas, uma senhora de cílios finos e ralos, de aspecto que poderia facilmente beirar o recuo, de óculos não somente escuros, mas densos, de linguajar nenhum, de sapatos bracos e de pérolas no pescoço, pouco visível e cega talvez nunca chamasse a atenção de um homem como eu. eu me sentia um traste.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

as composições | 2

(...) era horrível. tinha muito da exaustão da composição do olhar. de uma mulher que sorria, todas as coisas que não eram passíveis a explicação. eu pensava que o processo todo estaria prejudicado pelo abandono. eu achava que poderia ver o que eu fazia, ou o que eu entendia do mundo. acontece que eu já tinha chegado no meu limite.

a minha intenção não foi criar uma discussão. acontece também que, dali em diante, os dias tomaram rumos que eu desconhecia. eu tentei aplicar à situação o mesmo controle que já havia aplicado a tantas outras antes, mas a minha consideração quanto a isso foi igualmente falha e reversa. eu tentei fazer das minhas ações grandes golpes do tempo - sendo que deveria tê-las transformado em providências. antes tivesse calcado as dúvidas no chão, no piso da sala entre a gente. porque este terreno baldio entre a gente tinha passado a romper com o meu vigor. todas as cores sobre as quais eu falava puseram meu discurso em contradição. e ele franzia os olhos, a reprovar meus lençóis brancos. mas não o culparia, tampouco faria da culpa uma pequena medida de contorno da situação. para mim, a culpa era uma espécie de gula do absurdo. eu tinha medo das conjecturas - das considerações térpidas da amizade. às vezes eu ainda me pego pensando nele enquanto o peso do sono me repuxa o corpo. porque ele pegava o violão - já desfeito de qualquer dom - e o colocava no colo. ele compunha quando não tinha nada para fazer.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

segunda-feira, 8 de junho de 2009

outro dia na neve

o eterno retorno:

eu tinha holofotes debaixo das pálpebras. o meu olho era um lugar que não ficava escuro - e eu enlouquecia por isso. eu me perdia no vazio das coisas que eram feitas com razoável frequencia. porque eu tinha metido os pés no tempo - e tinha metido os dois pés no meio do peito do tempo. então eu aprendi que isso era uma possibilidade remota da vida: as coisas se repetiriam sempre duas vezes, e centenas de vezes depois disso. eu aprendi que o ciclo das coisas não era um círculo - era um diálogo que engolia o próprio rabo.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

o engasgo

"escrever é catartico
e a escrita é um vômito.
o engasgo é um propósito:
o próprio homem que vomita.
o desvio não é um mito
e escrever é onírico.
o engasgo é de propósito:
o próprio homem que sobra,
e sonha e deixa as sombras no ar.
se não está escrito, nunca foi dito.
escrever é pontuar caráter".


eu já tinha esquecido todas as predileções que faziam em relação aos homens e a seus romances. acontece que as mulheres têm a necessidade da preservação. e isso é muito mais maternal do que poético. o instinto que traz o zelo é impreterível. uma mulher pode ser terrivel. a mulher é muito mais hierárquica, construída de sensibilidade - posta de lado. porque a mulher tem um dia. e porque a capacidade de uma mulher de dosar o amor é proporcional a sua capacidade de ser cruel. a mulher é referente, substancial, sem condicência, maldosa - infinitamente mais maldosa. porque os vícios da mulher são emocionais. e a mulher faz um sentido do cuidado em tudo. o romance da mulher é eterno.

domingo, 31 de maio de 2009

as composições

eu teria que pensar de uma maneira analógica, imaginava. precisaria desconstruir o pensamento. e esse meu linguajar pobre, jogar pelos ares. eu tinha uma grande vontade de desconstruir mesmo - e eu dedicava diversas horas a pensar sobre isso. eu pegava rápido o jeito das coisas porque eu tinha sido criada assim também. eu fazia questão da desconstrução. eu quase entrava na luta. eu fazia da mansidão uma perspectiva. e quanto a observação do outro: alguns observam, outros não - era isso que eu tinha entendido do discurso. porque o olhar descontrói - eu sei, essa palavra ainda seria usada muitas vezes mais. o que eu ainda duvidava era da consistência da relação: ou era o casamento ou a dicotomia perfeita. por isso eu fazia do meu olho uma experimentação, uma fração qualquer de segundo. eu compunha enquanto não tinha nada para fazer. eu tinha que entender os detalhes meus para o outro. e então vinha o pensamento e eu cuidava para que tudo existisse - porque o cenário podia não existir. eu colocava as coisas dentro da postura e das possibilidades. eu ajeitava tudo. eu cuidava para que as coisas realmente existissem, para que o perfeito perdesse o controle. o fogo era lindo e as chances que eu perdi foram outras, as meias, as tantas outras vezes que dormi nunca voltaram - eu relatava a minha desistência nas horas de fadiga. eu compunha enquanto não tinha nada para fazer. eu punha a vida em ordem, os perfumes, os livros em ordem. eu punha os CD's, os vestidos, os desenhos em ordem: às vezes a minha composição era proposital. (...)

terça-feira, 26 de maio de 2009

da praticagem das coisas

há de saber que relacionamentos poderão durar enquanto for possivel sentir paixão. depois disso, findarão.
o fim é a perda da graça.

Marcela | 3

Eu já tinha vivenciado um romance antes. Eu já tinha experimentado gostar e dar de volta o gosto da companhia. Acontece que eu fiz da minha vontade a própria consignação dela. Eu explico: eu tinha um homem que muito fez por mim, que largou, que tombou a vida para que pudéssemos construir outra que fosse comum a nós dois. Ele era um homem cuja velhice não chegaria ou alcançaria nunca. E eu era uma mulher de vida por começar. Eu achava que viver era uma bravura. Como eu nunca tinha feito nada, com o passar do tempo, a nossa convivência já era imediata. Eu pedia cerca de dois cafés por vez, e demandava açúcar ao atendente também. Assim como o tempo demandava rotina, e a rotina demandava tempo. Eu conheci este homem em um café perto do café que eu freqüentava. É que as coisas quebram, e a gente é obrigado a mudar – eu mudei. Eu saí de onde eu estava. Eu deixei as minhas birras, peguei meu vício e mudei.
Na época, eu achei que isso seria difícil para mim, acontece que mesmo assim eu mudei. O café que eu passei a freqüentar por muitas vezes me remetia ao antigo quando eu entrava no começo – depois de alguns meses, eu já quase não tinha lembranças dele. Engraçado como a gente se aproveita tão pouco – ou por tão pouco tempo a ponto de esquecer. Eu não entendia se o esquecimento era uma geração tardia da memória, ou somente um lapso dela. O homem com o qual eu convivi naquele café foi embora ali mesmo. Eu explico: quando ele foi embora, eu contive a minha cabeça, e eu deixei que meu olho acompanhasse cada passo dele. Eu achei que se o perseguisse, estaria a salvo. O bule esvaziou, e a gente terminou logo depois. Eu fiquei parada por um bom tempo em tempos ruim. Porque todo rompimento é doloroso. Eu tinha pontadas horríveis no rim e nas costas. Para uma mulher nova, isso era um absurdo também. Eu intensifiquei meu vício, a minha insônia, a minha revolta das coisas. Porque eu achava que a vida tinha me passado por cima, me pisado nas costas mesmo. A vida tinha feito com que eu mudasse o meu café, a minha rotina, e a minha demanda específica das coisas por nada.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

