estou a iniciar um texto. eu me concentro: e eu sei, eu vou perder um tempo. é como se fosse ter um filho ou fosse decolar, pular de um prédio. passo a ser uma extensão de mim. tropeço, como um bêbado. trago a embriaguez comigo. sou apenas um pacote de receios. sou eu, resguardo.
quinta-feira, 10 de julho de 2008
saí, sumi de mim
estiquei o braço para fora da janela de modo a testar a temperatura. o sol não mais me engana, desconfio. mesmo essa blusa grossa de linha está a me deixar desfonforto. arregacei as mangas: alguns pingos leves de chuva ou de choro. a menina do andar de cima está em pratos há dias. sua familia inteira foi embora: é, eles eram um bando de merdas mesmo. uns covardes, uns filhos da puta. eles sairam no meio da noite, levando correspondencias e dinheiro debaixo de seus braços enormes. o pai, em particular, tem aquele ar de cafetão gordo e sujo. um monte de inundos. arrastaram a irmã mais velha, ainda grávida, pelo corredor social. seu vestido de flores secas desinfetou o chão, o tapete, o resto de decência que ainda poderiam ter. levaram aquelas malas melecadas de molho vermelho e arroz, um nojo. a mãe não disse nada, apenas insistiu para os outros que se apressassem, pois não queriam ser vistos. ela está trancafiada no apartamento, esperando a volta de alguém. ela não usa mais roupas. ontem mesmo a vi arremessar várias peças pela janela, que planaram por cima de minha cabeça oca. não posso ir até lá agora, estou atrasada. não sei qual roupa vestir. qual sapato colocar. nao tenho tempo para conversas com desaparecidos. eu sumo da minha própria vida, e niguém, sequer, nota. saí. sumi de mim.
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