sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

eterno presente | 2

bem diriam os cegos que o amor não está a passear despercebido. se sentido ainda fizesse isso, tanto gosta, imensamente, que seu gostar se perde em outros olhos cuja profundidade já não existe. talvez tivesse chorado por olhos rasos demais - e pela demasiada importância que deu a eles, pudera outros já o terem notado agora também. teria mesmo perdido de vista os olhos que brutalmente viu? talvez tivesse recusado o recusado olho no momento da perda. talvez tivesse ficado cega, e então enxergado que a pena que sentia não valia pena alguma. no abandono faltará tempo. e se é preciso ter coragem para fugir, imaginava ter ainda mais coragem para ficar, entregar-se. porque ela praticou a entrega, e depois, com as pernas que também eram minhas, pos-se a correr. e o que sobrou foi uma mulher tonta - como se a estupidez lhe tivesse caído sobre os ombros, e uma voz fina e pontiaguda lhe tivesse atribuído um pouco menos de graça. porque as flores não chegaram, e os planos não aguentaram tanto tempo também. sonhar não a tornaria mais bonita, acontece que a gora nenhuma alegria traria de volta o tempo do romance. bem diria, sabiamente, o tolo sobre a paixão: ah, amantes, sejam cuidadosos nesses intermináveis primeiros dias!

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

eterno presente

O INSTANTE DE LIBERDADE:


a sensação que eu tive foi de um retrocesso. foi como se ela tivesse acordado e deixado de querer simplesmente. porque eu não vi motivos, eu somente vi os olhos dela que tremiam: foi como se ela estivesse vendo alguma coisa que eu não enxergava. antes fosse somente o corpo para tirar da casa. acontece que ficou marcado, além das minhas costas, o meu gostar declarado por ela. como se fosse um gato, eu me encostava nela - e tanto fiz de seus olhos um abrigo que me vi perdida dentro deles, a refletir sobre nada. a mulher que ela era se transformou em um vão para mim. foi como se toda a minha importância tivesse parado e eu fiquei fora, junto ao meu desentendimenti, fazendo fila na porta. eu senti um quarto que diminuia de tamanho - e eu me senti encolher também. ela tinha aquele rosto em que se desenhava o céu. as nossas danças eram sempre muito tranquilas, a nossa valsa era incrível: ela era o rítmo que eu não tinha. eu me transformaria em uma dançarina por ela. ela era um jazz. e agora, eu já não sabia para dizer quem eu era para ela.


eu sei, eu lhe disse: a gente não precisa fazer nada se você não quiser. então, outra vez, seus olhos caídos vieram para mim. aqueles olhos deixados de lado, esquecidos na cama, no quarto, na luz que não tinha: é, eu me lembro perfeitamente. talvez a sua ausência me ocorra agora com algum sentido. eu fui, mas deixei de ir também: eu achei que a ausência era eu. porque eu ainda me lembro de ter me imaginado como outra qualquer. e o beijo teve outro tempo - aquela noite durou três noites seguidas. ela não ameaçava nenhuma expressão. não voltou a trocar a posição do corpo, nem a querer as minhas roupas para ela. eu perdi a minha vontade também. era enlouquecedor ver perder o ideal do outro.

eu senti como se aquele quarto minúsculo tivesse voltado a ser enorme. então uma distância entre nós, uma espera interminavel, uma defasagem de anos. ela me olhava como se eu fosse uma entranha. confesso não tê-la reconhecido também. porque eu poderia ter amanhecido ao seu lado, dormido, sonhado com sonhos melhores ao seu lado. acontece que não houve aviso do tempo quando me ocorreu isso. o meu pensamento nela representava uma capítulo - então eu imaginei largá-la muito fácil. eu vi seu corpo cair. se seus argumentos tivessem acabado, eu pensava já não existir mais nada também. porque eu tive que aprender a lidar com o silêncio dela de repente. em um instante, eu procurava espaço; no outro, eu procurava uma parte não beijada de seu rosto. ela procurava em mim o corpo como um todo, como a consolar o seu tempo de dúvida. ela era óbvia - e eu era dela.


a sensação que eu me lembro foi de uma abandono - e de uma platéia. foi como uma multidão que olhava para ela. quando a arte tratou da crise, a crise tratou logo do beijo. acontece que eu não me prestaria a seus beijos mais. eu encolhia os olhos, franzia a testa. ela torcia o corpo, cobria as pernas - e a referência que eu tinha distorcia-se. porque quando eu pensei nela, imediatamente tive vontade de escrevê-la. talvez fosse extremamente poético ver uma mulher assim. eu saí dali. eu me vi curvada, sentada na cama a contemplar nada. e ela, ainda deitada como uma mulher sem defeitos, a transferir para a minhas costas uma carinho qualquer. assim, um dia se tornaria vários. porque eu pensei em levantar, descobrir deu corpo, espantar seu frio, sacudir-lhe a cabeça. talvez qualquer explicação me servisse - ou talvez eu só precisasse dormir um pouco. porque eu entregaria muito para ver de novo aqueles olhos dela, fundos de paixão. e ver outra vez o sorriso que ela mostrava no rosto e que se formava sem mexer quase nada. porque a sua voz me fazia procurar seu corpo - e o seu corpo me trazia para perto para ouvi-la falar. eu estava encantada por ela.

talvez tivessemos perdido horas nessa brincadeira. então agora eu sentia a presença de outras pessoas. eu sentia outras pernas, mais meia dúzia de braços e de cheiros. eu sentia o meu corpo puxado, e sentia o corpo dela abraçado por outra pessoa: eu enlouquecia.



dela, eu não tive só ciumes, eu tive muita saudade.

foi como se ela tivesse quebrado as pernas, as asas da minha imaginação. eu senti não poder nada - vai ver ficar velho é assim. o eterno presente que eu pensei fez de mim uma verlha eterna. porque eu fiquei ali sem saber se ela se cobria para sair ou para ficar presa mais tempo. eu entendi que ela tinha me levado até a porta para ter certeza de que eu tinha ido embora. eu falei, eu avisei para mim que o tempo nunca deveria ser um fator de desistência. acontece que eu tinha ido embora mesmo, eu tinha desligado, descontruido como se aquela noite nunca tivesse existido. no dia seguinte, nem lembranças me sobraram. eu ainda percebi o seu sorriso como uma brisa tentando me acordar no outro dia: desisti. porque houve um clima, e houve uma guerra logo depois. e veio um riso histérico e um esquecimento que me comprimiu contra o chão - eu pensei ter perdido a vista nessa hora. eu achei que eu terminaria nas coisas que eu nunca tinha dito. talvez por não ter feito planos, ela não me permitisse tanto mais agora. porque o meu estranhamento não era em relação a ela, entenda, mas as coisas que dissemos. ela ainda era a mesma, acontece que agora eu não mais a imaginava dizendo as coisas que disse. foi como um discurso que faltou. um dia que não chegou ao fim. foram esses buracos que me tiraram o sono. eu era dela - e ela era outra.