segunda-feira, 7 de julho de 2008

de um corpo morto para um corpo mudo, em uma quinta-feira, depois de um tiro

meu amor, me perdôe pelos erros que cometi, ainda em vida. não tive intenção de lhe causar dor, nem mágoas. nunca quis lhe deixar com ressentimentos em relação a mim, ou a quem fomos. tenho certeza que fomos tudo o que poderíamos ter sido: eu gostava do pouco que tinhamos. gostava do nosso abajur de luz fraca da sala e da cortina de rendas. eu gostava do seu vestido de seda e dos seus sapatos de verniz. eu gostava do formato do seu nariz e das suas unhas. do seu quadril, dos seus broches, do seu toque, da sua pele na minha. sabe, minha nova casa não tem mais flores. não tenho mais janelas ou portas com placas que convidavam amigos queridos. sequer tenho amigos agora.

meu amor, me perdôe pelas vezes que me omiti, ainda em vida. desculpe por sair sem levar o guarda-chuva no dia que seu cabelo estava mais arrumado. não quis lhe deixar esperando horas, enquanto bebia e culpava o transito. talvez eu não tenha lhe gostado demais, mas lhe gostei com tudo que tinha. é, às vezes sou pequeno mesmo - você era minha pequinininha também. sou restrito às vezes, poético demais. não penso: gasto dinheiro à toa com revistas sobre a segunda guerra mundial. eu gostava as fotografias que tiravamos nas viagens, principalmente naquela que fizemos ao caribe, há dois anos. fazia tempo que eu não sentia o prazer de uma boa companhia. eu gostava dos talheres que usavamos para jantar aqui no quarto, aos domingos. adorava nossas segundas-ferias e quartas à tarde. nossos sábados abraçados.

meu amor, me perdoe pelas vezes que insisti, ainda em vida.
pelas vezes que menti.
que julguei.
que me precipitei.
que revoguei.
que cantei alto ou chorei baixo.
(diziam que os homens não deveriam chorar)
que senti ciúmes ou que simplesmente não senti nada.
que perdi conversas cruciais.
que deixei de lavar a louça, fazer o almoço ou arrumar as latarias.
me perdôe pelas vezes que não troquei as lâmpadas.
não tirei o lixo.
não apostei minhas fichas no nosso futuro.
me perdôe por ter me dedicado tanto a você.
me perdôe, ainda em vida, por ser covarde.
desculpe minha solidão forçada.
eu não aguentei seu silêncio.

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