as mulheres do sonho | 2

acontece que eu não era uma mulher, eu era uma jaula. eu pegava as grades da minha frente e me afastava. a jaula do mundo era dos outros. toda aquela deixa, toda aquela sujeira do passar das semanas. enquanto todas elas paravam, eu recuava para o meu cigarro também - naquele fogo mínimo que eu tinha. eu não mentia, eu não transfigurava. eu somente passava pelas outras a comtemplar e a sabotar cada um de seus detalhes. porque eu era um grande adereço, um grande colar de experiências e de tombos. e eu teria que acordar, pular da cama, cair no mundo. acontece que pela minha distração, eu perdia o simbolismo nas mãos, e as mãos nas grades. imagina uma mulher presa: era eu. enjaulada. posta de lado, deixada de lado, em paralelo. eu queria passar a existir na liberdade das bordas: as mulheres do sonho existiam assim.

terça-feira, 19 de maio de 2009

quando julgou-se, finalmente

nao fui a mulher que sou.
mas sou todas as mulheres que quis ser com isso.

as mulheres do sonho

eu tinha parado naquela cena. porque para mim, nunca houve antes outra cena igual. aquela mulher que fumava muito e sem parar. o descanço era um puxar de ar bastante breve no tempo entre apagar um cigarro e acender outro. eu queria entender de qual lugar aquela mulher poderia ter vindo ou o que ela fazia ali. ninguém poderia se perder tanto, tampouco ser tão completo, tão cheio de si. porque essa não era a minha vida, isso era o que eu fazia para sobreviver. eu olhava as outras mulheres, relatava, e fazia da mulher em mim um pouco de todas elas também.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

domingo, 17 de maio de 2009

notas de fora | 4

CASO NÃO TIVESSE PESO,
EU AUTOMATICAMENTE DESCONSIDERARIA O ACASO.

e então existe eu

o comentario que eu tinha feito não provocou nada. só ficou ecoando a mesma coisa, umas centenas de vezes depois de dito. eu nunca vi ninguém ser deixado - eu só deixei, tantas outras vezes. e então passei mal. dei o cano, fugi na primeira oportunidade mesmo. faltei, porque a gente é cheio de faltar com a vergonha na cara.

das cores

A CINZA É CINZA.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

as faculdades humanas

se não a realidade, a utopia me fará caminhar
e me fará mover, essencialmente movimentar-me.

Os outros

Quartos de hotel são assustadores por natureza. Quantas pessoas já passaram por lá antes de você? Quantas já dormiram nessa cama? Quantas já perderam a cabeça, enlouqueceram nessa cama? Quantas delas já morreram ali? Você nem sabe.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

O vômito

Não há nada além de um edredom que cubra a cabeça agora. Porque as velhas idéias estão cobertas também. Pensei ter atravessado por toda a passagem dos mitos e das coisas. Acontece que a beleza da poesia é degradante e suja. Eu estava em um lugar em que as vozes cresciam. As vozes, os sons, os meis tons cresciam e o barulho aumentava. Exponencialmente, eu ficava surda. O barulho todo unificava, concentrava, e tirava a vez de outros. Eu era uma mulher suja - e não havia nada que se pudesse fazer a respeito disso. Porque eu dançava muito, ao deixar dos acontecimentos e ao bel-prazer do criar dos rítmos. Desejava ter parado a tempo de colocar as convicções realmente a prova. E talvez ter parado, simplesmente. Eu fiz uma página que era um decreto. Eu vomitei. E coloquei fora do corpo a garganta, a secura do vinho, da droga, da mercê toda que envolvia o prazer. Esse almoço não vai terminar, eu pensava. Esse almoço não vai terminar porque não precisa. O meu perigo era não me levar em conta. Poque depois disso vinha a anulação de mim. Eu poderia pedir que houvesse a espera por mim também, mas o desenrolar de uma situação que sai do controle sempre deixa a desejar em um ponto específico. Como tudo que é grande, faz-se impossível de se manter todos os aspectos intactos. Eu vomitei. E eu tinha trazido para o corpo a urgência de tudo que eu sentia. Imagina uma menina que concentra desejo nas bordas, e que não dá conta de toda a extensão da posse. O espaço estava contido nos limites de um ciúme arbitrário. O que havia para conhecer não estava posto. O que havia era uma porção do desenvolvimento, do aumento, de alguma significação extensiva das palavras. A volta era um giro. E Rita Lee não existia. Nada existia porque a minha disposição era adversa a tudo. Eu queria volver, como poucos. Voltar. Acontece que voltar subentendia colocar do avesso a este ponto. Tinha uma falha no retorno, ou no fermentar de uma segunda vez, de toldar-se, de turvar-se a nada outra vez. Algo incerto - eu entendia isso como uma questão geral. A minha sinceridade desaprovava a minha cabeça com frequência - e o aprendizado que envolvia isso tinha um tamanho que não existia também. Eu não complementarei o tempo. Eu não darei ao tempo a sofisticação que lhe pertence. Não há perda de beijos. Das bocas, já não há olhos. Da intimidade, o espanto que restou - porque o corpo continua a trazer o que houve no carro, na tarde, no passar das horas que pensei não haver gostar sobre nada. Não vai haver nada como as coisas que passaram batidas ou apanhadas. Eu vomitei. Acabei. Abri mão. Lavei as mãos e saí. A partida não é um ponto, é um abandono.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Marcela | 2

o homem dela:

E eu tentava entender. Eu tentava abrir o olho para entrar mais luz – mas então vinha o medo de ficar cego, ou de ser tomado por uma maré grandiosa de inteligência. Não sou um homem que nasceu grande. Então eu fazia o inverso. Era como se eu pegasse a parede, e a puxasse para próximo de mim. Meu olho era fixo para isso, e eu engolia tudo até minha cabeça ganhar dois túneis adentro no lugar dos olhos. Puxaria a Marcela, a sala, a mesa, o objeto todo. Eu via o fundo, o fim. Alguma coisa pequena e que quase não falava, mas que dava perspectiva no breu. Essa coisa era a esperança para mim. Eu imaginava um túnel enorme na minha cabeça.

