sexta-feira, 31 de outubro de 2008

multidões | 2

giravam em torno dela como uma grande festa; uma ciranda eterna. o envolvimento na dinâmica não a insentaria de culpa. perceber emoção não significa ceder emoção. a multidão não tem fundamento filosófico: a multidão é um estímulo coletivo. toda vez que vem, arma-se de paciência. se conhecesse, duvidaria - duvida conhecer, contudo. estavam anacrônicos, os sorrisos e os gemidos dos risos. demandaria tempo estabelecer uma relação plena de sentido. a multidão lhe abstém. aquele monte era a emoção que não se conseguiu integrar. eles tinham nuvens nos olhos. castelos de sorvete nos olhos, no céu. no céu, o céu e só. lembra tê-la cumprimentado, apertado sua mão: viu, eu mudei meu jeito! - como se tentasse atribuir-se ainda um pouco mais de crétido, disse. o pulso estava nos outros. o gosto estava nos outros. dançavam com ela, ora para ela. e lhe esbarravam no braço e nos cotovelos - queriam levá-la, prendê-la. tentavam fazer dela uma instância. a multidão era um degrau de gente, um tropeço. a multidão era uma partida: ou fosse embora, ou recomeçasse dali mesmo. preferiu, já na primeira vez, estagnar. o sangue corria fino e contínuo. morno. VOMITARIA. tragaria tudo depois de colocar tudo para fora. a multidão produzia sons repetidos e sem intervalos. a multidão não fazia silêncio - e quando tentava fazê-lo, enlouquecia. a multidão era pedaços de unhas de gente. gente que não era gente.

você faz parte da gente?

não pára. mas repara em mim como se eu fosse uma estátua. às vezes eu me sinto meio pedra, meio gente. a gente tem mania de valorizar cada defeito. e então enrolar um mal bem feito, como um trago de cigarro amassado no bolso.

- você sentou no maço, moço.
- eu peço desculpas!

eu faço um esboço: será que você poderia ceder um amigo, ou abaixar um pouco o valor do aluguel? às vezes eu me sinto meio faltante, meio falante. meio grilo. meio inseto gigante no pára-brisa do carro. não pára. mas repara em mim como se eu fosse uma revista - daquelas antigas, que se devora as figuras no banheiro. ah, a gente tem mania de comentar cada besteira. e então dizer vinte maneiras de presenciar uma mesma cena. a mesma cena.

E O QUE EU VEJO?
eu vejo que a gente tenta transformar mesa em cadeira,
o tempo todo.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

terça-feira, 28 de outubro de 2008

multidões

não procurava na multidão algo que lhe fosse familiar, mas que ao menos não lhe fosse tão silencioso. girava em torno de seu corpo aquele monte de corpo sem nome. não procurava alguém - se pelo menos conseguisse identificar um rosto, já seria o bastante. tão logo via um borrão de olhos, narizes e ouvidos. sem contar o som insurdecedor das multidões. pessoas que não são pessoas. tinha uma lembrança vaga de como ela lhe sorria os olhos, mas isso não era suficiente. tudo sumia como mágica. e surgia de novo, como se arrastasse o resto do cansaço para fora do corpo. tudo sumia como armadinha. e trazia de volta. a multidão era um grande rosto, com nariz de cabeças. olhos de pequenos sonhos. e os sonhos, como um reboliço, redundantes. gente que não era gente.

coisas que se faz | 2

a gente vai ao teatro só para comer pizza depois.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

sobre ana laura

ainda A CABINE, A JANELA POÉTICA:

