domingo, 31 de maio de 2009

as composições

eu teria que pensar de uma maneira analógica, imaginava. precisaria desconstruir o pensamento. e esse meu linguajar pobre, jogar pelos ares. eu tinha uma grande vontade de desconstruir mesmo - e eu dedicava diversas horas a pensar sobre isso. eu pegava rápido o jeito das coisas porque eu tinha sido criada assim também. eu fazia questão da desconstrução. eu quase entrava na luta. eu fazia da mansidão uma perspectiva. e quanto a observação do outro: alguns observam, outros não - era isso que eu tinha entendido do discurso. porque o olhar descontrói - eu sei, essa palavra ainda seria usada muitas vezes mais. o que eu ainda duvidava era da consistência da relação: ou era o casamento ou a dicotomia perfeita. por isso eu fazia do meu olho uma experimentação, uma fração qualquer de segundo. eu compunha enquanto não tinha nada para fazer. eu tinha que entender os detalhes meus para o outro. e então vinha o pensamento e eu cuidava para que tudo existisse - porque o cenário podia não existir. eu colocava as coisas dentro da postura e das possibilidades. eu ajeitava tudo. eu cuidava para que as coisas realmente existissem, para que o perfeito perdesse o controle. o fogo era lindo e as chances que eu perdi foram outras, as meias, as tantas outras vezes que dormi nunca voltaram - eu relatava a minha desistência nas horas de fadiga. eu compunha enquanto não tinha nada para fazer. eu punha a vida em ordem, os perfumes, os livros em ordem. eu punha os CD's, os vestidos, os desenhos em ordem: às vezes a minha composição era proposital. (...)

terça-feira, 26 de maio de 2009

da praticagem das coisas

há de saber que relacionamentos poderão durar enquanto for possivel sentir paixão. depois disso, findarão.
o fim é a perda da graça.

Marcela | 3

Eu já tinha vivenciado um romance antes. Eu já tinha experimentado gostar e dar de volta o gosto da companhia. Acontece que eu fiz da minha vontade a própria consignação dela. Eu explico: eu tinha um homem que muito fez por mim, que largou, que tombou a vida para que pudéssemos construir outra que fosse comum a nós dois. Ele era um homem cuja velhice não chegaria ou alcançaria nunca. E eu era uma mulher de vida por começar. Eu achava que viver era uma bravura. Como eu nunca tinha feito nada, com o passar do tempo, a nossa convivência já era imediata. Eu pedia cerca de dois cafés por vez, e demandava açúcar ao atendente também. Assim como o tempo demandava rotina, e a rotina demandava tempo. Eu conheci este homem em um café perto do café que eu freqüentava. É que as coisas quebram, e a gente é obrigado a mudar – eu mudei. Eu saí de onde eu estava. Eu deixei as minhas birras, peguei meu vício e mudei.
Na época, eu achei que isso seria difícil para mim, acontece que mesmo assim eu mudei. O café que eu passei a freqüentar por muitas vezes me remetia ao antigo quando eu entrava no começo – depois de alguns meses, eu já quase não tinha lembranças dele. Engraçado como a gente se aproveita tão pouco – ou por tão pouco tempo a ponto de esquecer. Eu não entendia se o esquecimento era uma geração tardia da memória, ou somente um lapso dela. O homem com o qual eu convivi naquele café foi embora ali mesmo. Eu explico: quando ele foi embora, eu contive a minha cabeça, e eu deixei que meu olho acompanhasse cada passo dele. Eu achei que se o perseguisse, estaria a salvo. O bule esvaziou, e a gente terminou logo depois. Eu fiquei parada por um bom tempo em tempos ruim. Porque todo rompimento é doloroso. Eu tinha pontadas horríveis no rim e nas costas. Para uma mulher nova, isso era um absurdo também. Eu intensifiquei meu vício, a minha insônia, a minha revolta das coisas. Porque eu achava que a vida tinha me passado por cima, me pisado nas costas mesmo. A vida tinha feito com que eu mudasse o meu café, a minha rotina, e a minha demanda específica das coisas por nada.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

as mulheres do sonho | 2

acontece que eu não era uma mulher, eu era uma jaula. eu pegava as grades da minha frente e me afastava. a jaula do mundo era dos outros. toda aquela deixa, toda aquela sujeira do passar das semanas. enquanto todas elas paravam, eu recuava para o meu cigarro também - naquele fogo mínimo que eu tinha. eu não mentia, eu não transfigurava. eu somente passava pelas outras a comtemplar e a sabotar cada um de seus detalhes. porque eu era um grande adereço, um grande colar de experiências e de tombos. e eu teria que acordar, pular da cama, cair no mundo. acontece que pela minha distração, eu perdia o simbolismo nas mãos, e as mãos nas grades. imagina uma mulher presa: era eu. enjaulada. posta de lado, deixada de lado, em paralelo. eu queria passar a existir na liberdade das bordas: as mulheres do sonho existiam assim.