Eu tinha feito uma expectativa, uma espécie de trilha no meio do mato. Somente a precaução dela seria capaz de me arrancar a vida do peito. Se ela me considerasse mais, eu estaria acabado. A minha linha de pensamento tem um tom de eco, de ressonância. Se ela me considerasse demais, eu estaria abandonado também. Então a minha dor tinha que ser uma moção do abandono – ou da companhia demasiada. Talvez a gente precisasse de diálogos, mas as palavras por tantas vezes arranharam as paredes que mesmo eu, este segundo doente mental, já não agüentaria a destruição da mobília outra vez. Para isso eu teria que forçá-la a parar. Parar de dar remédios, receitas, bolos crus. A instância das horas passava como um desafio.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

no poço dos desejos

tirou uma moeda do bolso. fez um malabarismo qualquer:

eu queria deixar preservadas as coisas boas que a gente viveu, porque agora a vida seguiu em frente também. eu queria ter tido tempo no começo para dar metade de mim que você conheceu da metade para o fim. eu queria de novo as horas que foram vagas, e as vagas horas ao seu lado de espera - porque até a espera tem um encanto no processo todo. talvez gostar precisasse de mais prática, de mais habilidades que eu não tinha. e a família que era minha deixou de ser. as coisas que eram minhas, as minhas vontades, perplexidades: tudo depositado em você. agora esta moeda de troco de cigarro, de café frio, mal pago: eu queria transformar você em uma lembrança atemporal. não a localizarei no tempo, nem na minha história. porque a história que é nossa é o que eu acabei por me tornar também depois de tudo.


até o poço dos DESEJOS ainda é um poço.

terça-feira, 5 de maio de 2009

segunda-feira, 4 de maio de 2009

o banco de ossos

foi como eu te disse, eu estou envolvidissima
eu parei em você.
e tenho parado cada vez mais.
eu tenho diminuido, desacelerado o rítmo.
tenho pensado, saído cada vez mais das adversidades.
e tenho pensado no que a gente era, e no que se tornou.
o que há para a gente ser ainda?
o que há hoje que não havia antes?
porque a minha vontade é estar com você.
e de estar no seu beijo.
no seu abraço
no sentir do seu cheiro.
no usar de mim pelos seus braços.
porque o seu cheiro ficou na minha blusa de ontem.
e você foi minha referência a noite inteira.
o beijo que é seu ficou em mim, até os seus silêncios, os seus suspiros ficaram comigo, e dormiram comigo também.
eu estava próximo do desejado.
- e isso era privilégio de poucos.
e se é isso, se a paixãoo é isso:
então eu estou apaixonada também.
porque a paixão pra mim é simplesmente isso.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Marcela

É, eu já tinha feito das tripas um coração enorme. E agora eu tentava dar conta dele. Imagina, um coração que já tinha tido ataques epiléticos, que se contorcia no peito como uma cobra enrolada na água. Que se debatia, que batia nos cantos e nos outros órgãos. Que comprimia os pulmões, que sofria as dores da minha cabeça e da minha insegurança de tudo. Porque o meu problema não era a minha insegurança, na verdade. O meu problema era a minha autoridade, a minha segurança demasiada em tudo que eu fazia. Se eu gritasse, estava calma – uma explosão minha era o fim da histeria. Se eu ficasse quieta, então sim vinha o meu nervosismo, a minha pilha das coisas e das aflições.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Devaneio Canalizado

A dor ocorreu e infartou a minha mão. O lápis bateu contra o chão gerando um estalo que durou alguns segundos. Um suspiro tomou conta de mim e eu levei as mãos até o rosto, inacreditavelmente envelhecido. Quantos anos se passaram desde a última vez que me olhei no espelho? Cem, duzentos talvez? A chuva batia no vidro da janela, torturando-o. quantas vezes desci a serra pelas curvas da estrada de Santos? Quantas vezes caminhei pelas belas praias?
Imagine quantos novos amores nasceram às margens cimentadas dos canais.

No fundo da minha mente, nosso amor insiste em ser lembrado como um destes, nascido às margens. Canais levaram, durante um centenário, água ao coração da cidade. Levaram, as margens do pensamento, ar ao coração mais fraco da humanidade: o meu, lógico. Mas por que tantas perguntas? Perguntas ainda não irão lhe mostrar que eu sou feito destas águas, deste frio, deste ar.

Imagine quantas moléculas solitárias de água atravessaram pelos braços destes verdadeiros rios urbanos. Imagine! Sete vezes diferentes. E, cada vez, um pecado diferente. Na chegada da cidade, o canal 1: a gula. Uma ânsia de conhecer tudo. É a nossa paixão em sua forma mais pura. No segundo, um segundo não poderia perder. Preguiça, só isso. Deu saudade de sentir e vontade de voltar a ser nós dois. Mas nada irá me desconcentrar, devo continuar a contar a minha história. Corri para o terceiro canal, coberto de cobiça. Voltei ao meu primeiro sentimento e fui direto para o quarto. Sentei a beira de um certo orgulho destorcido. Ao redor dele, hoje existe um certo desenvolvimento. Prédios lindos cheios de segredos. Banqueiros, donos de muitas das extinções impressas. Talvez eu fosse forte o bastante para suportar a falta de você.

De repente outro estalo. Voltei a estar sentado na escrivaninha com uma xícara de chá, já fria, encarando-me. Como me deixei ser conduzido? Como me deixei ser poluído? Estas perguntas me encostam contra o vidro da janela e me interrogam. Vi uma garrafa vazia flutuando na água lá fora, que não sei ao certo se está canalizada ou solta por aí, como minha liberdade, meu amor, minha saudade da vida. Quis por um instante deixar tudo para trás (mais para trás ainda, se é que isso seria possível). Sei lá, qualquer coisa. Sair deste corpo, encarnar em uma samambaia, numa panela, num pedaço de carne cozida.

Um gosto salgado atingiu meus lábios tentando me fazer renunciar. Mas eu me mantive firme, apesar dos pés trêmulos, das mãos bobas, do coração saltando pela boca. Tive um misto de diversas sensações me invadindo e tomando conta de cada pequena parte do meu corpo, como um banho frio ou um último gole que desce quente e queimando pela garganta seca.
Ainda lembro-me do quinto pecado. Por que poucos tem tanto e tantos outros tem tão pouco? Doce inveja, dei a luz a ela. Por que sentir inveja e não cobiça? Por que um desenvolve-se e outro nem tanto? É mais fácil invejar do que traçar um sonho? Quanta modéstia. Continuei a correr deixando o vento gelado bater contra o meu rosto e as águas passadas das lagrimas passadas transbordarem pelos meus olhos. Não quero mais sentir esta dor. Não quero mais deixar este vazio crescer, bem no centro do meu peito. Queria poder atingir o limite sem conhecer o desespero. Queria poder ter gloria. E no sexto pecado eu tive. Luxuria e luxo. Lixo! Naquele dia, naquele mesmo local há 50 anos atrás, as mesmas duas pessoas foram tomadas por um desejo que transformou suas almas puras em um pecado delicioso. Mas e agora? Olho a minha volta e sou alguém que esta limitado a ver. Não tenho lhos de quem é capaz de entender. Fui traído pelo pecado mais efêmero de todos.

