segunda-feira, 31 de março de 2014

A bordadeira

'esta máquina é uma casa de morar'

Para ver, então, pr'além dos limites hipérboles de toda convivência, foi importante ter perdido um pouco a nitidez do olhar que tantas vezes havia limitado e ocultado a vocação do resto dos sentidos. Antes de tudo, foi o desejo de comparecer que nos uniu. “Hipérbole”. Esta palavra martelava na minha cabeça, como uma porta dando pancadas no batente da parede uma, duas, centenas de vezes sem nunca se fechar. Foi preciso levantar, fechar a janela, bater a porta e sortear uma nova palavra que pudesse ocupar com menos exagero meu ciclo de redundância mental. 

Tanto havia gostado daquele fragmento que decidi dedicá-lo a ela. Mirando como alvo seus olhos, eu lhe disse: Joaquina, este pedaço de prosa é seu. Inteiramente seu. E por ter sido meu um dia, ele é nosso agora. Sua respiração estava terna e seu olhar era sólido. Joaquina levantou-se e foi até o aposento em que costurava, logo após a dobra do corredor. Não demorou o tempo de uma tragada. Na volta, ela amarrou uma pequena fatia de tecido ao redor do meu dedo e pediu que fizesse o mesmo com o dela. Acho que nunca esquecerei. Nós nos casamos naquele instante. Naquela tarde cálida de outono. 

(...)