quinta-feira, 28 de outubro de 2010

prosa

de nada dava conta o pensamento. a teoria não deu conta de entender a origem da crise. da crise, a representação de certo arranjo histórico: a legitimação é importante para que as coisas não desmoronem em vinte e quatro horas. assim como a irritação, a preocupação também era prosaica, cartesiana. quais são os princípios básicos de pensar? eu renasci na crise crescente, na teoria, nos tempos opostos, no pensamento sem semelhança. até ontem, não havia filme. hoje, o sol esteve frio. porque não dava conta, o pensamento oficial, de explicar a crise. era importante que não se convencesse com teorias vazias - porque todo cuidado é pouco e toda falta de atenção se perde. a vida existe nas necessidades que se tem, na fome que se projeta, no almoço, no sexo que se faz. estava perdendo a memória íntima das coisas outra vez?

terça-feira, 19 de outubro de 2010

à ana | 5

meu amor, o meu amor:



eu estava parada a existir como mulher. e a exigir de ser mulher foi que vi ana parada logo a minha frente - a tomar toda a minha frente em velocidade. eu não vi qualquer agonia que saísse de seus olhos porque em momento algum eles pousaram sobre mim. então, tão breve que sou, pousei minhas mãos sobre as suas e deixei que os dedos meus recorressem aos dela. a sua resposta agiu sem intermédio: segurou-me a mão porque sabia que não havia pretexto de nada ali - já que todo texto dito a ela tinha se transfomado na força que ela aplicava entre meus punhos. eu vi uma eminência nela, junto a todo o espectro de seus conselhos íntimos. ana era o conjunto de decomposição de uma luz complexa - como se nela se formassem linhas de uma malha de ferro, de um imã. eu estava ligada a uma sensibilidade que registrava as mínimas variações, que reagia ao elogio. foi como se lhe dissesse: minha adimiração cresceu por você. porque caso eu não soubesse, foi como se tivesse lhe dito em seguida: eu te amo, no futuro que há hoje, nas coisas passadas que estão aqui e no amanhã que existe agora.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

as melhores coisas da vida

a minha cabeça doía muito e eu precisava contar para o mundo. não foi da bebida de ontem, entenda, mas do samba de outro dia. só há nós aonde estamos, apesar de tanta gente. estamos em contato, então eu lhe aviso que vou pular com os pés juntos. há um aperto de ontem na maquiagem de hoje. há um pouco de noite no dia - de café no almoço, de gosto no sal. eu nos dedicaria à grande exaltação colérica, ao ímpeto da valentia, do delírio e da insânia. mas acredite, eu estava tão surpesa quanto você. eu me surpreendia no verso, no discurso, na composição musical que era feita com improviso pela sua voz. a minha rouquidão crescia e eu colocava o corpo na cama, acontece que essa casa era o reino da desordem - e o seu lugar era aqui, nesse lugar finito. a minha cabeça doía porque você tinha chegado de imprevisto, mas a propósito. as festas são sempre encantos, são seduções irresistíveis. como forma disso, a retórica sua que me domina o ânimo quando ouço. há sempre a espera do dia propício. dos dias que correm, dos dias que permanecem durante semanas, de semanas inteiras. como movimento, a minha dúvida permanecia inteira - como número que não possui a fração da unidade. se isso era um defeito, eu já não soube dizer.

sábado, 9 de outubro de 2010

à ana | 4

de repente, você vem com um conjunto organizado relativo a fenômenos usuais recortados em seu objeto próprio, independente de qualquer preocupação de aplicação técnica. que poesia pode haver em uma planilha?


claro que a ciência não define nada se não houver poesia para se enxergar um rosto harmônico. dos meus defeitos, ciência de estudo da transmissão é mutável como qualquer outra. a teoria da terra era de um tapete gigante e finito em que era limitado o céu nesse plano - como um prumo único das coisas. hoje, rondamos.

eu posso virar o mundo, no rosto da harmonia, na voz orquestrada que sai dos pontos de fuga. era um rosto de portas? eu vi janela nos olhos, nos olhos vi particulares traços de cor vinho até que o olho ficasse totalmente branco. eu não perdi o tempo aqui; eu perdi as palavras da ciência para a poesia - como se dissesse que era linda, ana, e que isso bastava. acontece que não basta, porque não entendo; então o meu entendimento cria o sofrimento comigo porque a minha evolução esta em sofrer. quando há homem que lhe fala de rosto na intenção da ciência cuja presença desconheço, eu não conheci seu rosto enquanto proporção matemática, mas conheci quem era quando as pequenas imperfeições lhe tomaram e eu lhe tomei o corpo em prontidão.

