pensei que talvez pudesse apenas continuar a fazer suposições sobre nosso futuro, agendando compromissos e festas em casa com jantares para amigos, mas não. achei que tudo era mesmo uma fantasia, um momento breve de êxtase. então eu me sentei na cama, e conversamos por horas, assim, os mesmos planejamentos, seguidos de alguns novos planos para uma vida que não exigirá demais. ela disse que eu era exigente: pois que sou mesmo. teremos um cachorro pequeno, daqueles que parecem ser filhotes para sempre - algumas coisas que se conservam intactas podem se tornar boas com o tempo. e teremos um apartamento grande, mas não enorme: ainda estamos em dúvida quanto ao número exato de quartos. faremos economias, desligando a luz sempre que trocarmos de cômodo. eu lhe disse que poderíamos também começar em um lugar menor, e decorá-lo com o tempo. ela gosta de revistas de arquitetura e decoração de interiores, disse que trataria isso como hobby. eu disse que eu poderia ficar com a casa, ou fazendo compras - mas não sei quanto a isso. não consigo ficar quieta muito tempo, tampouco me dedicar exclusivamente a uma atividade. vou precisar trabalhar também: tudo bem, trabalharemos nisso com o tempo. ainda temos que considerar o resto das contas. água, luz, energia. o gás é por conta do prédio e, quanto a TV a cabo, puxaremos um gato do vizinho, bem como a internet.
outra vez, eu a imagino. vejo seu corpo chegando cansado depois de uma dia comprido de trabalho. escuto o barulho das chaves do carro a trepidar na mesinha: ela finalmente está em casa. ela ascende o abajur ali perto, e coloca a bolsa na cadeira, próximo ainda a entrada da sala. ela sempre repete passos. do quarto, escuto com clareza seu movimento. eu não preciso sequer vê-la: eu já sei exatamente onde ela está. enquanto ela passa pelo corredor, o filhote faz festa para ela. os latidos finos e amorosos se aproximam conforme ela se aproxima da porta também. então, já próximo a entrada, ela o pega no colo com uma mão apenas e faz um carinho em sua cabeça. diz que há horas não via a hora de voltar para casa. eu, sentada na cama, de pijama e óculos, separo as faturas do nosso cartão - gastamos, mas não gastamos demais. ela me olha, agora já dentro do quarto, e afasta os papéis da minha frente. coloca o filhote no chão: minha vez de ficar com ela, e sorri para mim. sei que ela chega normalmente às nove, então já estou contente desde às oito. ela tira o terninho preto - suponho que teve alguma reunião importante, pois ela sempre o usa em dia de fechamento de contratos ou de grandes oportunidades - e se senta ao meu lado, de modo a deformar um pouco a beirada da cama. pergunta como estou, já segurando meu rosto, como se desaparecesse tudo. ela me beija e então me deixa solta. abraça meu corpo forte contra o dela logo em seguida, como se pudesse me deixar partir em um instante e, no outro, não me soltar jamais. ficamos assim por meia dúzia de segundos, até que ela me afasta um pouco de seu rosto e diz que me ama muito. fazemos aquele momento de silêncio convencional que acontece sempre depois das declarações de afeto, e então eu digo que a amo também. o filhote faz festa e solta um grito agudo, como se pedisse atenção também. ela sorri para mim outra vez, abaixa para pegá-lo e o coloca na cama, ao meu lado. aconselha que ele se comporte: vou tomar banho, e já volto. eu balanço a cabeça, de forma a concordar. ela me beija outra vez, e vai até o pequeno closet que temos, pegar a calça velha com a qual dorme sempre. eu a espero voltar para dormimos, e ela sabe disso.
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