terça-feira, 30 de junho de 2009

pede para sair?

eu pedi para sair. eu praticamente estrangulei aquela mulher inútil que me oferecia peças igualmente desfuncionais. porque eu deixei o apartamento mais cedo do que o meu costume só para isso, e terminei a composição do meu figurino ainda no elevador, a evitar contato com os vizinhos - o maior cuidado que eu poderia ter em uma situação assim. no térreo, aquele suor de amarrar os sapatos e recolher as coisas espalhadas no chão que despencaram da bolsa. a maquiagem, a carteira, o dinheiro, o celular, as contas a pagar - pensava no vencimento delas, então tratei de me apressar também. segurei a porta do elevador com o pé e reforcei o traço de lápis no olho. a velha do primeiro andar a me olhar, pelo espelho feito uma assombação ou uma alma penada, pedia para que eu saísse. eu desobistruí a passagem. (...)

o casamento

para este dia, talvez, eu já tivesse formulado um texto expressivo. porque uma mulher não casa, simplesmente - descasa da vida. eu não poderia supor um homem capz de tolerar essa vida. se o melhor argumento para a liberdade incessante do meu corpo fosse a fuga, eu imaginava já ter fugido antes. e imaginava já ter corrido em outras direções, de outros braços ou pernas cuja paciência tinha trazido para mim. acontece que a minha juventude ainda deixava a desejar. eu desacreditava em tudo que o tempo tinha feito ao meu rosto - todas aquelas linhas desformes e rabiscos do meu rosto. eu não tinha vivência nenhuma, eu sobrevivia dos outros e pela vontade deles. se a minha vontade tivesse valor de escolha, eu não seria livre - então a desconsiderava também. eu queria ter descido do ônibus antes, ou ter parado de atravessar a rua antes. talvez devesse ter destrinchado o cabelo antes também, ou tomado banho mais cedo naquele dia. talvez ter deitado mais tarde então e, no cansaso, ter levantado mais tarde também. tomado banho mais tarde, ter demorado mais para lavar o cabelo, para vestir a roupa, para procurar o sapato ideal. talvez se eu tivesse deixado a pressa ou se finalmente estivesse entregue a ela. eu não morri, entenda. eu nasci outra vez. acontece que eu queria ter nascido uma mulher mais exuberante, e menos vegetativa.

terça-feira, 23 de junho de 2009

catástrofes

peguei uma mulher sentada em um banco, hoje. ela lia um documento impresso em papel branco e já descriado de um dos envelopes que tinha na mão. para mim, ela não apresentou feição alguma. que distância entre nós? - eu quase deixei escapar na voz enguiçada que eu tinha. nada do meu ruído lhe fazia desrotular a atenção da folha. uma mulher cuja idade tinha avançado sobre o corpo, cabelos que atingiam os ombros diante de um descuido, ou diante de uma falta de tempo talvez. caso o metrô tivesse chegado mais cedo, penso nunca poder ter encontrado com ela - porque uma senhora de mãos tortas, uma senhora de cílios finos e ralos, de aspecto que poderia facilmente beirar o recuo, de óculos não somente escuros, mas densos, de linguajar nenhum, de sapatos bracos e de pérolas no pescoço, pouco visível e cega talvez nunca chamasse a atenção de um homem como eu. eu me sentia um traste.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

as composições | 2

(...) era horrível. tinha muito da exaustão da composição do olhar. de uma mulher que sorria, todas as coisas que não eram passíveis a explicação. eu pensava que o processo todo estaria prejudicado pelo abandono. eu achava que poderia ver o que eu fazia, ou o que eu entendia do mundo. acontece que eu já tinha chegado no meu limite.

a minha intenção não foi criar uma discussão. acontece também que, dali em diante, os dias tomaram rumos que eu desconhecia. eu tentei aplicar à situação o mesmo controle que já havia aplicado a tantas outras antes, mas a minha consideração quanto a isso foi igualmente falha e reversa. eu tentei fazer das minhas ações grandes golpes do tempo - sendo que deveria tê-las transformado em providências. antes tivesse calcado as dúvidas no chão, no piso da sala entre a gente. porque este terreno baldio entre a gente tinha passado a romper com o meu vigor. todas as cores sobre as quais eu falava puseram meu discurso em contradição. e ele franzia os olhos, a reprovar meus lençóis brancos. mas não o culparia, tampouco faria da culpa uma pequena medida de contorno da situação. para mim, a culpa era uma espécie de gula do absurdo. eu tinha medo das conjecturas - das considerações térpidas da amizade. às vezes eu ainda me pego pensando nele enquanto o peso do sono me repuxa o corpo. porque ele pegava o violão - já desfeito de qualquer dom - e o colocava no colo. ele compunha quando não tinha nada para fazer.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

segunda-feira, 8 de junho de 2009

outro dia na neve

o eterno retorno:

eu tinha holofotes debaixo das pálpebras. o meu olho era um lugar que não ficava escuro - e eu enlouquecia por isso. eu me perdia no vazio das coisas que eram feitas com razoável frequencia. porque eu tinha metido os pés no tempo - e tinha metido os dois pés no meio do peito do tempo. então eu aprendi que isso era uma possibilidade remota da vida: as coisas se repetiriam sempre duas vezes, e centenas de vezes depois disso. eu aprendi que o ciclo das coisas não era um círculo - era um diálogo que engolia o próprio rabo.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

o engasgo

"escrever é catartico
e a escrita é um vômito.
o engasgo é um propósito:
o próprio homem que vomita.
o desvio não é um mito
e escrever é onírico.
o engasgo é de propósito:
o próprio homem que sobra,
e sonha e deixa as sombras no ar.
se não está escrito, nunca foi dito.
escrever é pontuar caráter".


eu já tinha esquecido todas as predileções que faziam em relação aos homens e a seus romances. acontece que as mulheres têm a necessidade da preservação. e isso é muito mais maternal do que poético. o instinto que traz o zelo é impreterível. uma mulher pode ser terrivel. a mulher é muito mais hierárquica, construída de sensibilidade - posta de lado. porque a mulher tem um dia. e porque a capacidade de uma mulher de dosar o amor é proporcional a sua capacidade de ser cruel. a mulher é referente, substancial, sem condicência, maldosa - infinitamente mais maldosa. porque os vícios da mulher são emocionais. e a mulher faz um sentido do cuidado em tudo. o romance da mulher é eterno.