terça-feira, 19 de maio de 2009

quando julgou-se, finalmente

nao fui a mulher que sou.
mas sou todas as mulheres que quis ser com isso.

as mulheres do sonho

eu tinha parado naquela cena. porque para mim, nunca houve antes outra cena igual. aquela mulher que fumava muito e sem parar. o descanço era um puxar de ar bastante breve no tempo entre apagar um cigarro e acender outro. eu queria entender de qual lugar aquela mulher poderia ter vindo ou o que ela fazia ali. ninguém poderia se perder tanto, tampouco ser tão completo, tão cheio de si. porque essa não era a minha vida, isso era o que eu fazia para sobreviver. eu olhava as outras mulheres, relatava, e fazia da mulher em mim um pouco de todas elas também.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

domingo, 17 de maio de 2009

notas de fora | 4

CASO NÃO TIVESSE PESO,
EU AUTOMATICAMENTE DESCONSIDERARIA O ACASO.

e então existe eu

o comentario que eu tinha feito não provocou nada. só ficou ecoando a mesma coisa, umas centenas de vezes depois de dito. eu nunca vi ninguém ser deixado - eu só deixei, tantas outras vezes. e então passei mal. dei o cano, fugi na primeira oportunidade mesmo. faltei, porque a gente é cheio de faltar com a vergonha na cara.

das cores

A CINZA É CINZA.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

as faculdades humanas

se não a realidade, a utopia me fará caminhar
e me fará mover, essencialmente movimentar-me.

Os outros

Quartos de hotel são assustadores por natureza. Quantas pessoas já passaram por lá antes de você? Quantas já dormiram nessa cama? Quantas já perderam a cabeça, enlouqueceram nessa cama? Quantas delas já morreram ali? Você nem sabe.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

O vômito

Não há nada além de um edredom que cubra a cabeça agora. Porque as velhas idéias estão cobertas também. Pensei ter atravessado por toda a passagem dos mitos e das coisas. Acontece que a beleza da poesia é degradante e suja. Eu estava em um lugar em que as vozes cresciam. As vozes, os sons, os meis tons cresciam e o barulho aumentava. Exponencialmente, eu ficava surda. O barulho todo unificava, concentrava, e tirava a vez de outros. Eu era uma mulher suja - e não havia nada que se pudesse fazer a respeito disso. Porque eu dançava muito, ao deixar dos acontecimentos e ao bel-prazer do criar dos rítmos. Desejava ter parado a tempo de colocar as convicções realmente a prova. E talvez ter parado, simplesmente. Eu fiz uma página que era um decreto. Eu vomitei. E coloquei fora do corpo a garganta, a secura do vinho, da droga, da mercê toda que envolvia o prazer. Esse almoço não vai terminar, eu pensava. Esse almoço não vai terminar porque não precisa. O meu perigo era não me levar em conta. Poque depois disso vinha a anulação de mim. Eu poderia pedir que houvesse a espera por mim também, mas o desenrolar de uma situação que sai do controle sempre deixa a desejar em um ponto específico. Como tudo que é grande, faz-se impossível de se manter todos os aspectos intactos. Eu vomitei. E eu tinha trazido para o corpo a urgência de tudo que eu sentia. Imagina uma menina que concentra desejo nas bordas, e que não dá conta de toda a extensão da posse. O espaço estava contido nos limites de um ciúme arbitrário. O que havia para conhecer não estava posto. O que havia era uma porção do desenvolvimento, do aumento, de alguma significação extensiva das palavras. A volta era um giro. E Rita Lee não existia. Nada existia porque a minha disposição era adversa a tudo. Eu queria volver, como poucos. Voltar. Acontece que voltar subentendia colocar do avesso a este ponto. Tinha uma falha no retorno, ou no fermentar de uma segunda vez, de toldar-se, de turvar-se a nada outra vez. Algo incerto - eu entendia isso como uma questão geral. A minha sinceridade desaprovava a minha cabeça com frequência - e o aprendizado que envolvia isso tinha um tamanho que não existia também. Eu não complementarei o tempo. Eu não darei ao tempo a sofisticação que lhe pertence. Não há perda de beijos. Das bocas, já não há olhos. Da intimidade, o espanto que restou - porque o corpo continua a trazer o que houve no carro, na tarde, no passar das horas que pensei não haver gostar sobre nada. Não vai haver nada como as coisas que passaram batidas ou apanhadas. Eu vomitei. Acabei. Abri mão. Lavei as mãos e saí. A partida não é um ponto, é um abandono.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Marcela | 2

o homem dela:

