quarta-feira, 23 de setembro de 2009

o ensaio do ensaio

EU MUDEI DE CARGO. de mim, passei a ser a outra. passei a ser a mulher que eu fiz para dentro de mim - e depois pude contar mais três cópias dela pela sala. um espécie de prova cabal, eu pensava. quando foi instintivo, o meu bicho saiu. eu só tinha as coisas que eu guardava: agora eu tinha imagens que eram sonhos. eu penso já não querer entender aquela mulher. penso já não querer saber se ela se contorcia para sair ou para ficar presa mais tempo. a força que o corpo dela trouxe saiu pela ponta dos dedos e terminou nas minhas costas. uma mulher pequena não deveria ocupar tanto o espaço. não deveria por os braços no chão. agora eu via nela a mulher que eu criei. e via nessa mulher inventada a segunda criação dela - a mulher que se machucava o tempo todo. a mulher que ela criou era assim: cheia de machucados, de dores, de um prazer imenso em relação a ir e a ficar parada.
EU PAREI PARA FICAR MAIS TEMPO. eu achava que a espera era tempo, que a recompensa, que a paciência era tempo. gostar de mim talvez fosse pouco, então eu gostava de outro. eu queria ter entrado mais cedo para a festa, ter deixado mais tempo no mundo das trocas. acontece que eu troquei o acaso pelo engano. o engano pelo encanto. o encanto pelo encanto da cena da mulher que tem o nome mais comum de todos. ela fez de uma mulher de palavras uma outra de três dimensões. ela fez uma mulher cujo corpo virava, cujo olho, cujas unhas sangravam. eu não sabia dizer se ela tinha raiva ou se tinha pressa para ir embora. eu não sabia se ela queria deixar o corpo ou sair dele. caso ela já tivesse saído, a sobra dela ainda carregava uma força, uma depressão da vontade. o breu não tinha olho.

EU DESCOBRI QUE O MEU BICHO ERA UMA PREGUIÇA - eu fiquei à vontade com a idéia de ter gostado de ter mais gente do que eu em mim. quando a música cresceu, eu imaginei ter experimentado a surdez. vai ver a surdez era exatamente assim.

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