terça-feira, 11 de agosto de 2009

o homem das vendas pretas

sentou-se. que calma absurda lha havia invadido o corpo. se toda sensação futura pudesse assemelhar-se a esta em algum aspecto, ainda que sublime, estaria satisfeito. levou as mãos até o rosto a fim de se certificar de sua permanência. tateou a venda. há pouco ainda lhe vagava pela memória a lembrança de sua loucura repentina. "perdia algo, senhor?" e a sua resposta referente emergia, às pressas, entre os lábios: "perdia a cebeça! perdia a cabeça!"; e rodava em círculos, a tornar-se óbvio. poderia a consciência ser uma afeição bem cultivada? dos tontos, imaginava então um segundo homem que o homenagiava, que sequenciava longas cenas de aplausos e de histeria. talvez um homem que não gostasse de nada, que jogasse o corpo para os cantos, que suasse pela testa e pelas juntas dos dedos? era tudo muito fácil. poderia a inconsciência ser uma inconstância tão grande assim? ele pegava as pedras dos bolsos e as jogava pelo ar. pedras a atingir-lhe o rosto na volta, a afundar-lhe o queixo navolta, os olhos vendados e a deformar-lhe o nariz na volta. ASSIM ERAM OS ERROS - acontece que se os erros fossem mesmo uma depressiva força dos hábitos, haveria ainda razão suficiente para tornar novos os velhos? apertava o nó atrás da cabeça. se lhe perguntasse o que esperava com isso, diria: espero a pureza bruta da vida. a não lapidação da vida. tornar-se-ia o primeiro no segundo homem. um homem que se contradizia lentamente até o ponto de enlouquecer. porque poucas pessoas eram especiais. se a multidão fosse especial, pensava, ela seria composta por pouquíssimos. ninguém vai viver no hilário, ninguém vai tornar a casa: que bela neurose.

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