Fugi mais uma vez. Desta vez, pela última vez. No sétimo pecado sem mais tempo para pedir desculpa ou para pedir para voltar, a gente morreu. Foi lá que você literalmente padeceu. E eu morri junto, bem ao seu lado, deitado e moralmente ensangüentado. IRA. Odiei-me por tê-la deixado partir.

A seriedade nunca foi a minha maior qualidade. Mas rir de tudo, como fazia antes, era agora uma clara demonstração de desespero.

Continuei a correr, a rir e a chorar de aflição. Já não havia mais tempo para voltar atrás. Troquei a xícara de chá fria por um copo de whisky, que bebi até sentir meus lábios dormentes. Parei de fazer fantasia, mas será que parou de fazer mal? Sou então como um velho canal, cheio de beleza e de b... bom, melhor não comentar. Tire suas próprias conclusões. Sou fruto de uma sociedade errante. Por mim, conformo-me.

____
concurso de crônicas - academia feminina de letras.
os 100 anos dos canais de santos.

2007

domingo, 26 de abril de 2009

mistério de uma pessoa só

imagina uma mulher que não era delicada para sentar. ela dizia: eu perdi o meu espectro, todo ele. e eu perdi aquele homem também porque eu colocava os pulsos com gelo em sua nuca até que as veias murchassem nos cantos e ele pudesse relaxar. então eu relaxava também. quando ele parava eu o perdia. então eu o irritava.

raiva de bar

a sua palavra não vale nada.
a sua palavra mais dois e vinte, eu pego o onibus.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

A cabine | 3

dos trechos passados a limpo:

(...) Continua sentada no banco do banheiro: está sentada naquele banco de banheiro há meses. Às vezes seu pensamento é do tipo de gente que se acomoda. E Ana Laura faz parte desta categoria com o mesmo orgulho que James carrega nos bolsos, e com a mesma sensualidade que Sabrina carrega no corpo. Assim, um círculo de vício. Porque o pensamento tinha que estar além do resumo de ler e de escrever. Precisava criar novas soluções – algum sentido na parte que se perdeu no caminho, ou na saída da escola. Uma parte que havia sido solta e que em algum momento tinha sido posta como desnecessária. E James sempre achou muitas coisas desnecessárias – ele achava que as coisas da vida social eram banais demais, que todos os assuntos eram banais demais. Não é fácil ser inteligente – então não precisava, por vez, por a prova sua inteligência, mas sim sua capacidade de pensar. Precisava concluir com mais determinação, já que ultimamente tem perdido o foco e tem deixado as idéias correrem soltas cabeça adentro. As idéias que se espalham entre os móveis da sala são de dura ordem. Necessita limites como quem necessita do vômito depois da comida. O conhecimento sobre os processos está se esgotando? Evitava comentar. Às vezes pensa secar como a caneta que usa, murchar como planta, sumir como pó. As letras acondicionam o caráter desbotado e somem na frente de seus olhos. Porque quando não há tradução de pensamentos, há crises. Era como se tivesse um bloqueio ao que pensa – e admira-se: formar conceitos é algo com que lida sempre. Mas o som e o sentido se confundem. Era pobre. Subalterna. Era nada, assim: o anti-climax. (...)

quinta-feira, 23 de abril de 2009

O Acordeonista

Um canto que mais parecia um pranto, um suplicio que impetraria em mim e depois em nós a harmonia – era uma instancia na qual eu não confiava nem para mentir. Porque o balanço implicava um limite também. Os dedos traziam um cruzar de silêncio e de tormento e as notas faziam pequenas perfurações na melodia como tiros de um insuficiente no escuro. Como pequenas interrupções, pequenas granulações no discurso sem palavras que propunha, as notas era carregadas de auto-promoção. Não via e não era visto – minha simplicidade era poder passar desapercebido por ela, um andarilho talvez. O som passava por mim em um tom caramelado e viscoso. Não me possuía, não me tomava ou me ou fazia dono, eu era o mesmo de sempre, mas não era eu mesmo quando destrinchava aquelas notas no ar para ela. E que ar mais denso, penso eu, para querer ser escutado. Minha proposta seria trazer essa pequena aspiração até o âmbito do pensamento. Até o máximo do pensamento. Eu fitava seus olhos com os olhos que ela não tinha – e isso me passava a sensação de estar em vantagem. Era como se eu tivesse domínio sobre seu passo. Eu olhava seu vestido, seus quadris, os trilhos de seu cabelo, as fivelas. Eu ouvia suas sandálias estalarem no chão, festejando. Parecia que eu puxava seus braços de um lado para o outro, eu deslizava seus pés, arranhava seus pés piso. Ela, minha marionete. Marionete de mim. Eu colocava no piso seu peso de menina, de bailarina, de mulher como uma boneca, um enfeite ínfimo de porcelana em uma prateleira de pensamentos. Mas não se engane, há quando seu vestido espaçava ao redor do corpo também e no centro do salão: ela era um grande pavão no centro do salão. Com aqueles olhos azulados reconhecíveis, perfeitamente reconhecíveis. Olhos de águia velha, olhos foscos, turvos. Olhos molhados. Olhos de afogamento, de socorro. Olhos baldios como só ela tinha. Por tantas vezes inclinei as costas em sua direção, a cortejá-la. Torná-la nobre. E o que me parece é que este instrumento é um velho de público único. Ela faz na escuridão, mas são faria no absoluto silêncio. Eu sei, eu a conheço o suficiente para duvidar dela. Este velho acordeonista é o que existe antes de saber existir. Porque não existe felicidade sem um bom acordeonista. E tudo me parece correto agora, e dentro das controvérsias.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

terça-feira, 21 de abril de 2009

domingo, 19 de abril de 2009

a concentração era vasta | 3

eu imagino uma mulher que sorri, e que o sorriso quase lhe rasga o rosto. imagino uma mulher que rola pelas escadas, que joga as minhas cadeiras, as minhas meias, que joga copos pela escada. ela fazia um show das coisas que voavam na minha frente.
eu achei que só chovesse em mim, porque o meu cabelo grudava na testa – e então vinham aquelas pequenas poças de água na minha camisa, na frente e nas costas. e eu via o cabelo dela ali, intacto. eu achava que aquilo era muita identidade em uma pessoa só. ela era tão importante que o bem e o mal saiam dela – pelo menos era isso que ela achava. e ela se colocava assim, imponente na inconstância das coisas e dos atos.

