sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

todo mundo vai ser junto com você

entenda que mentir, para ele, sempre foi muito fácil. de todas as coisas não ditas, ele as dizia com firmeza, como se postasse um ponto. fazia pontos e continuava nas mesmas linhas, - já havia escutado isso em algum lugar - indignas e ressonantes. as mensagens eram claras, mas a clareza lhe tirava a visão por vez e outra - assim, outra mentira.
ele dizia: ficar velho é isso, você vai ver. então ele colocava aqueles óculos enormes, lentes grossas que chegavam até a ser um pouco amareladas, e dizia que a vida costumava ser diferente.

- as crinaças não tinham os dentes, e a gente só ia no dentista quando tinha alguma dor insuportável. acho que a gente se cuidava pouco porque não tinha muito o que fazer também. hoje SIM eu acho que eu sou moço e que eu não morro - se não morri até agora, eu não sei, mas estou mais do que surpreso, talvez não morra mais. porque há alguns anos quem era moço morria de doença que a gente nem sabia o nome. eles diziam que era coração ou pulmão, porque muito se fumava. é, teve uma época em que fumar era chic, e a gente fazia pose. e tomava dose em cima de dose. e as profissões também eram simples. ou era médio ou advogado. os que arriscaram a engenharia não eram tão bem-vistos ou aceitos. e os artistas? ah, claro. esses a gente nem falava direito. mal se ouvia falar nos pintores, nos atores, nos músicos. engraçado a gente até podia fazer tudo isso, só podia se fosse também advogado. apesar de que uma médico que pintava ou que participava de peças de teatro era estranho - as pessoas achavam que ele tinha uma vida dupla, e não confiavam a ele seus tratamentos. vai ver que foi por ai que a gente começou a ter tanta gente fazendo coisa diferente. e para quê né? tudo isso e os dentes ainda dóem, ainda caem, e a gente ainda morre. é que agora não dá mais para esperar uma vida inteira. a intera vida que eu tinha já está terminando, olha! olha esses dedos grossos e cheios de rugas. olha o meu rosto, meu pouco cabelo! essa barba que mal cresce. e essa barriga que cresce, essa unha que cresce, essa orelha que cresce. e se ficar velho é assim? é, é bem por ai mesmo.
- vô, o senhor acha certo?
- eu acho que a gente era mais do que senhor.

5 comentários:

  1. parabens pelo post, muito bom. Gosto de voltar ao teu blog, gosto daqui.
    Tenha um final de semana feliz.
    maurizio

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  2. muito bom o texto.
    cheiro de saudades...

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  3. Parabéns, senhorita. ;]~
    Uma viagem ao passado futuro.
    No meu tempo ..

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  4. Lindo texto.
    Gosto do seu blog sabia?
    beijo

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