domingo, 7 de dezembro de 2008

Boemia

Ela era tão metódica que, ainda agora, eu me embaraço no instante de descrevê-la. O mais difícil a seu respeito sempre foi conseguir separar aquilo que ela era, daquilo que ela estava. Ou como ela estava diante do que pensava – ela se atrasava o tempo todo nos pensamentos e às vezes eu tinha a sensação de que ela falava e que suas palavras chegavam até mim frações de segundos depois. Eu queria seguir seus conselhos, mas tanto seguia seus passos, seus ombros, que mesmo o espaço no reflexo do seu espelho ao seu lado era pequeno. Ela tinha aqueles lábios finos e longos. Olhos grandes, azul-violeta e com pequenas granulações. A sua voz era constituída, gritante nos tons e desamável. Uma voz de mulher que fuma: com o prazer do vício nas palavras. A Marcela era uma mulher intrigante e ao mesmo tempo lisa. E superficial, como apenas ela conheci, digna de desconfiança. Porque ela falava articulando os sentidos, propagando mistério. Ela fazia malabarismos com sua dicção e me jogava pelos ares, como se repetisse que eu era um jovem inútil e desfeito na vida. Ela sempre quis um jogo com dois participantes – um homem, porque ela mesma faria a performance de sua própria mulher. A fantasia do relacionamento, do casamento, do divórcio, do consórcio do carro: Marcela tinha paixão por todas elas. Marcela não era bonita, nem gostosa – sua sensualidade era apenas a forma feminina que tinha encontrado para me persuadir. E eu caberia dentro de seus olhos até estar pronto para ir embora, como ela mesma repetia. A Marcela tinha olhos estranhos de ninho – seus olhos eram um abrigo passageiro e perigoso. Seus olhos ficavam no alto, no lugar mais alto que ela sabia que eu não poderia alcançar. EU ARRANCAVA SEUS CÍCLIOS NO BEIJO, mas não chegava em seus olhos. No ninho dos seus olhos, emaranhado, no ninho dos seus olhos emaranhados eu jamais chegava.

3 comentários:

  1. O que faz a Marcela, com a voz, fazes tu com as palavras.
    Parabéns e obrigado.

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  2. "E eu caberia dentro de seus olhos até estar pronto para ir embora..."
    Nossa! Nossa! Como eu gostaria de ter escrito esse texto, Noelle.
    Vejo que descrever mulheres é uma pequena jóia entre a gnt. hehe
    "ah, as mulheres" *rs

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  3. Sim, haha.
    Não se faz necessário um agradecimento, pra mim, é sempre um prazer ler você. ;]

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