por vezes, tinha pensado em usar o telefone para fazer contato entre nós. não o fiz. o nosso contato ainda estava restrito no olho – e que olho mais ordinário eu fui escolher para isso! justo eu que sou homem de olho claro e que as bordas do olho de justas não tinham nada. eu era um homem de olho tão claro que quase era branco. e eu sei disso porque ela, a toda hora, me punha no espelho – e então eu refratava. quebrava a luz de tudo, a punha em mim, e depois espalhava. então vinha aquele clarão e ela soltava para mim todo o desalento que tinha: será que você não é capaz de se manter neste breu? não. EU não era. aliás, eu era completamente incapaz de viver ali. eu somente ESTAVA ali – e acontece que aquela não era a minha vontade também. a minha vontade era outra, e estava guardada. eu a tinha posto junto ao corpo que eu mantinha dentro desse corpo doente que tinha sobrado para mim. as mesmas coisas que eu segui, eu ainda seguia agora – só que em outro nível. meu olho tornava meu corpo pouco porque rebatia a luz que vinha aos montes. imagina um louco? era eu a me sabotar.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

a concentração era vasta | 2

eu ouvia o tremor dos saltos dela no piso – só depois ela aparecia. ela, aquela mulher enorme. ela vinha para mim com aquelas mãos de cinzeiro, uma pena. as cinzas que manchavam seus dedos e a palma da mão me faziam desacreditar. talvez aquilo fosse uma fábula do destino. uma pequena narração alegórica do tempo. um carnaval. eu não sabia.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

domingo, 12 de abril de 2009

o eclipse | 2

o que há de mistério no mar à noite? o que há em chão, em piso, que não se vê? pensava ser estranho falar de mar quando se fala de um leão e de uma coruja - mas a aridez não fazia exatamente sentido. então trocava os olhos: ao sol do meio dia não se vê olhos. a praia à noite era um grande corredor de ventos. se abrisse os braços ali, pegaria a orla para ela. porque o seu tamanho era uma contemplação - e as corujas não eram grandes mesmo. as corujas eram mensageiras, torneiras da voz da gente. a coragem era o melhor das virtudes às avessas: a cautela. se fizesse um recorte no mistério, aparentaria uma ignorância - então não o fez. há tantas implicações! porque o mistério vai tornar a perda do eixo. arrisca? arrisca. e então petisca. e se prepara - e bebe muito, e tomba o corpo. mas o corpo não desvia. não desvia olho, corpo, braço, deixa nenhuma. há quem não desvia nunca. nunca?

(silêncio)

poderia haver resposta. mas acontece que as corujas apreciam o silêncio do tempo. há quem se diga bicho do cansaço, e da preguiça. bicho da falta de pressa, e de euforia. duvidaria. por que o olho da coruja era perigoso? a coruja somente inverteria a ordem das coisas - e trocaria o dia pela madrugada. precisaria estar presente para isso. mas o presente é devasso. e as corujas tem olhos tangentes, pontuais. sustentar era difícil - e então vinha o leão.

imagina um bicho que chega de baixo, e fica enorme de repente. o leão só gosta da presa porque ela é presa - atacar a presa é quase vulgar, redundante. então imagina um leão que põe as patas nas orelhas e espera a surpresa da festa. há leões. há leões que são leões, e que ainda são gatos. para quem tem um olho enorme à noite, há a complicação de viver ao sol do meio dia somente com um risco de olho. imagina um leão que vira tatu? que some no dia, que só tem juba? não imagino - e não há porque trair a metáfora. o leão é rei, a coruja, mensageira. a coruja leva o tempo todo porque essa é sua função. o leão não. o leão tem um lugar todo para sustentar, um respeito, um medo todo dele para sustentar - e sustentar é dificil.

a curuja quer voar. há corujas que voam muito, e sempre. há corujas que não voam nunca. há aquelas que nunca voaram, e há aquelas que sequer nasceram também. então vem um leão com receio, que se aproxima lento e sempre, com as costas feito uma engrenagem de máquina. um leão cujas patas tecem no chão o caminho. vai ver a loucura é uma bravura também. então a imaginação traz um leão que pula, mas que pula tanto a ponto de esperar que alguém tire o chão enquanto ele salta, para que caia indefinidamente. ou então que lhe agarre no ar, enquanto ainda está no alto. decerto, só há a fuga. e se uma coruja está disposta a voar? não há nenhum registro visível de alguma que chegou lá. é mesmo inconsequente - e quase vulgar - esperar que um leão ataque. e a coruja é o pássaro da noite. da eloquência, vinha uma mulher que se dizia leão - com um cabelo que era um juba. e uma menina que era um coruja de olhos furados. porque a coruja tanto se enfeita que se fura os olhos.

há corujas que não vivem nada. o leão é a presa da presa. uma condição, uma torção de origem física. pois que para a coruja não há ordem, arranjo, não há nenhuma disposição conveniente. para a coruja não há cadeia. a coruja é o bicho dos recados - o leão, o bichos dos outros bichos. é, sustentar é dificil. então detesta o autosacrificio, o falso eclipse, as coisas práticas.

voar não é uma obrigação, é um desafio. já tinha infestado o sentido, e agora definia inversos. voltaria a quietude se não soubesse que duas hastes inversas podem invergar tanto a ponto de converigir. há uma impossibilidade no reino dos bichos. há bichos que não se aquietam nunca. há bichos que são incrivelmente fascinantes. há todo o tipo de bicho.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

mulheres

a morte era o ócio, o óbito, não. ela era do tipo de mulher que toma dois comprimidos por vez - sua garganta é um tunel. eu inchei. e ela estava ficando um bicho. marcela não tem nada o que excluir? tem gente que não tem cabeça - tem gente que tem muito. então vem a sobrevivência. e depois a volta para casa. o dedo perde o contato do dedo com o passar do tempo - e dependendo da alimentação também. o que era meu estava dado - e eu tinha apanhado muito por isso. já sabiam meu nome - então eu era um nome agora.

terça-feira, 7 de abril de 2009

segunda-feira, 6 de abril de 2009

a concentração era vasta

acendeu o cigarro - não porque tinha vontade de fumar, mas porque tinha falta de vontade em relação a todo o resto. já não havia mais nada do que fugir, ou do que se esconder. precisava aprender como se fazia café. e bule. e pó. e fogo. prometeu sossegar depois disso tudo esclarecido. fez uma pausa: imagina alguém que que não consegue saber o que é importante e o que não é. que prazer há em perder tempo?

ela era uma mulher que a alça do sutiã escorria pelo braço, uma alça larga que caia pelo ombro e por debaixo da manga da blusa. uma camisa cinza, xadrez, meio azulada e sem cor. ela colocava o cabelo para trás, e depois o ajeitava de volta para o lugar. pedia silêncio. que peso que há nisso? a concentração era vasta.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

vidas cinzas

uma arma na mão. um aroma? o do cigarro. e que cinza maldita. cinza: cor de nada. uma dúvida? sete dúvidas insolúveis em água. quais seriam as sete melhores partes do corpo? everytime, evitaria comentar. uma doença? ódio por ser interrompida sem propósito. outra segunda doença? ódio por descrevê-las. um problema? o estouro dos vínculos. a expansão dos vínculos. sente muito por isso. sente o mesmo que sentir por ela, treze dias atrás. quantas vezes poderia ser surpreendida em um minuto? há o empecilho da concentração. sua principal personagem não passava de uma imitação de sua vida - e que merda de vida para se imitar, não? porque este corpo de texto sem rosto? another time, maybe. evitava comentar também. mais um cinzeiro cheio - estava de saco cheio também. e de banho tomado. de cabelo lavado. e nada. seria esse o dia da guarda? das datas corriqueiras? dos vizinhos intrometidos?