E eu tentava entender. Eu tentava abrir o olho para entrar mais luz – mas então vinha o medo de ficar cego, ou de ser tomado por uma maré grandiosa de inteligência. Não sou um homem que nasceu grande. Então eu fazia o inverso. Era como se eu pegasse a parede, e a puxasse para próximo de mim. Meu olho era fixo para isso, e eu engolia tudo até minha cabeça ganhar dois túneis adentro no lugar dos olhos. Puxaria a Marcela, a sala, a mesa, o objeto todo. Eu via o fundo, o fim. Alguma coisa pequena e que quase não falava, mas que dava perspectiva no breu. Essa coisa era a esperança para mim. Eu imaginava um túnel enorme na minha cabeça.

Eu tinha feito uma expectativa, uma espécie de trilha no meio do mato. Somente a precaução dela seria capaz de me arrancar a vida do peito. Se ela me considerasse mais, eu estaria acabado. A minha linha de pensamento tem um tom de eco, de ressonância. Se ela me considerasse demais, eu estaria abandonado também. Então a minha dor tinha que ser uma moção do abandono – ou da companhia demasiada. Talvez a gente precisasse de diálogos, mas as palavras por tantas vezes arranharam as paredes que mesmo eu, este segundo doente mental, já não agüentaria a destruição da mobília outra vez. Para isso eu teria que forçá-la a parar. Parar de dar remédios, receitas, bolos crus. A instância das horas passava como um desafio.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

no poço dos desejos

tirou uma moeda do bolso. fez um malabarismo qualquer:

eu queria deixar preservadas as coisas boas que a gente viveu, porque agora a vida seguiu em frente também. eu queria ter tido tempo no começo para dar metade de mim que você conheceu da metade para o fim. eu queria de novo as horas que foram vagas, e as vagas horas ao seu lado de espera - porque até a espera tem um encanto no processo todo. talvez gostar precisasse de mais prática, de mais habilidades que eu não tinha. e a família que era minha deixou de ser. as coisas que eram minhas, as minhas vontades, perplexidades: tudo depositado em você. agora esta moeda de troco de cigarro, de café frio, mal pago: eu queria transformar você em uma lembrança atemporal. não a localizarei no tempo, nem na minha história. porque a história que é nossa é o que eu acabei por me tornar também depois de tudo.


até o poço dos DESEJOS ainda é um poço.

terça-feira, 5 de maio de 2009

segunda-feira, 4 de maio de 2009

o banco de ossos

foi como eu te disse, eu estou envolvidissima
eu parei em você.
e tenho parado cada vez mais.
eu tenho diminuido, desacelerado o rítmo.
tenho pensado, saído cada vez mais das adversidades.
e tenho pensado no que a gente era, e no que se tornou.
o que há para a gente ser ainda?
o que há hoje que não havia antes?
porque a minha vontade é estar com você.
e de estar no seu beijo.
no seu abraço
no sentir do seu cheiro.
no usar de mim pelos seus braços.
porque o seu cheiro ficou na minha blusa de ontem.
e você foi minha referência a noite inteira.
o beijo que é seu ficou em mim, até os seus silêncios, os seus suspiros ficaram comigo, e dormiram comigo também.
eu estava próximo do desejado.
- e isso era privilégio de poucos.
e se é isso, se a paixãoo é isso:
então eu estou apaixonada também.
porque a paixão pra mim é simplesmente isso.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Marcela

É, eu já tinha feito das tripas um coração enorme. E agora eu tentava dar conta dele. Imagina, um coração que já tinha tido ataques epiléticos, que se contorcia no peito como uma cobra enrolada na água. Que se debatia, que batia nos cantos e nos outros órgãos. Que comprimia os pulmões, que sofria as dores da minha cabeça e da minha insegurança de tudo. Porque o meu problema não era a minha insegurança, na verdade. O meu problema era a minha autoridade, a minha segurança demasiada em tudo que eu fazia. Se eu gritasse, estava calma – uma explosão minha era o fim da histeria. Se eu ficasse quieta, então sim vinha o meu nervosismo, a minha pilha das coisas e das aflições.