segunda-feira, 14 de julho de 2008

quinze para as quatro do sábado

ambienta-se. um fio de cabelo rebelde: tentou esticar o cabelo, mas não teve sucesso. o lápis de olho pequeno e já sem ponta. uma blusa preta e justa, que não lhe cabe propriamente: tentou ajeitar o pequeno decote, mas sentiu não ter muito o que mostrar - nem a quem mostrar. calcinhas no chão. meias no lustre. nenhum luxo. tem certo ar cansado, mas também de raiva. um jeito de quem olha, mas não consegue se ver, nem se distinguir em meio a outros. está sozinha no quarto. no banheiro. no box. não tem mais sua lua. tem certo ar de espera também. achava que ela deveria ter ligado ainda ontem. não ligou, contudo. apenas limitou-se a simplificar a situação: foda-se. então, foda-se também. está a arrumar-se pra niguém em especial. está na expectativa. não vai ligar, mas espera, profundamente, que ela ligue. ela sempre ligava mesmo. então aguarda. talvez não devesse esperar tanto de alguém que pensa conhecer tão pouco. e não devesse considerá-la assim tão previsivel. rotinas sempre devem manter mistério, apesar do esforço contrário as quais se propõem. às vezes se bate mais que o necessário. então um toque repentino. esperado, porém ainda surpreso. um toque de quebra de silêncio, atrevido. o nome dela pisca na dela já cheia de dedos do celular, como se chamasse a atenção. pedisse atenção. resguarda-se, como sempre. tremedeira. frio. faz mesmo drama para tudo. inverno de palavras que não foram ditas. ou que foram ditas demais. perda de tempo lhe ocorre. tem medo de voltar a correr em circulos. desde ontem está a esperar por ela e pelos beijos que estão combinados, há semanas. hesita em atender por um instante, todavia, reconsidera. desiste da aversão, do apetite irresistivel que sente por um instante. senta-se na cama, fingindo conforto e confiança. atende com um cumprimento seco. ambas com a mesma voz de merda e de desculpa não pedida. acha que ela não vai admitir o erro, mas não. então pede desculpas também. tudo bem, assume não deveria ter dito o que disse. ainda acha a comunicação um pouco vazia. reconsideraram. eram quinze para as quatro. pergunta-lhe:

- que horas você vai sair?
- quatro e quinze.

silencio, claro.
tinha muito para lhe dizer, mas não conseguia expressar-se como queria. não teria tempo suficiente. assim como o dinheiro, o tempo é uma merda (principalmente quando não se tem nenhum). o telefone era pouco para o que precisavam. precisava ver os olhos dela, caso contrário qualquer argumento seria em vão. nada que lhe dissesse mudaria o momento. toda sua informação está perante ela, como se aguardasse um decisão. então apenas limitou-se novamente. despediu-se e, assim, comentou, dizendo que esperava que ela fizesse uma boa viagem de volta. voltariam a se falar quando ela chegasse. se chegasse - ou se voltassem. ainda que continuasse a sentir a outra dizendo suas palavras, agora ela piscava fraca e longe. cambaleava bêbada para outro lugar. não esqueceu, mas também não havia trazido nada que comprovasse a validade da espera. não disseram que sentiam saudades ou que se adoravam. aquela conversa tinha um ar particular de fim. desligaram. apenas desligaram.

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