domingo, 4 de novembro de 2012

cartas marítimas | 8

fildsville, 11 de novembro de 2022.


maria paula,

caí, não sei dizer, se de do topo de uma montanha russa ou em um abismo. se minha garganta pudesse, garanto que ela me sufocaria agora mesmo. você já teve essa sensação? sinto o meu corpo impróprio, insuficiente - um lugar sem habitação que, além de me entristecer, está me causando acessos vergonhosos de choro. faz anos que não correm lágrimas de meus olhos, há tanto que já não me lembrava mais das gotas tomando as imperfeições que minha pele tem agora. quando o olho no espelho, meu rosto é como um terreno seco, onde correm entre as rachaduras estas lágrimas de hoje. fiz as malas e passei noites diversas fora de casa durante este mês, minha amiga. como uma viajante inconsequente ou apenas alma inquieta que tenho, a minha presença não se valeu apenas com o corpo. minha cabeça esteve perdida, enganada pela sensação de ter encontrado na possibilidade de um começo a valência de um todo conquistado. nunca deixei de sentir vontades esmagadoras por outra pessoa, mas eu não posso me valer apenas deste talento que acredito ter, não é mesmo? escrever é apenas uma diferença e não uma completude. sequer sei se o possuo verdadeiramente, a este ponto, se é que você quer saber! acho que tenho vivido à deriva da configuração de uma vida.

sabrina, em suas oscilantes partidas e chegadas deste ano, fez redobrar a força da minha mão sobre a consciência. é isso que acontece quando os sonhos saem do perímetro de nossos travesseiros? acho que você, talvez mais até do que eu, sabe que a idade exerce uma força pesada sobre nós. e quase esmagadora, faz sentir nossos ossos se esticarem para crescermos. nesse sentido, eu nunca estive em sincronia com a idade que desejei ter - e tampouco esteve sabrina. sem dúvida, temos essa odiosa semelhança em comum. sabrina, que esteve sempre um pouco a frente de seu tempo e também uma mulher constantemente fora de época, disse verdades massacrantes sobre mim. ouvi, como quem ouve quase torcendo as orelhas. acontece que pertenço, para além de minha negação, a ela. e justo agora que sua forma doce e violenta voltou para mim, cometi o engano de acreditar que já a conhecia. de que ela, por seu jeito que me parecia tão misteriosamente bela e tão familiar, me aliviou por ser uma figura reconhecivel no meio do mundo, e capaz de atiçar minha felicidade, aonde quer que ela existisse. mas eu apenas cometi este engano, querida, você acredita? o engano terrível achar que sabemos alguma coisa sobre outra pessoa... mesmo sobre ela, mesmo sobre alguém que nos acompanha na vida e no sonho, desde sempre. nunca tive a ilusão de que a intimidade fosse simples, não. a simplicidade é uma coisa leve e a monotonia é uma coisa pesada; sepadas por uma linha fina demais, e que diferencia pontualmente as pessoas comuns daquelas capazes de gritar. dói.

você acha que a gente simplesmente sabe
quando não é capaz de matar (mais) a fome de alguém?

não conformada,
ana.