quarta-feira, 17 de novembro de 2010

à ana | 7

porque antes de torná-lo publico, foi torná-lo seu.



eu escuto seu coração daqui, te ouço respirar. você me deu a mão e me puxou: já não estou mais aqui. conheci a vida de verdade, passei a existir. eu posso sentir você agora. eu sinto, toco, vejo. você tem cheiro, gosto, está viva, respira. suas veias dilatam quando eu me deito, teu ombro me segura, teu corpo inteiro me abraça. é incrivel. não são tuas essas palavras, nem minhas. é nossa essa história. eu amo a nossa vida. o meu amor existe, e é você - meu amor tomou forma de mulher. meu amor eu vejo completo e para além do olho. porque se vejo os lábios, já te sinto o beijo. se vejo o corpo, já te sinto o sexo. se estou aqui, existo ai. se existo, já não penso. esse amor não me fez perder os olhos, mas me abriu para a possibilidade de ver depois de estar cego. estive cego, há anos atrás. agora tenho um ambiente sem luxo e com tudo. agora eu posso ser transparente. na nossa loucura, vivo uma interessante inteligência. você era um desfile e eu passei pela tua frente, como se somente fosse possível que nos seguíssemos, um após o outro. depois de mim, há apenas você. larguei as roupas na beira da cama, larguei os pés, soltei os braços: você me trouxe somente você. a minha idéia de ser feliz é ver você dormir e te fazer perder o sono.

sábado, 13 de novembro de 2010

eu te amo

é belissima a imagem de um corpo que não tem peso, que sustenta-se pelo que sente quando diz, no instante que diz, e torna-se imaterial quase, levíssimo, sobre tudo. porque a condição de ser bela não é aparente e as pessoas são bonitas quando a beleza lhes é dada - ninguem nasce bonito, mas torna-se. como é possivel tornar-se uma boa pessoa. você tornou-se linda. e isso é irreversivel. não sei quando foi isso, mas quando pude me dar conta, já estava linda... não importa o tempo que isso tenha demorado. acho belo tudo que posso, porque a maioria das pessoas passa batido pelas coisas bonitas. pela sutileza das coisas bonitas de verdade, é por elas que devemos parar: ai encontramos finalmente as pequenas faltas de ar que verdadeiramente nos inspiram.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

a cabine | 5

da janela poética:


é importante não se convencer com teorias vazias. ana Laura tem poucas manias. eu a conheci em um café, em um convite que ela fez. eu achava engraçada a sua forma de fumar, muito desconexa e própria. eu a conheci quando ela aceitou um café e pagou por ele. explico: ela vestia uma calça jeans de jardinagem, luvas saindo dos bolsos, uma blusa cor de café com leite bem fraco, óculos. ela me disse que não havia vasos grandes em seu apartamento, apenas uns quatro ou cinco pequenos no parapeito da janela da frente. disse que ali se intercalavam as cores: dois deles bem verdes, um amarelo – que depois eu chamaria de seus pequenos girassóis –, e um quarto de violetas bem minúsculas. eu não tive tempo, nessa vida, de cuidar de suas flores. eu tive tempo de percebê-las e só; claro, eu tinha me emocionado nas suas respostas rápidas e nos seus silêncios que duravam semanas. ana Laura é completamente difícil de esquecer – muitas vezes não por ela mesma, mas pelo que ela representa. ela era a coisa viva na qual eu tinha me apoiado. ela era uma mulher de tema coerente nas atitudes. o exercício para ela era sempre necessário. acontece que o exercício em excesso é o que se tem de mais próximo da doença. ela fazia inflexões sobre as folhas escritas bem no meio da sala – o que transformava o nosso relacionamento em uma simples questão me empatia. o seu exercício era olhar as pessoas, enquanto o meu era olhá-la: ela, a minha mulher sinopse.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

à ana | 6

insonia seria deitar-se perto ao estar longe.