guardou o caderninho de volta no bolso e cruzou os braços sobre os joelhos curvados em cima do degrau. abaixou a cabeça. notou que ninguém sorria em sua direção – os sorrisos são barulhentos, alarmantes. os dentes rangem quando se sorri. o tempo parece não passar no silêncio, apenas as buzinas da rua interrompem aqui e ali. ela está parada feito degrau de cimento. e está patética como sacola com chocolates e poemas. do tempo que decorreu, seu instinto não chegou a promover nada. deixou que ela ficasse ali sentada como um chocolate de um dólar – seu preferido. nenhuma pluralidade ou acontecimento fora do comum. nenhum exagero, apenas a mesma continência e uma cabeça curvada sobre a coxa, fingindo sono e fingindo a beleza poética que lhe é naturalmente de direito. não queria um documentário da vida, aquela coisa chata; mas uma descrição barata e eficiente. talvez fosse hora de parar de negar seu corpo perante outras pessoas. alguns já nasceram grandes, ela apenas nasceu. e não entendeu o porquê de não poder se sentar em um degrau na rua e esperar. pensa demais. reflete demais sobre si. sobra em cima e dos lados. extrapola-se. tem overdoses dela mesma. então encomenda um novo corpo pelo correio, contorcido em uma caixa de papel pardo – pois que seu corpo magro já não serve para nada. e que inferno: não consegue apenas abaixar a cabeça e dormir no próprio colo. precisa imaginá-la de olhos fechados. precisa fechar-lhe os olhos, tirar-lhe a roupa. precisa de tudo em um segundo, precisa dar mais tempo ao que durou um segundo, ao drama ou à cama mal vestida.

domingo

não aconteceu nada de que se tivesse certeza. as frases sobraram em cima da pia como flagelos da pouca gente que eram. e agora sim as poltronas vazias traziam de volta o olhar dele, e o silêncio dele. e o jornal sem ler, o shampoo, o café sem beber. o whisky de domingo e os programas de auditório vão esperá-lo voltar. eu sei, a gente vai passar semanas nesse domingo.

sobre mim

antes minha terra fosse seca e não desse nada.
(não a tomariam)

terça-feira, 21 de outubro de 2008

das trovas

deixe que ela me ouça. minhas palavras. silenciosas como ela, minhas palavras. minha moça, minha única moça, deixe que ela me ouça. e torça o que temos, como um lenço no pescoço. COMO UM BRINCO - como os brincos que ela engolia. e os olhos que ela devorava. e os cílios que ela cuspia. e o amor que tinha. e tinha. e tinha. tinha-me tanto que chegava até a dúvidas. ah, ela tinha olhos de tinta - eu penso - densos. minha poesia é ela. e dela.

não mais breve do que previ

EU TINHA UMA DÚVIDA.
UM PÊNDULO NA IDÉIA - BEM NO MEIO da idéia.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

vive por aí, como dizem

ainda oito e vinte quando eu passei. jamais, estava a pensar. eu estive viajando há alguns dias - eu sei, posso me ampliar; a autoridade é muito singular. minhas competências são meus contatos. faz tempo que não a vejo - então tenho recriado sua imagem na minha cabeça, através de pequenos sinais; assim, pequena e especial. simples mesmo.

tenho receios em relação aos costumes que tinhamos.
tudo era muito visível - eu posso dizer isso com propriedade.

notas | 9

queria que parasse de ser tão irritante e autobiográfica.

domingo, 19 de outubro de 2008

sábado, 18 de outubro de 2008

A maneira como dói fazer doer

DE HOJE:

