segunda-feira, 31 de agosto de 2009

janelas abertas | 2

é só preto e azul, ele dizia.


na realidade essa constatação vem de tempo em que a gente ainda parava para perceber as coisas. hoje, a tomar por exemplo, eu poderia facilmente meter a metade do meu corpo para fora da janela - já que esse monte de luz aqui dentro está a não me adiantar em nada. ele relutava no entendimento. e dizia que se eu fosse uma mulher mais paciente, ele me explicaria tudo quando chegasse a hora certa. acontece que há horas estamos a ter esses debates inúteis: ele não mudou de posição, então eu me mantive extremamente quieta também. ele achava que eu era um bicho - eu já nem me achava mais mulher suficiente para isso. todos os bichos saíram.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

janelas abertas

pensava se de uma janela tão extensa como essa eu pudesse ainda sair sem perder as pernas. se eu pulasse agora, tudo estaria acabado. então eu relutava. são oito e meia da manhã e eu já não aguento mais. se dias mais longos ainda estão por vir, talvez a possibilidade de pular não seja assim tão remota. ele muda os canal como um doido. meu devaneio não vai ter fim - e esse chuvisco na televisão também não. são oito e meia da manhã e esse dia já não faz sentido para mim. talvez precisasse parar como poucas fizeram.


é só o azul e o preto, ele dizia.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

essencial

______ eis um compromisso que se coloca mais e maior. é uma inspiração humana, primitiva. de um compromisso essecial, cognitivo. da duradoura fidelidade não somente como virtude ou princípio da não-traição. existe um sentimento tão grande de gratidão pelo compromisso, que de tal forma a minha humanidade me joga, me abre os braços, e me faz um país - eu sou um X no ar, um enigma no ar; uma partícula de estima no ar. da minha essência, minha aparência que não dá nada; mas quando falo de mim, falo de todo um grupo que me cerca e que me pede por perto. o aperfeiçoamento das faculdades humanas, a polidez, A CORTESIA: tudo tempo de um tempo que se passa agora e que contrói uma ponte, e diminui uma légua com o futuro.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

fotografias

aparecida - RJ
se a vida fosse perfeita, para algumas coisas já não se daria jeito. julgava improvável uma mulher nova que apenas tinha vontade de fotografar velhos homens. porque se a vida passasse assim tão rápido mesmo, para tantas coisas JÁ NÃO HAVERIA TRATO TAMBÉM. então trava-se bem. tratava-se simplesmente de uma mulher nova a ver velhos homens por outros olhos. tratava bem dos olhos, pois - e o decoro tratava da vista que reparava nos outros. e os outros reparavam nela: simplesmente uma mulher nova a ver velhos homens por olhos que carregava fora do corpo. então tratava bem do corpo - o qual possibilitava carregar olhos que reparariam nos outros. poderia dar outros nomes a eles? imaginava que não. que sã imaginação permitiria isso? apertava os olhos e obtinha fotos.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

coleções

há tempos tenho dedicado pequenas espécies de dinheiro e de minutos a fazer coleções. coleções de calças, de meias, de textos sem precedência. coleções de diversas partidas e de algumas idas sem volta. coleções de chances aproveitadas e de outras nem tanto. coleções de livros que nunca voltarei a ler, de leituras que não voltarei a fazer e de tantos outros afazeres que, de tanto ocupar-me a vida, me impulsionaram a colecionar outras formas de existir também. coleções de pessoas que fui, de cortes de cabelos que tive, de dias sem sorte, de dias de quase atropelamentos. coleções de dias que quase morri também, e de outros que percebi que o pouco que tinha vivido talvez não chegasse a ser tão pouco assim. coleções de ônibus perdidos, de pressas, de preguiças histéricas. coleções de carências sem fundamentos, de maus modos, de xingamentos diversos que eu sequer acreditava existir. coleções de instrumentos que comprei e nunca aprendi a tocar. coleções de amigos e de ex-amigos, de amores e de grandes ex-amores. coleções de e-mails lidos, de cartas lidas, coleções de lembranças de tempos em que se ainda usava cartas - e era possível ter toda aquela agústia da espera de um resposta. coleções de respostas mal-criadas e de outras tantas pessoas mal-criadas que tive que pôr a parte da vida. coleções de selos que joguei fora, de caixas de rémédios, de receitas que joguei fora. coleções de cheiros e de sensações de extremo valor que já não valem nada. porque eu fiz coleções de fotos, de albuns, de adesivos. coleção de toda a nostalgia e de todo o saudosismo que eu acreditava não ter. coleções de pessoas mundanas demais, e de espíritos que há muito já se foram. coleções de cd's e de filmes. coleções de pequenos príncipes. coleções de grandes dores, de perdas, de ganhos, de trapaças em tempos que ainda era possível saber o que as pessoas em que se confia pensavam. coleções de notas de rodapé, de capetes gastos, de tapetes velhos, de topetes estranhos, de barunhos estranhos, de intermináveis momentos de choro. coleções de momentos de silêncio em tempos em que as pessoas não tinham que pagar para conversar. coleções de gentilezas e de grosserias caóticas. coleções de caóticos emgarrafamentos. coleções de garrafas vazias, de fins, de meios, de recomeços.

