terça-feira, 29 de setembro de 2009

Velha Eterna | 2

(...) Talvez um dia ela ainda pudesse executar um protesto. Entre as pilhas de caixas vazias, estava colocado ali um monte de folhas enroladas presas por um elástico fino. Tombou um pouco a cabeça a fim de alcançá-lo primeiro com os olhos e depois com a interpretação. Uma mulher cuja interpretação muitas vezes falhou ou falou bem menos do que o esperado talvez pudesse fazê-la conter o entusiasmo agora. Entusiasmou-se. Tratar de um homem como ele merece seria inutilmente destratá-lo, então continuou. Uma mulher que desconsidera a curiosidade torna-se adulta. Na reluta que existe em crescer, tratou de deixar que os olhos caíssem logo e ainda mais sobre as folhas no fundo no armário. Vou voltar a ser criança, lhe ocorreu. A felicidade de alguém que pula fica visivel quando se chega ao chão, sendo assim, esticou o braço para alcançar as folhas e reclinou o corpo como um todo para voltar a pensar com a imaginação que teve há vinte anos. Sentou o tronco no chão e então vieram as mãos a rasgar o enfeite que mantinha intacto o calhamaço - entenda que tudo que exceder o número de uma página já pode ser considerado um livro grande e de dimensões intelectuais consideráveis. Para ela, a inteligência eram as relações secretas sobre as quais se tinha habilidade de manter. Em um desdém, arrancou o elástico. (...)

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Velha Eterna

Acho pouca tanta coisa demasiada. Se o sentido está justamente em entender a relação entre duas pessoas diferentes, porque passar tanto tempo dedicando-se a outras cujo sentido já não existe? Uma mulher nunca chegará a chamar um homem melhor do que ela para pensar em adversidades. A necessidade vem sempre do erro, só assim a entendo. Depois de muito deixar de lado sapatos que já não lhe cabem nos pés, essa mulher a qual me refiro entrou em uma crise estética – talvez até característica da idade. Dizem que as mulheres quando beiram o abismo dos quarenta anos podem mudar radicalmente de comportamento porque se a sua beleza já não existe como outrora idealizada, ela pensa já poder ser jogada no lixo também. Talvez a minha vantagem tenha sido não ter entendido isso com muita clareza. Eu imaginava se era realmente possivel que em vinte e quatro horas de vida alguém pudesse mudar. Ela ainda reclamaria muito. O desejo moveria o homem, mas qual era o risco de ser mulher? Talvez o desejo dela só brotasse como monstro em outro lugar: o limiar da loucura fazia com que ela mudasse os objetos pessoais de lugar diversas vezes seguidas. O desejo tinha se apresentado de uma forma imbatível. Um pacote de biscoitos, metade de um queijo, meio litro de suco de uma só vez. Controlar o desejo seria uma forma de sair da infância para ela - feita essa consideração, essa mulher tinha vontade de comer e desejo de xingar muita gente. Vontade de romper eu também tive. Tem gente que não gosta das coisas da vida. Atravessar talvez fosse uma liberdade que a deixaria mais feliz. (...)

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

o ensaio do ensaio

EU MUDEI DE CARGO. de mim, passei a ser a outra. passei a ser a mulher que eu fiz para dentro de mim - e depois pude contar mais três cópias dela pela sala. um espécie de prova cabal, eu pensava. quando foi instintivo, o meu bicho saiu. eu só tinha as coisas que eu guardava: agora eu tinha imagens que eram sonhos. eu penso já não querer entender aquela mulher. penso já não querer saber se ela se contorcia para sair ou para ficar presa mais tempo. a força que o corpo dela trouxe saiu pela ponta dos dedos e terminou nas minhas costas. uma mulher pequena não deveria ocupar tanto o espaço. não deveria por os braços no chão. agora eu via nela a mulher que eu criei. e via nessa mulher inventada a segunda criação dela - a mulher que se machucava o tempo todo. a mulher que ela criou era assim: cheia de machucados, de dores, de um prazer imenso em relação a ir e a ficar parada.
EU PAREI PARA FICAR MAIS TEMPO. eu achava que a espera era tempo, que a recompensa, que a paciência era tempo. gostar de mim talvez fosse pouco, então eu gostava de outro. eu queria ter entrado mais cedo para a festa, ter deixado mais tempo no mundo das trocas. acontece que eu troquei o acaso pelo engano. o engano pelo encanto. o encanto pelo encanto da cena da mulher que tem o nome mais comum de todos. ela fez de uma mulher de palavras uma outra de três dimensões. ela fez uma mulher cujo corpo virava, cujo olho, cujas unhas sangravam. eu não sabia dizer se ela tinha raiva ou se tinha pressa para ir embora. eu não sabia se ela queria deixar o corpo ou sair dele. caso ela já tivesse saído, a sobra dela ainda carregava uma força, uma depressão da vontade. o breu não tinha olho.