A minha cabeça está doendo. Eu a sinto doer como doença que não tem cura. Eu achava que doer fosse parte de um processo desconhecido de cura. Eu achava que os motivos certos tinham caminhos errados – mas não. Eu sinto minha cabeça doer como parto lento – eu já tive filhos quando os imaginei felizes. Eu já tive um apartamento pequeno para guardar qualquer coisa que quisesse esconder do resto do mundo. Eu a vejo sempre, aquela menina, como motivo de pausa e de consolo. Eu acho que eu perdi os movimentos do rosto. Do olho. Do canto da orelha. A minha cabeça está doendo. Eu acho que minha garganta secou. Por que tive que partir? Acho que saí de mim. Como que um corpo pode tanto se fazer mal? A minha cabeça dói. A minha cabeça rói a minha idéia. Eu não sinto inveja de mim mais. Eu nem sei mais quem eu sou. Eu acho que eu saí de mim – eu me vomitei. Eu me joguei no chão. Eu me pisei, e tenho me feito tola desde então. Eu queria focar, mas minha visão me parece tão estreita que eu não vejo nada. Eu queria ter coisas maravilhosas para oferecer, mas eu não tenho nada de bom. Eu só tenho dúvidas. E eu tenho uma cabeça que dói. Eu queria deixar de lado ansiedade, decoro, sabedoria. Eu queria não poder morrer de fome. Eu queria parar de chorar um pouco, de vazar um pouco, de transbordar um pouco. Eu queria ser mais para mim, eu queria acabar em mim. Eu queria ser só eu como companhia, já que ela acabou por me deixar também. Eu queria falar mais fácil – eu tenho me engasgado com palavras. A minha cabeça dói muito. Eu sinto de novo meus dedos finos e esse monte de ferida. O tempo não vai curar nada, eu sei disso. Diferente do que se diz, o que não mata não deixa mais forte. O que não mata me deixa com raiva. Eu tenho ódio dessa mania de ser feliz. Eu queria um mundo sem perturbações – ou um mundo em que as pessoas falassem e cumprissem. Eu não quero pena porque eu não sou doente. E só sou grande e não caibo no espaço dentro de mim. Eu tenho idéias espessas, gigantes. Eu tenho pretensão de pensamento, de filosofia. A minha cabeça lateja, expulsa. Eu acho que estou andando em círculos, que estou a fazer tantas coisas e ao mesmo tempo não fazer nada. Esse ano não quer passar. Essa fase não quer passar. Ela não quer passar por mim porque dói. Porque machuca me ver longe, eu sei, me machuca também. O tempo não vai curar essas feridas de hoje, hoje já está eternizado. O tempo parou durante a ausência que eu tive. Eu me sinto cega. Eu perdi meus movimentos do corpo – meu coração está pulsando para nada. Ela me ocupou inteira. Eu morro de saudades do tempo que eu dei para ela porque ele passava diferente. Eu sinto falta da demora. Da espera. Do significado das horas. Eu lhe dei horários específicos. A minha cabeça dói muito mais agora, quando eu lembro. Agora eu entendo como dói fazer doer. Como é ruim exemplo dentro de exemplo. Como é fácil saber o final da história. Como é impossível aceitar – fala-se tanto de aceitação, mas e depois? Provavelmente não se vai aceitar – pois bem, erro em cima de erro. Estrago sobre estrago. De mim, nada. A minha cabeça dói como chuva. Como nuvem. Como prazo que não termina. Como beijo de despedida. Dói como objeto. Como faca. Como desculpa. A minha cabeça dói como orgulho. Como sexo de graça. Como amor de graça. Como esmola. Dói como incomodo constante, como pedra no calcanhar, no rim; como pensamento que não cessa. Dói como o sorriso dela de dor. Como a cautela. Como disciplina. Dói como o medo de doer. De tentar. De salvar alguém. Dói como permanência. Como paciência. Minha dor é simbólica, violenta. A minha cabeça dói.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

eu me lembro daquele mês de julho

eu me lembro daquele mês de julho. um julho sem fim. você deveria ter jogado as coisas fora (as camisas, as meias gastas), assim como eu fiz. deveria ter traçado no mapa os caminhos e todas as rotas possíveis - você deveria ter ido embora enquanto podia. você deveria ter dado mais chance, mais tempo ao que durou apenas um segundo (o coro, o beijo). do armário, ainda aquela poeira fina que você trouxe nas solas do tênis - é, eu me lembro como você adorava fazer caminhadas em manhãs frias, manhãs como esta, aliás. eu queria confessar mais vezes a sua ausência, mas por várias outras me convenci que você sempre esteve comigo - a falta é apenas uma impressão errada; e a saudade, um desvio natural de tempo. eu sei, eu mesma a inventei. eu lhe coloquei cílios. eu lhe coloquei pequenas imperfeições na pele e pequenos pedaços de mim no pensamento (meus segredos, meus medos mais bobos). eu lhe costurei sombra nos pés. unhas nos pés. pés. será que você não percebe? eu me abraço com seus braços em mim. meus braços são seus, mais até que meus abraços ou minhas roupas. eu REALMENTE me lembro daquele mês de julho, você não?

terça-feira, 14 de outubro de 2008

minhas teorias são fundamentos | 2

A CARTA DE DESPEDIDA.