AS FRAQUEZAS ERAM IMUTÁVEIS. OS PIORES DIAS: AS MELHORES EXPERIÊNCIAS QUE JÁ IMAGINOU TER. O BEIJO DELICADO QUE IRRITA SUA IDÉIA. ALGUÉM GANHA UM BEIJO, ALGUEM PERDE. O BEIJO É UM ALERGIA. UMA DOENÇA CRÔNICA. INTERMITENTE. INDÓCIL. cinza: cor de nada.

um tiro.
nenhum fim.

o gosto do tempo e das guerras dos outros

não poderia passar por isso de novo, de novo, não poderia. queria as coisas que tinham sido ditas há muito, mas os dizeres eram os mesmos de novo. de novo, eram os mesmos. a beleza - não havia. o gosto, o jeito, o resto do corpo. as escadas, os banheiros, outra vez o chão, o corredor de beijos. a sujeira, a mão cheia de poeira fina.


tinha prometido não deitar em escadas, não fugir em banheiros, não rolar em sujeira, não cair mais. havia simplicidade na promessa, e desvario na concreta crença que se fazia nela. a paixão vai matar a programação. teria que se apresentar, mas, de novo, não se apresentou. O INIMIGO ERA EU.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

sobre os gênios

todo mundo morre.
mas um dia a gente vai estar nas cabeças.


gênio é assim, não se explica.
e como eu fiz? eu simplesmente fiz.

domingo, 29 de março de 2009

dos homens loucos

ele falava coisas de como fazer bonecos de neve na grama. falava dos cachecóis que faria, e dos gorros também. dos olhos de botão, e do nariz de cenoura. seu pensamento representava um capítulo.

quinta-feira, 26 de março de 2009

O Ambiente

Foi uma surpresa retornar. Todo beijo nosso residia ali, como doença. Lembro-me da clara falta do ar, e do falso bombeamento de sangue dos pulsos. Fragilizei os joelhos. A minha respiração deixou de ser um suspiro e passou a ser um bafo longo e pontual. Uma martelada de ar que saía da minha boca, e por entre os dentes. Não passaria por isso de novo, eu pensava - eu já tinha jurado não passar. Já tinha esquecido - e eu já tinha jurado esquecer também. Mas a minha garganta tinha fechado e da janela vinha muito vento - e o balançar de cortinas, claro. Tive vontade de por a perna para fora, o rosto para fora e fazer buracos nele para ver se assim entrava ar em mim. Eu sentia as minhas pernas finas e as pontas dos dedos sensíveis, pontiagudas. Então eu apertei meu braço com a maior força que pude projetar: eu ainda era a maior decepção dele. Por que as bigornas não são brancas? Tinha um pesar nas minhas costas também. Há meses não chorava como hoje. Hoje, o dia mais cinza de todos. Errei na roupa, na frase, no cumprimento todo. Errei na piada, na ordem, na desordem das coisas. Eu precisava de um abraço hoje - daqueles sem fala, sem comentário. Sabe aquele aperto mudo do corpo do outro? Então, um desses. Não havia nada que pudesse fazer a minha direção mudar. A minha arte era essa e só. Não há a passibilidade da prioridade em mim. Eu já tinha enganado todo o mundo, e agora estava a voltar no tempo - e no prefácio dele. Eu já tive 50 anos. Eu já morri de câncer, de tuberculose, de tosse há 100 anos. Eu voltei com a mesma gripe de meses, e depois vim com uma falta de ar. Eu já morri de medo de guerra, e voltei inteira com 2 pernas. Porque a minha neurose vem da minha esperteza demasiada. Seria o cigarro desculpado pela genialidade? Achava que sim. Seria a minha vida outra vida? Seria minha a outra? Eu duvidava. Mulher nenhuma se atrasa tanto. E eu sei, eu tinha parado para resolver um problema. Mas acontece que o momento do erro me tomou o corpo e me tombou no álcool - eu perdi uma parte da história com isso. Eu já tive 50 anos, e agora estou voltando. Eu pausei o tempo, pousei sobre os ponteiros e os ajustei. Estalei os dedos e defini o momento do retorno. Dos tontos, um monte de trono de rei. Eu achava o escacho fácil, aquela separação toda. Mas a gente só percebe que falar é difícil quando perde essa capacidade. A minha lingua enrolou, e depois veio o reconhecimento tardio da perda. Os meus olhos ficaram dependendo de uma visão magra e turva - aquela madita hora mágica. Poderia cometer suicídio agora. Já morri. Já fui morta também - não há graça nisso. Eu parei no espelho, mas o contorno do olho já tinha feito um novo adorno em volta dele. Sabe alguém que levou um soco? Eu tinha levado 2. Eu tirei o rosto em volta do olho e o pus no chão. Eu sentei no meio do piso, e lancei aqueles 2 glóbulos de olhos para o alto - o aumento do espectro é decorrente do tamanho do erro que há nele. Eu parei na vaidade e na vulgaridade da cena. Imagina um grande rosto de choro e sem olhos? Imagina um rosto com dois furos, dois buracos negros dilacerados na frente, e a frente das coisas? A perda dos olhos, o malabarismo, o falso palhaço: era poético e até quase lúdico. A esse ponto a vitória realmente não era um desejo. O esquecimento era. O meu desejo era interromper o processo da criação. Parar com a idéia, com a fala, com o vibrar do branco do olho. Há de perceber o vibrar do branco do olho na irritação da fala? Eu tentava imaginar que sim. Acontece que o meu olho vibrava tanto que a minha concentração ficava comprometida. Eu sei, eu já tive 50 anos. Eu já fui a regressão do homem, e a paixão da mulher que regride exponencialmente. Eu fiz frente com os dentes na festa. Entende um ambiente que se chega, e que se agarra mordendo? Eu tinha mordido aquele andar inteiro. Eu tinha engolido suas lembranças dali, e regogitado seus desprazeres. Agora eu tinha problemas de salivação, de estômago, de memória fraca. Uma velha sem tempo e de 50 anos.

terça-feira, 24 de março de 2009

cortiços | 2

não existe a necessidade do grito. e se eu gostei? eu adorei.

eu era uma criança que tinha braços de gravetos, e pernas de cabides. e eu vi mais pessoas do que outras. na minha época, mamãe dizia, o inferno era aqui. as paredes eram feitas de caixas de uva. uma grande caixa de remendos. em cima, o som dos intervalos das músicas. não tinha silêncio por qualquer momento. as vezes demorava mais tempo para escutar do que para pensar. lá mamãe tinha um nome, aqui ela era mais uma. é o meio inevitável. tinham vários adornos - o quarto era um arquivo. daquele ano, esperaria o mínino de dignidade. sabe quando você fala, e ouve o que diz muito tempo depois? é que a mamãe era um estrondo. muito histérica, e com muita coisa no ego.

