segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Velha Eterna | 3

(...) Acho que passaram seis dias desde que a decisão de voltar o tempo lhe ocorreu e lhe caiu sobre o corpo de forma concreta. A decisão de ir em frente nem sempre vem dos passos. Sair do ócio se tornaria um vício agora, então abraçou com as mãos os papéis, agora, livres do elástico. A sensação de liberdade poderia ser compartilhada? Imagina que sim. Soltar um homem como uma pipa, um cadarço de tênis, um fio da meia-calça: tudo reinava sob a imensa asa das palavras. A liberdade tardaria a chegar, como outrora fez, então descreveu a cena mentalmente. Uma menina que se torna mulher talvez não tenha o direito de voltar atrás. Pensou em outras tantas pessoas que tinha conhecido até o caminho que a levou ao quarto. Um menino cego perderia esse momento, um menino paralítico, um menino morto perderia esse momento também. Alegrou-se por estar viva, mas chegou o movimento dos ombros e dos dedos do pé a tornar-se óbvia. Sentia-se ordinária e sem nenhuma lembrança vaga – um quase nada de memória. Apoiou o pequeno calhamaço de folha no chão entre as pernas, sobre o carpete, por baixo da testa e da curiosidade. Vou voltar a ser criança, repetiu. Apoiou o corpo na perna como quem apóia o resto todo no mundo. No apartamento, no espaço do closet, sentiu que uma fobia a poderia dominar. Finalmente uma sensação com o sabor excêntrico da repartição. Partiu os lados do calhamaço, desenrolando com lentidão e desapego. Quanto mais as folhas se abriam sobre o chão, mais lento o movimento ficava. E se nada aparecer? Eu teria pensado nisso. (...)

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