quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Velha Eterna | 4

(...) Como muitas vezes foram as cartas que fizeram acontecer grandes relacionamentos, cartas de mensageiros ocultos ou de grandes amantes ainda faziam com que ela perdesse o riso da boca e entre os dentes. Porque os homens de hoje escrevem cartas que não trazem nada que lhe consiga afobar o desinteresse por completo. O interesse ficava quieto, irrepreensível. Eu imaginava essa mulher como uma mulher que não escrevia cartas imensas nem generosas. Ela simplesmente pegava a beleza dos desenhos e colocava frases ao redor. A beleza era a beleza do rosto que tocava o canto do olho e o entorno da boca. A boca era lisa e quase nula na ausência das palavras. As palavras eram as mesmas palavras das cartas imensas que nunca escreveu. Essa mulher a qual volto a me referir ganhava o prazer do sentido das coisas alguns momentos depois do sentido ter atingido todo o resto. Às vezes eu acredito que ela planava dentro de uma bolha, de um grande círculo que filtrava tudo o que vinha de fora. De fora do quarto, o sol já tinha começado a tombar e as sombras dos móveis tinham começado a tombar sobre o chão também. Ela tombou ainda mais sobre o calhamaço de folhas. As folhas deitadas tinham um significado: ela pensava que folhas deitadas pudessem ser ainda mais dedicadas ou menos arrogantes que folhas expostas. Não faria uma exposição delas. Depois de terminar de desenrolar as folhas, foi como se uma grande gota de água lhe tivesse caído na frente dos olhos – porque a visão ganhou largura e perdeu nitidez. Ela pensou ser uma mulher nua diante daquilo. A nudez era bela e castigável? A veemência era. (...)

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Velha Eterna | 3

(...) Acho que passaram seis dias desde que a decisão de voltar o tempo lhe ocorreu e lhe caiu sobre o corpo de forma concreta. A decisão de ir em frente nem sempre vem dos passos. Sair do ócio se tornaria um vício agora, então abraçou com as mãos os papéis, agora, livres do elástico. A sensação de liberdade poderia ser compartilhada? Imagina que sim. Soltar um homem como uma pipa, um cadarço de tênis, um fio da meia-calça: tudo reinava sob a imensa asa das palavras. A liberdade tardaria a chegar, como outrora fez, então descreveu a cena mentalmente. Uma menina que se torna mulher talvez não tenha o direito de voltar atrás. Pensou em outras tantas pessoas que tinha conhecido até o caminho que a levou ao quarto. Um menino cego perderia esse momento, um menino paralítico, um menino morto perderia esse momento também. Alegrou-se por estar viva, mas chegou o movimento dos ombros e dos dedos do pé a tornar-se óbvia. Sentia-se ordinária e sem nenhuma lembrança vaga – um quase nada de memória. Apoiou o pequeno calhamaço de folha no chão entre as pernas, sobre o carpete, por baixo da testa e da curiosidade. Vou voltar a ser criança, repetiu. Apoiou o corpo na perna como quem apóia o resto todo no mundo. No apartamento, no espaço do closet, sentiu que uma fobia a poderia dominar. Finalmente uma sensação com o sabor excêntrico da repartição. Partiu os lados do calhamaço, desenrolando com lentidão e desapego. Quanto mais as folhas se abriam sobre o chão, mais lento o movimento ficava. E se nada aparecer? Eu teria pensado nisso. (...)

o limiar do ensaio continua

tratar de um homem como quem trata de uma tábua. toda vez que leio as frases que ela disse, vomito continuações. das pontuações a mais, já pensava estar farta - eu me acabo pelas coisas que ela disse imaginando ser uma parte de mim. o vômito tratou da crise, e a crise tratou logo de vomitá-lo. os finais não tem fim.