domingo, 22 de março de 2009

o navio

o que eu tentei colocar para ela era que não importava o que ela me dissesse, eu ainda me sentiria um anão. o meu corpo não aguentaria peso nenhum. tampouco, uma grosseria. eu ainda disse: a entrega não é só festa. mas ela já não tinha qualquer condição de flutuação. eu também não tinha, mas eu ainda me importava com as considerações finais que seriam feitas - talvez daí a diferença entre a gente e o grito dela também. porque ela soltou um assobio do grito, e fez um malabarismo com os braços logo depois. imagina, trariam seu corpo como um navio de carga, um grande latão de lixo flutuante! imagina, lembrariam dela assim, e de mim também.

quanto a família

seria a responsabilidade hereditária
uma forma de moldar a persepção?

sábado, 21 de março de 2009

o destaque da palavra - a ênfase

A gente escuta quase uma melodia. O começo e o término de uma frase é a primeira palavra. Mas eu fiz o contrario: uma frase aleatória no âmbito do dicionário. A cada início decido um novo início. O tom grave dá peso no texto; assim, é possível manipular o começo. Você pode estar sempre agudo - porque fica o canto, mas depois fica chato. Então você muda de lado.

(Ela era do tipo de mulher que as veias saltam nos pés.)

Na tortura eu elevaria o tom porque a atenção é fator notável da ênfase, e de todas as próximas fases de ostentação. Então eu acho adequada a proposta porque a pausa é uma sílaba - um belisco muito mais leve do que o deslocamento da fala propriamente. O deslocamento é o que a gente faz para colocar e destaque a palavra escolhida. Eu escolho a palavra de ênfase.
Há momentos de seta na sílaba. Silabar e prolongar - esse era meu objetivo. Mas como a cara da gente revela, se eu puder, eu falarei pouco na vida. Porque o que o respeito traz na gente, além da combinação dos sentidos multiplos? O prazer é oferta? O prazer é a oferta. O único jeito de ganhar no jogo é dizer que o outro acertou. A beleza não deveria ser enfatizada nesse sentido.
Às vezes eu acho que ela era mais bonita por fora. E penso que talvez roubar fosse tão prazeiroso quanto o sorriso violeta dela. Ela, com aqueles dentes brancos demais, tentava me tirar o olho do rosto. Pegaria meus olhos, como quem pega dois globos, duas órbitas insignificantes. Mas acontece que o olho dela dependia de um branco do meu. Um branco imenso e sigiloso. O branco que não desbota no infinito. A relação das cores comigo é simbólica.

quinta-feira, 19 de março de 2009

um dia na neve

o corpo que cai. o olho que geme. a gente sempre acabava preso a um eixo do tema. e também porque a inspiração costumava vir em duas épocas diferentes: ou nos tempos de fadiga ou nos de inércia. é que as coisas passam do suportável para o futuro muito fácil - e fazem de mim insuportável nas relações. vai ver são assim as grandes glórias da gente. nunca ninguém tinha feito nada nesse aspecto. foi então que eu percebi que eu tinha parado na relevãncia, ou na irrelevância disso tudo. eu imagino o ar que pode acabar - e eu enlouqueceria. eu imagino a estética de um lugar que não apaga a luz. uma insônia perpétua. um quarto branco. um dia nublado na neve - é, eu enlouqueceria.

quarta-feira, 18 de março de 2009

terça-feira, 17 de março de 2009

a importância parada

eu engoli as suas histórias. durante o sono, quando a gente se aquietava na cama, eu puxava sua cabeça para perto - o que não caiu até aqui, permanecerá fime. acontece. o que me passa é um mal estar. tinha algo que tentava engolir o nosso cenário - pensava ser a importância, talvez. como há na gente a politica de um relacionamento? esse abraço é sobre tudo, e por tudo que houve? talvez eu quisesse uma desculpa para estar fora, para jantar fora, para forrar a cama, e sair - um desdenho do que seria o ideal. mas não há insidência, nem crise. o que restou foi a metáfora da máquina. e do cérebro que perde a outra parte para o corpo. o cérebro aprende a outra parte e eu ponho meu braço em você. já foi a época em que eu só sabia fazer o que fazia.

sábado, 14 de março de 2009

sexta-feira, 13 de março de 2009

o décimo terceiro dia do mês em uma sexta.

Quem é superticioso, hoje deve estar desesperado. Eu sou uma das que nem saiu de casa - não acho isso um hipnotizar barato. Agora, para superar, só uns três casamentos. E o mais estranho é que você vê que o padre dá risada. Ele casa a gente e ri - é a autoridade flagelada! Há lugares que representam sínteses - para mim não. Vai faltar dia para mim. Vai faltar uma sexta-feira para mim porque alguns presupostos são filosóficos e qualquer coisa nesse sentido já seria um ganho. Eu tive que migrar para outro grupo e começar uma nova cadeira. O imperativo de uma perspectiva óptica é um vício de origem, um vício da ideologia. Uma das mais despreziveis profissões é não ser gente. Mas este também não é o único destino obrigatório. Um azar. E a sorte é que a partir de uma dinâmica, vem a compreensão com uma série de dados que confirmam isso. Porque o cientista precisa de uma insenção - tipo deturpar a pesquisa. O cientista sabe que a dominação pela força é precária: daí a supertição. "O pior escravo é o escravo satisfeito" - tem razão. Porque o destinatário primeiro sou eu. Quantas pessoas estão em situação de fome agora? Tem dinheiro para salvar o dinheiro dos ricos, mas não tem dinheiro para salvar a vida dos pobres. Eu me sinto totalmente tragado pelo sistema. Por isso a permanência em casa nessa brava sexta-feira treze. Brava. Bravo.

o ministério das coisas

a curiosidade é incrível.
EU NÃO.

quinta-feira, 12 de março de 2009

notas | 19 - outra parte

talvez a chance da amizade dar certo
fosse proporcioanl ao nível crescente de erotismo que ela carrega.

quarta-feira, 11 de março de 2009

notas | 19

talvez a amizade fosse medida pela quantidade
de erotismo que ela pudesse vir a suportar.

quanto a beleza das coisas

a gente tragou tudo, soltou, vomitou tudo porque o drama é pontual. eu ainda não estou satisfeita ou em situação de fastio - eu quero ainda poder descrever a loucura da mulher bêbada com maior quantidade de detalhes. e de beijos, claro. mas, no contexto, eu sou ela. e ela é meu corpo, inevitavelmente.


não há dança na lembrança que conduza o desfecho. não há abraço que o justifique também. não há desejo, demência, destreza, dormência nos pés ou nos lábios que comprove. porque a prova está na inconstância, na futura instância da dança que não houve. e que não haverá também. a função do corpo está na história agora - ou na boa memória, pelo menos. só há o instante do cubículo da mulher bêbada para ser lembrado. e há o instante de seus beijos, claro.