a vida tinha mudado aqui. a inspiração tinha me pegado trabalhando. se há geometria ou não, já não importa; se generalizo seu rosto, perco a ciência dele - a razão dele. e a razão não diz respeito ao feminino - o que é perene, eu penso. me perco quando joga sobre o corpo a intenção de deitá-lo sobre mim. se ela perde a respiração, eu entendo que há perda significativa de tempo quando trago o cigarro na verdade plena de tê-la. há muita coisa sobre a qual a minha concordância não para. eu creio na beleza enquanto interpretação vingativa do meu intelecto sobre a arte. não pertenço, mas desejo o desejo como fonte própria da existência mais simples, do querer mais rústico. da intenção de ser cama sob corpo, de ser corpo sob mulher e de ser mulher sob outra: o romance da mulher continua outro. porque ana pertence a poesia de uma sexualidade prímária e abrangente - não sob a luz da ciência, mas sob a luz da retórica falhida do homem. porque abaixo da retórica da mulher se curva o tempo entre a vida e a morte, me curvo eu: preciso de ti, de sua voz cantada baixo, do seu encanto sobre mim, do mínino absoluto. entendo o desenho que há em volta de seu rosto, dos olhos e dos mesmo lábios finos que percebi primeiro e que entendi serem enormes no instante seguinte. não perdi o rumo, mas achei o curso. eu flui, eu desci do tempo para inventá-lo eu mesma.

a ciência abstrai a beleza - porque a beleza cobre as pessoas. então eu não me digo feliz, mas sigo o sentimento de ser feliz. porque se me dissesse feliz, teria que racionalizar a felicidade - torná-la ciência de ser feliz. e não há ciência para nós. eu me cubro sobre ela com suas partes que ficaram. eu não fui, mas eu retornei da uniformidade estranha da minha dicção; na qual estava estática, parada em mim sobre nada. já não respoderia com razão a ela, porque minha razão se esvazia e meu desvario permanece. sou extremamente anti-científica. própria de mim, das minhas utopias inventadas e não de histórias criadas a luz de fígados mortos. morri de rir, e isso me bastava na graça séria de ana, na pouca perna em mim, em seu desejo de estar dentro e fora. e portanto, como se não tivesse escrito, eu a adoro.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

pela moda menos ordinária

por que ela grita? porque grita você? entre seus panos que são roupas e suas roupas que são textos lidos por mim em um presente, cujas respostas, no mundo das trocas daqui de baixo, não lhe interessaram, os cabelos que deixaram passar a geometria dos traços retos, por curvas e inflexões as quais eu me deito - penso em qual jeito posso ter perdido no tempo em que parei para conhecer o gesto que fez a princípio e que terminou por regar sobre mim a aversão de sua figura. eu senti a vontade do vômito pela garganta - e justo eu, que fumava entre estar aqui e ali. eu também projetei o meu desejo. porque a fome eu não criei, eu incitei o desejo de comer. é claro que as coisas são extremamente relativas.

eu passei um tempo lendo e outro olhando rostos que perdi o tempo da troca mais justa: a troca de mim pela outra de botas tão pretas e densas cuja licença de ver me trouxe de volta o tempo da perseverança. digo do tempo aquilo que tem dito de mim, de pulsos tão firmes, saias tão curtas e traços tão fundos - porque eu não sabia quantos anos você tinha, mas tinha em mim uma defasagem de ano em relação, não a sua idade, mas a sua imagem velha. por que ela é velha? por que ser velha você? é por que sou tão nova, tão pequena neste corpo, tão enorme neste mundo de trocas? que intenção pouco justa pode haver nisso?