EU DESCOBRI QUE O MEU BICHO ERA UMA PREGUIÇA - eu fiquei à vontade com a idéia de ter gostado de ter mais gente do que eu em mim. quando a música cresceu, eu imaginei ter experimentado a surdez. vai ver a surdez era exatamente assim.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

minimamente

às vezes a gente pensa demasiar a crença - pensa em elevar a crença pequena a um limite além do razoável. a minha vontade era encontrar uma mulher que fugisse a regra, que pulasse o muro, que inventasse o caminho e não deixasse rastros com isso. em geral, eu adotava meditas criteriosas. minimamente, eu sempre errava no cálculo. eu punha peso demais, eu excedia. eu elevava e causava êxtase. o meu encantamento era um deleite sobre as coisas que já não proporcionavam nada. por isso eu só estudava o que me dava prazer - o contentamento em relação a um objeto conhecido tende a ser ravoável. se não for, contudo, eu ainda teria as coisas - e tudo mais que existe, tudo mais que é inanimado - para experimentar. de forma real ou aparente, eu poderia ir até o fundo das coisas. ele possui poucas coisas, penso eu, mas o que ocorre em seguida é que isso também não passa do curso natural das coisas. e eu tinha mesmo coisas incriveis, coisas do arco-da-velha. eu morria de velha. e a gente era toda a humanidade que teme a morte. a gente, toda a gente: as coisas que falam.

a graça é um favor

todo mundo teve na vida
pelo menos um homem que não teve graça.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

CURTA SANTOS 2009


BRANCO: Admissão de todas as cores. O gelo é branco.O dia nublado na neve é branco. A folha de sulfite é branca. O leite, o dente, o branco do olho é branco. O sêmen, o dente, o branco do olho é branco. A espuma. A paz, a pomba, a pomba da paz é branca. A luz é branca. O rei é branco. O teto é branco. O remédio é branco. A parede, a maca, o hospital, é branco.O cabelo, o homem é branco. A maca, a parede a luz, o homem, o paciente é branco. A paciência é branda.


PRETO: Ausência de todas as cores. O breu é preto. O que é escuro é preto. A sombra, a noite, a falta é preta. A caneta que escreve na folha de sulfite branca é preta. O gato da sorte é preto. O café, a sujeira, a cegueira é preta. O pó é preto. A lista é negra. O rei é preto. O básico é preto. O cacetete, o fundo, o caviar é preto. A tarja do remédio é preta. O preto do olho é preto. O cabelo, o homem, o fechar dos olhos é preto. Fechar o olhos é prático.

PRATICA-SE ENTÃO A SUSTENTABILIDADE.
(...)

trecho do DOCUMENTÁRIO feito na Faculdade de RTV - UNIMONTE no 1º semestre de 2009 chamado PROJETO:CORTIÇO - com o tema de Sustentabilidade. O filme será exibido no CINE-ROXY DO GONZAGA, a partir das 22hs na quarta feira, dia 16/09. Estamos concorrendo na MOSTRA COMPETITIVA Olhar Caiçara Universitário DO CURTA SANTOS 2009. Segue abaixo o LINK para votação ___ PROJETO: CORTIÇO.

http://sat.grupoatribuna.com.br/tvtribuna/2009/curtasantos/galeria.asp?categoria=2

_______
equipe técnica:

direção CLAYTON GALVÃO
assistência de direção e roteiro NOELLE FALCHI
produção executiva SUSAN HORTAS
produção LETICIA BAMONTE, AYENNE CARRIÃO
câmera e direção de fotografia GABRIEL BARBOSA
assistência de câmera BARBARA RIBAS
direção de arte MARIA VITÓRIA SIMÕES
edição e finalização GABRIEL BARBOSA

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

o mês está acabando?

agora eu tento imaginar o que me trouxe até aqui. se esse pedaço agora é meu, a única coisa em que eu consigo pensar são os outros espaços que ficam do meu lado. talvez esse pedaço não seja assim tão pequeno. pelo tamanho do meu pé - e digo isso porque já o examinei diversas vezes desde que cheguei aqui - imagino haver dezoito passos até cada um dos cantos. são quatro cantos aqui, para a minha óbvia surpresa. se eu tivesse que dividir com alguém, o espaço se transformaria em meio espaço para mim. se as pessoas sempre procuraram espaços vazio e silêncio, hoje eu gostaria de um pouco de gente.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

o avesso do espectro

Agora eu entendo que talvez o sofrimento tornasse cômoda a insatisfação. têm mulheres que jogam a vida no banco do carro, nas coisas cheias de cor. eu deixei de pensar assim porque, para mim, alugar um carro talvez fosse mais cabível. eu desconhecia a maioria das coisas bem feitas e permanecia de forma a tornar lúcida a minha satisfação premeditada em relação a minoria delas. se me perguntarem se vivi em tempos tristes ou caóticos, eu direi que não. em tempos de solidão exacerbada, tudo pode se tornar opcional. o sucesso, a burrice, a beleza que eu desconfiava demais para tornar óbvia a minha inteligência - não serei lembrada para sempre. ela era uma mulher de espirros curtos - e que pedia saúde. tudo é intencional - sendo assim, eu puxava tudo para mim porque dessa forma era possível exercer uma comparação. eu sentia eco na minha voz e uma divergência de operação e de alguns tons. ela era uma mulher que só usava azul marinho. se eu parasse, pensaria já ter reiniciado o processo diversas vezes antes. se pensasse, automaticamente começaria novamente. eu desconfiava de mim.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009