havia o espaço pequeníssimo de tempo para que se olhasse a mulher bêbada no espelho - e para que se visse nela, logo depois. porque sempre há na preocupação um segmento visceral - e de estrutura. a cabeça não alocava brincos, nem tino. pouco cabelo cortado, pouco vestido, pano, manga. uma beleza sem afluência - um reinar do avesso (e onde avesso é a ideal inquietação dos beijos, claro.)

a escolha é a condição do outro.

segunda-feira, 9 de março de 2009

a ruína

era uma casa linda. tinha umas árvores secas desenhadas nas paredes brancas, em preto. tinha um ar de não pertencer a nada, nem a ninguém. era de todos. meu, seu. de todos nós. seu cabelo era um monte de raiz enorme que saía de sua cabeça. porque eles poderiam atropelar a mulher que ela continuaria a pregar saias no varal. não há modernidade nisso, são apenas maneiras. será necessário decretar o óbvio. eu teria que morder as paredes para isso. porque a verdade é um voto, e assume o carater de quem quiser. porque as tardes recebem meu medo, e eu tenho medo de não saber o que eu sou no tempo. eu tenho medo de ter, ainda, medo próprio. eu morrerei de medo? eu morrerei de medo. eu não aguento mais esses arquivos de mim. essas listas. essas senhoras de verde, a rodar pelo salão. esse salão. essa teimosia. essas promesas. eu tenho medo de não saber fazer nada. de perder a função, de morrer de fome. de não caber. de não sobrar. de não ter quando tiver que dar. nem doar. de não suar. eu tenho medo de não ter silêncio. de não ter barulho ou ruído nenhum. eu tenho medo de não ter as cores com que eu sonhei nas paredes dessa casa.

o que eu tinha era um declínio.
uma derrocada.

domingo, 8 de março de 2009

uma mulher desse tipo

poderia abrir os braços no ar, dar a cara a tapas de outros e de terceiros. as amantes já não importavam mais. não importavam os almoços de família. a bebida, a droga, o disco. o rosto era um tabuleiro de dedos, e de arranhões. os peões, os dados, o jogo, o ganho: tudo perdido. tinha aberto uma fenda no tempo, e jogado o corpo. tinha tragado o cigarro, e jogado fora. tinha dado o corpo, e jogado o tempo. tinha terminado tudo, e começado tudo de novo. nenhum elogio, nenhuma reclamação tão boa. os amantes já não lhe interessavam mais. ela, a mulher que tombou para o lado.

o outro de mim

o espelho é o olho do avesso.

quinta-feira, 5 de março de 2009

o ponto

eu fiz na cabeça uma sentença.
mesmo no viés da dúvida,
o cume do lado para o qual eu tombei ainda era maior
- e mais alto.

quarta-feira, 4 de março de 2009

ah, sua belíssima!

poderia ser qualquer coisa.
um dia, dois. a semana inteira.
poderia ser o sangue, o suor, a saudade das coisas.

(o tempo passa para todo mundo, disse.)

poderia ser a grávida.
a trágica. a tela, o traste, a tentativa.
poderia ser o negócio.
o seu.
o dela.
o nosso.
IMAGINA O SUSTO?
poderia, a partir do conjunto, estabelecer uma tese.
mas a tinta do cabelo pingava nos ombros.
-malditas coisas que nunca ficavam prontas.
o vermelho não pegava.
se funcionasse, ficaria linda.
mas o vermelho não pegava.
BELÍSSIMA!
porque ela era a mulher mais linda e a mais estranha também.
o livro, o encargo, o ditado popular na ponta da língua.
na praça, o doce.
no doce, a douçura da gentileza.
na gentileza, a moral que movimenta.

vestiu um vestido emprestado:
sua imagem não valia nada.
o laço caiu, o olho, a ruga do olho.
pegou a cortina e saiu.

era uma mulher belissíma que fazia uma dança belíssima.
sairia ilesa.
mas seria a mesma logo depois.
ah, sua belíssima!
(sua imprestável!)

imagina uma mulher com pé de boi:
era ela.
no peso, o peso e só.

nada

A ATENÇÃO QUE FAZIA UM RISCO NO SILÊNCIO,
UM PRANTO,
UM PENAR E MAIS NADA.

tudo era isso.

terça-feira, 3 de março de 2009

pendências

não haveria presuposto a este ponto. com medo de que o sujeito deixasse a sala, aquele pavor de ver suas costas, ainda tentou pela derradeira última vez. um consolo:
- e se o senhor aceitasse mais uma xícara. talvez pudessemos conversar.
percebeu certa intriga. não havia mais nada para ser dito.
- o que há para conversar?
- não há.
- não há?
sentou-se. tinha alguma coisa a ser dita ainda. aceitou a xícara de café, completou com açúcar. bebeu em um gole só. agradeceu em seguida.
- agora você pode ir embora.

e então sim vieram as costas.

sobre exatas ciências exatas

alguém planeja matar mas não mata.
e porque os estudiosos não prevêm essas coisas?

domingo, 1 de março de 2009

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

os dois fechados

mofo é mofo.
rosto é transtorno.

o tiro

tudo o que era nosso era de todos agora. eu tinha trocado a aparência pela essência em mim, e nele, o gosto do pouco pelo gosto dilacerado. eu tinha feito em pedaços, mas ele - o segundo torturado pela dor - já tinha aumentado a história. ele inventou cinco dias dos únicos três que tivemos.
- NÃO DEIXA! NÃO DEIXA!
- EU NÃO VOU DEIXAR VOCÊ AQUI.
- NÃO DEIXA, NÃO DEIXA.
ele insistiu na presença, mas naquele ponto eu já não sabia entender mais o que realmente acontecia. eu achava que ele já tinha ido porque eu não via mais o vulto. ele gritava:
- ESSE TIPO DE GENTE PRECISA APRENDER!
- não deixa. não deixa!
eu fazia um balanço com o corpo, um ritual de contra-partida. eu tampava os olhos com uma mão, e os ouvidos com a outra. pernas de índio. ele não me deixaria viver - ainda bem.

top of the world

eu queria que a gente tivesse parado mais há um ano.
e tivesse insistido mais.
e tivesse parado mais há dois meses também.


porque eu estava no topo do mundo.
e você tinha me alçado lá também.




o furo

eu entendo.
a decência vai tratá-lo feito um indigente.

então eu teria ponderado, pensado por duas vezes antes disso. mas acontece que o tempo de espera entre o começo e o objetivo acabava ficando tão grande, tão desproporcional, que eu encurtei o caminho. eu fiz um furo na experiência. eu sei, você teria feito o mesmo. você também teria furado os olhos dessa chance.
eu poderia ter tornado o copo na boca assim como tornei o corpo a casa. eu passaria horas me trazendo para dentro. mas acontece que o desgaste dos seus flagelos fariam de você uma coisa, e não uma pessoa que incomoda. o meu medo era tratar com raiva do furo, - e depois precisar dele. eu sei, você não teria feito o mesmo. você não teria furado o dedo, puxado a corda, largado um peso.

e eu entendo.
porque a decência já está a tratá-lo como um indigente.