c,

queria ter atrasado seu dia e o seu relógio de pulso. eu queria ter deixado mais tempo nosso no quarto e menos no trabalho. ainda pior do que a convicção, eu tenho dúvidas quanto a nós. e não pela mentira que se produzia, mas pelo excesso de verdade que se carregava. minhas costas dóem, meu amor. a neblina não pode mais enganar nós dois: eu precisaria de provas. eu não estou mais convencido do que antes, nem menos diccionado do que depois. eu não quero que entenda minhas palavras como um esquecimento - eu nos desejo como lembrança. poderemos durar apenas mais vinte e quatro horas, bonitas e breves, eu não me importo. eu não quero esperar o dia do casamento, na cidade terá mais gente. eu queria pedir desculpa por toda a confusão que eu causei, tentando dar-lhe um susto. você escuta um assobio, longo e baixo? eu a conheço. eu conheço este seu lado escocês, suas tradições. eu conheci uma mulher, dias atrás, que tinha seus olhos, que tinha uma boca igual a sua. ela conhecia sua vida. ela conhecia seus delírios e seus demônios. ela me disse para que eu me dirigisse a você e ficasse com você até não aguentar mais. ela me disse: cuide para não sofrer - e eu lhe disse que você já era meu próprio sofrimento e que isso seria impossível. que você estava em mim como vinho, nas minhas veias. eu me lembro daquela vez que você me contou, você me disse que o amor tocava almas - você se lembra disso? com certeza você tocou a minha. de tempos em tempos você vaza de mim, nessas linhas. eu queria ter mais dinheiro para flores. mais saudade. mais saúde. mais tempo. menos temperamento. eu queria mais me de mim em você, mais de nós, mais de mim em mim mesmo.

fique bem.
eu te amo.


n.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

minhas teorias são fundamentos.

ela deixou o quarto daquele jeito incomum que tinha de deixar quartos. o copo de leite tomado pela metade como um objeto esquecido, um pensamento. eu sei que nada tornaria o instante mais fácil, mas eu ainda insisti. perguntei-lhe se ela não gostaria de ficar um pouco mais para conversarmos ou jogarmos conversa fora. eu não conseguiria entregar os restos dela que estavam em mim porque eu tinha ciúmes. eu tinha um ciúmes louco daquilo que seus olhos viam diante de mim. eu queria saber a imagem que ela tinha de mim agora, depois de tudo que aconteceu. a separação não pode deixar alguém mais forte, eu pensava. e eu ouvi sua resposta curta do outro lado, como se alguma coisa me prendesse na cama, me puxasse e me impedisse de levantar, pegá-la no colo ou nos braços. ela disse que não ficaria: eu não disse nada depois disso. disse que nós não tinhamos mais nada para resolver. eu achei mesmo que tudo já estava resolvido - e estava certo, uma pena. eu queria ter deixado em cima da mesa aquele bilhete que lhe escrevi, dias atrás. sei que ela teria parado para ler ou ao menos para tentar entender o que houve. eu queria ter-lhe entregue a carta de despedida, mas acho que ainda relutava acreditar que passaríamos por isso. eu achava que nunca passaria por isso outra vez. eu achava que essas dores só aconteceriam com os outros - e estava errado também.

a violência é simbólica.

a violência é simbólica.

domingo, 12 de outubro de 2008

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

terça, insana

de mim, nada relativo. nenhum cumprimento ou desinteresse. depois do ódio, vem o amor - daquelas bem fusô mesmo. e vem um requerimento de função pequena e relativa: de hoje à tarde só vou ter sono. dos dias que passaram, de todas as outras terças, um beijo e um abraço. eu me despeço para sempre; mas peço, ainda, que não retome nenhum estado de choro ou festa. o presente era um ensaio: a recusa a grande festa. aplausos, por favor. das cortinas, repressão. do circo, o circo. de nós, nós mesmos - como bobos de botas e chapéus. de tudo, o delírio, a febre alta, olho inchado. falta de fome e a fome de nós e do corpo ausente. de nós, presentes na saudade e na nobreza do lugar eterno, solitário. de nós, outra vez. e outra. e outra. e outra outra vez. pois bem.



_
dos mágicos:
a platéia sabe a verdade, mas está lá porque gosta de ser enganada.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

de alguém

da tradução:

eu sei que você está machucada e preocupada. eu consigo sentir isso em você. mas você precisa parar com isso agora. eu quero isso terminado. eu realmente quero. eu estou cansada, meu amor. eu estou cansada de estar nessa estrada, sozinha como papagaio na chuva. eu estou cansada de não ter um amigo para estar junto, para me contar aonde estamos indo, de onde viemos ou por quê. mais ainda, eu estou cansada de pessoas sendo feias umas com as outras. eu estou cansada de toda a dor que eu sinto e ouço todos os dias no mundo. existe muito disso mesmo. são como pedaços de vidro nos meus ouvidos, o tempo todo.

será que você não entende?