e se a vida cedesse hoje?

gostaria de ter pensado em um assunto para hoje, mas nada me ocorre além de um grande declínio. talvez porque, há dois dias, eu parei com o intragável e passei a praticar ioga. regularmente, e na frenquencia que me apetecesse. o mesmo fiz com as tortas de limão, os copos de rum, as pitadas de pimenta no molho, os sonhos dos loucos delírios. se uma rotina é notável, talvez eu tenha passado a me perceber de outras formas também. mas que ficasse de lado esse grande mundo novo sobre o qual se fala - e dessas doenças caóticas, dessas cegueiras pontuais, dos maus modos dos homens, da infame boa maneira. se não se percebe, o mundo abriu um grande berreiro.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

o circo

para que se acabe com o circo, não basta matar os palhaços. é preciso tirar também os animais, os ilusionistas, o público, o mágico, o equilibrista, o domador, o apresentador, o monociclista, o acrobata, a música, a curiosidade, a lona, enfim, tudo. acontece que sempre haverá outro circo, outros palhaços que não morreram. outros animais, outros ilusionistas, outro público, outro mágico, outro equilibrista, outro domador, outro disposto apresentador, outro monociclista, outro acrobata, outras músicas, outra lona, enfim, tudo.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

o homem das vendas pretas

sentou-se. que calma absurda lha havia invadido o corpo. se toda sensação futura pudesse assemelhar-se a esta em algum aspecto, ainda que sublime, estaria satisfeito. levou as mãos até o rosto a fim de se certificar de sua permanência. tateou a venda. há pouco ainda lhe vagava pela memória a lembrança de sua loucura repentina. "perdia algo, senhor?" e a sua resposta referente emergia, às pressas, entre os lábios: "perdia a cebeça! perdia a cabeça!"; e rodava em círculos, a tornar-se óbvio. poderia a consciência ser uma afeição bem cultivada? dos tontos, imaginava então um segundo homem que o homenagiava, que sequenciava longas cenas de aplausos e de histeria. talvez um homem que não gostasse de nada, que jogasse o corpo para os cantos, que suasse pela testa e pelas juntas dos dedos? era tudo muito fácil. poderia a inconsciência ser uma inconstância tão grande assim? ele pegava as pedras dos bolsos e as jogava pelo ar. pedras a atingir-lhe o rosto na volta, a afundar-lhe o queixo navolta, os olhos vendados e a deformar-lhe o nariz na volta. ASSIM ERAM OS ERROS - acontece que se os erros fossem mesmo uma depressiva força dos hábitos, haveria ainda razão suficiente para tornar novos os velhos? apertava o nó atrás da cabeça. se lhe perguntasse o que esperava com isso, diria: espero a pureza bruta da vida. a não lapidação da vida. tornar-se-ia o primeiro no segundo homem. um homem que se contradizia lentamente até o ponto de enlouquecer. porque poucas pessoas eram especiais. se a multidão fosse especial, pensava, ela seria composta por pouquíssimos. ninguém vai viver no hilário, ninguém vai tornar a casa: que bela neurose.