terça-feira, 5 de outubro de 2010

para a ordinariedade do crime | 2

não é congruente viver na eterna insatisfação. porque a insatisfação, por si só, é incongruente. quando as coisas da vida banal ou do exercício do cotidiano se perdem, a espera pode ser ridicula quando grande demais. então, quando a conformidade lhe fizer bater os saltos finos contra o chão, você ainda me encontrará ali, como se fosse o último. porque há uma legitimidade em ser o último a ponto de que quando me deito no chão do passeio, existe um sábado inteiro que não dormiu e que passa por mim. eu era a máquina de um tempo cuja modernidade ainda não havia chegado. eu era o cheiro que não se reconhecia nos aparelhos de hoje, eu era a desconexa parte dos bronquios que adoecia. de fumante que era, eu era muito poeta também. eu pensava na doença como própria da minha alma, mas impossível do meu corpo. quando doente, eu adoecia sobre as partes que pensavam em mim - então eu tinha problemas de coração, de dor física nunca tratada. eu não tinha pedido por isso - nem para nascer com isso. acontece que no meio do caminho que eu fiz eu encontrei a possibilidade de me sentir assim. e eu fiquei.

para a ordinariedade do crime

o cinza era o intervalo do jogo, aquilo que era imóvel e morno: a primeira meia hora da briga ou os ultimos cinco minutos do sexo - então eu me desprendia. era preciso aceitar-se enquanto tempo próprio, de próprias medidas e peso. acontece que historicamente ninguém nunca seguiu um cronograma - e um encanto nunca durou muito. eu voltava às partes menores sempre. a despeito de ver alguém com algo que se deseja ter, o ciúme me atormentava - porque o descobri o avesso de mim, a minha inveja pelo meu zelo de amor que eu sentia. então, cujas pernas me prendi há tempos, perdi - e soltei os membros e não detive a queda. ao encontrar o chão, duas semanas depois, tomei café como um príncipe, ou como bêbado.

diz-se de uma coisa que pertence a todos: ser comum. acontece que comum enquanto familiar que se torna o rosto - como o crime torna-se comum à comunidade social. caso não houvesse o crime, eu desconfiaria da irregularidade de vê-la a minha frente com o rosto que se faz conjunto frente a mim de maneiras comuns e de muito valor. a maior parte era sempre o comum dos homens - o habitual dos homens, como o elogio de outros no ego, na experiencia dela em si mesma no contato de aceitação da realidade. quando torna-se comum o formato que puxam os olhos, e a projeção do rosto cai sob o crivo daquilo que se faz de forma ordinária - de qualidade já medida, mas nunca inferior. eu sentia uma alimentação cotidiana, uma musica ao passo de marcha. era preciso livrar-se do oposto depreciativo, da oratória falhida, da chatice do bom gosto.

domingo, 3 de outubro de 2010

à burrice de todo mundo

é por isso que há uma estranhesa minha quando vejo todo mundo falando ao mesmo tempo. então como pode dizer qualquer coisa de mim - sendo que não me conhece, e não consegue sequer dizer se eu lhe gosto como tal, ou tanto quando se percebe de você em mim... o que é obvio que gosto, se me conhecesse e pudesse dizer isso com propriedade. as pessoas ficam se enganando com as aparências... demais. porque na verdade ela diz que eu sou boa pessoa, sendo que sua importancia não é comigo, nem com o que sinto - mas pergunta isso para você afim de ver como é a sua reação à importancia que dá a minha postura quando você me vê. como se dissesse: eu gosto de você, mas ela... AH, ELA VOCÊ NÃO SABE. e isso todo mundo falou - e se muita gente fala, boa coisa é que nao deve ser.

a multidão é burra e nunca vai chegar lá.

ai, brasil

comprar ou alugar é sempre um pouco estranho. aos poucos, você percebe como as coisas se encaixam, e como a curiosidade das pessoas é incrível. mesmo que as coisas não estourem, nessa vida eu não duvido de nada. porque nada é absolutamente tudo também. eu peguei um leite tão morno hoje quando levantei que eu só consegui pensar, sequer dizer: meu deus, já é domingo de novo? para quem saiu de pirituba, isso pode ser demais mesmo. porque eu fui dormir na sexta-feira e acordei no domingo com dor no corpo inteiro. e com uma fome!

a outra ainda mora com ele? às vezes eu esqueço que não sei nada da vida dele. há uma diferença entre não ter consideração e sequer conhecer essa palavra. hoje em dia tudo é muito rápido - e toda aquela atenção que você deu a ela, ela mereceu. e ela ainda andava com as duas amigas - cuja cara eu gostaria de ter visto -, porque ser sem vergonha está na moda. então é por isso que as pessoas aprontam: porque não tem o retorno da sem vergonhice hoje. agora a gente começa a juntar as peças; e olha que eu sequer sabia que o parque da água branca era esse circo todo. ela nunca quis saber de casa, só de comida congelada. uma vagabunda e com a cabeça bem podre. que cafona, brasil.