lúdico

diz tanto que me ama que banaliza qualquer sentimento de amor que possa ter. HOJE EU NÃO TENHO NADA INTEIRO. só fragmentos dela. ela me deixou em um abrigo e eu me sinto magra, fumante. ela passou uma lágrima por baixo do olho e não se despediu - eu morri cem vezes depois disso. eu queria nunca tê-la conhecido. eu queria ter desconhecido completamente. eu não queria ter descoberto nada. eu não queria ter conhecido na ocasião errada. o tempo são ocasiões. eu queria ter deixado tudo irrustido, quieto.

foi como se eu tivesse tido uma ausência ;
um vazio de tempo. eu não me lembro de nada.
depois de mim, EU jamais serei a mesma.

recalque

a inocência do amor momentâneo merece perdão.
achava que os sonhos poderiam ser curados com televisão:






- estava errada.

sobressalto

para que um recomeço? sei que minhas lágrimas de ouro lamentariam com certo retrocesso profano. e não se confunda:
essas ondas também submergirão você. e eu, logo em seguida.
-tão imersa em pensamento: ainda que tivesse chorado, não teria percebido. quase coloquei na mala as ondas de rádio - a voz.
estava certa disso.

sinto que vale a pena ser radical nesse aspecto.
livre-se de mim, eu já estou livre.

no fundo

agora você tem alguma coisa para mim?
alguma fala?
é, pode ser.
eu tenho um artigo.
ah.
um artigo de jornal.
um recorte?
um recorte.
uma notícia?
sim, uma tragédia.
então foi uma tragédia?
eu fui.
e eu?
você ficou.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

qualidade do que tem dois valores

run, remédios e cigarros.
doses, cápsulas e pequenas tragadas.
- nenhum tempo.

ingeria, mas não digeria nunca.
fome. vômito.
- nenhum tempo.

medo.
medo.
- quanto tempo?
- nenhum tempo.


equivalência: ambivalência.

notas | 7

muita sensibilidade e talento em um mundo tão podre.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

você não pode parar o que começou

a mesma moça a entregar lençóis, ou toalhas. estava louco, sabia disso – admitir a doença é o primeiro passo para a cura. desejava livrar-me em quantidade tão demasiadamente grande que até eu custava a acreditar. não sei por quanto tempo estive ali – ainda me lembro dela ter dito: eu passei, você não tinha estado. MENTIRA. eu sei ter estado aqui há muito tempo. meu rosto ainda é o mesmo rosto de quando olhei, cerca de dez minutos atrás. do tempo que decorreu, meu instinto não promoveu nada. de dúvidas, apenas a falta de vestígios ao meu redor. eu tinha trezentos, mas não tinha nada inteiro. a tentação me seduzia como um abismo. lembro que falava de um rio de amor perdido e dedicação, todavia, o silêncio rebatia: a solidão do corpo é somente um convite que segue para um mar de ondas densas e viscosas. ondas de óleo. reconheço que teria tirado a vida por bem menos, mas cedi a minha decadência. acho que me distraí, cochilei por outro segundo. a mesma moça a entregar lençóis, ou toalhas. quanto aos passos, nenhuma pegada tão próxima a mim – tampouco castelos de areia ou bonecos de neve. eu, particularmente, nunca havia visto neve: fiz bonecos que mais pareciam cachorros – e os postei longe. eu queria algo magnífico, mas que tivesse a simplicidade da imaginação de uma criança. a narrativa é um processo longo, e a gente rouba o sonho e deixa roubar. eu sonhava, mas e então? os sonhos não embelezam mesmo. ela desapareceu no sol – eu sei, eu pude ver. o sol que queimava o colchão de uma cama vazia. talvez fosse cedo para as coisas que não se faz com freqüência. ela via meus olhos como dois glóbulos, esbugalhados e cinzas. nada de novo. já passava do meio dia quando me dei conta do ocorrido: hoje estaríamos a celebrar sete dias – não tenho espaço para julgar seus extremos como gostaria. aquele era um lugar próprio: quanto é a despesa aqui? ela se achava esperta, eu ficava quieto. e quem disse que não estamos suspensos no ar? a referência que eu tinha distorceu-se. a camareira, os ombros, os cães lembrarão da minha idéia. a mesma moça a entregar lençóis, ou toalhas.


* a momentary lapse of reason, pink floyd.