deitei: não consigo dormir. penso e existo em você. são quatro e quatro da manha. perdi o sono porque pensei e não parei mais. questionei morrer. as palavras tem o poder de levar as pessoas. se digo para ana que respiro ao seu lado, então quase vejo transpiração aqui. não estou perto, mas dentro e ao redor. proximidade é para mapas, porque se me dissesse próxima, quando digo de alguém, teria de me dizer diretamente fundida a ela. confundida com ela sem saber quais foram os braços meus e quais os dela que me deixaram. acho que só nós estamos acordadas no mundo. há um silêncio incomum do mundo aqui. então eu ouço você. meu soluçar faz musica que só você escuta: só há você que me ouve agora. eu te abraço com os seus braços em mim. me sente? eu estou aí, ao teu redor, em ti, respirando.

teria que me dizer fundida sem saber quais foram os barcos que me trouxeram e quais me levaram até ela. carências são insoluveis e eu as tenho. alegoricamente, ana também as tem tão belas. abra os braços, porque vamos fazer não só um país, mas um planeta de vênus somente nosso. há um ritmo próprio que sinto, um balançar feito das palavras ditas da transcrição do que sinto que é isso. preciso de ti - de tudo, te preciso. esse rítmo é meu & teu. posso dormir somente agora que cheguei onde está e que a presença de ana deitou-se comigo. se posso pedir, peço que durma com os anjos, os mesmos anjos que trouxeram ana para mim. se sou, então somos.

se vou, então iremos juntas. a imaginação vai provocá-la sempre. imaginar é o que resgata o infinito de nós aqui. perdi a distancia e diminuí uma légua com o futuro próximo. o tempo exige tempo. era hora de puxar o futuro pelas costas que mostra e dar um salto sobre seus ombros. eu me imagino saltando sobre os ombros do futuro e me pondo bem à frente dele. não sinto a irritação de nenhum outro dia porque tudo aqui é fascinante e cerebral. eu sou o futuro dele mesmo. sou a própria ana que me tem imersa em sua perplexidade feminina e mundana. porque somos daqui, eu e ela. nosso ritmo tem pequenas imperfeições dançantes. não há nenhuma dança perfeita, há passos ineditos de quem nunca esteve aqui antes. eu tive a permissão de viver. eu sou da retração que esta vida nossa me traz e do relaxamento pleno sob o qual sou conduzida, tão perto de seus olhos, nos quais me vejo. se vejo, então vemos. porque sou a parte minha entregue a ana depois de tomada pela parte dela posta em mim. não vivi, mas depositei uma vida sobre o campo do futuro de ombros puxados. vejo vento no rosto que desconheço - e ironicamente, me conheço aqui. eu me entendo. o futuro não é algo que se alcança, mas que mergulha na experiência de hoje. no sexo da luz de fora, no beijo da luz de dentro, no eixo do feixe de luz que emana do corpo, sua parte sem matéria ou peso também me cobre. ana é linda, o que mais existe?

terça-feira, 2 de novembro de 2010

de pequena metragem

o que tinha fora que eu senti tão perto. a gente sempre imagina o que tem na janela do outro: um casal que transa, uma bicha, uma mulher que fuma. a fumaça some – tem sorte? um sinal que abre e fecha. daria para gravar duas horas de silencio aqui. um ônibus que passa com um homem velho – que o dirige. uma sala que acende ou três casas que se apagam. nenhum cão late. nenhum miado. uma menina que vomita, eu não vi. também não vi nenhum homem que a socorresse. o que tem na janela do outro que não se usa gerúndio: um homem que transa sozinho, uma mulher que fala escondido, dois bandidos – nenhum plano. um cigarro cai da mão sem vento para ser levado. o que tinha do lado de fora que eu não vi? o que tinha aqui que não tinha sido entregue? porque eu não tinha me dado por perdida, ou por sumida do mapa? um sinal que abre. eu demorei a ligar depois de uma transa na sacada. desliguei as luzes daqui mesmo, mesmo sem sono algum que me buscasse. mesmo assim, eu parti. o que tinha aqui sem ser visto?