quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

confirmações

as promessas são a essência das expectativas.
a não-espera traz o prolongamento da dúvida.
e que dúvida nos resta?

ESPEREMOS.

peso

eu me sinto leve.
acho que emagreci, perdi uns três quilos - só em pensamento.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

essência

o que era a gente no meio daquilo tudo? a gente passava batido, apanhado, desinteressado. minha virtude eram as dele; e os defeitos dele, meus. por outras vezes, mesmo tantas outras vezes antes dessa, não me ocorreu pressa nenhuma, como me ocorre agora - eis o que difere esta das outras vezes passadas.

no bolso

- o que você tem ai?
- eu tenho uma imagem cuspida.

domingo, 28 de dezembro de 2008

ambígua proximidade

engraçado, eu nunca lembro dela morrer.
suas fotos, seus diários particulares.
NADA.

lembrarei

eu me concentro.
eu sei, eu vou perder um tempo.

a cabine | 2

QUANTO A JAMES

um sofá vermelho. um chá dançante. o vestido de ana laura traz a tona uma lembrança; então é ele quem carrega um livro velho debaixo do braço: com as páginas caindo e com o sorriso sincero mais estupido do mundo. não existe mais nenhum problema agora, portanto, ele apenas iria pedir para que ela fizesse silêncio, pois tinha o mesmo discurso manjado de antes para lhe dizer; ansiava em subornar as mesmas personagens. o rosto dela ainda embriaga suas palavras, suas roupas, e então sua sutil permanência em sua própria sala de estar. e que se danem os loucos e os poetas desvairados que rasgam restratos para esquecer. james não era assim; e não que fosse lá uma pessoa muito equilibrada também, mas não era assim porque ana laura também não era e, dessa forma, nunca havia chegado a tal ponto de exigir demais dele. apenas havia se conformado com uma situação que se arrastara primeiramente através da horas, que então se tonaram dias, e semanas, e por fim meses. e tanto tempo já tinha passado pelo relógio que os ponteiros praticamente estavam desgastados. gastos pela monotonia pousada sobre a pia da cozinha, assim como aquela pilha de pratos sujos. ele não vinha. e ele nunca mais vai voltar, pensava. nunca! e não por ela ser ruim, ou feia, ou arrogante. mas por ela ser boa demais; e tudo o que nela era maravilhoso atigia o orgulho dele - e bem ele, que precisava provar-se homem o tempo todo! ah, tinha que ser ele, claro que tinha; ele era mesmo um egoísta de merda. então pulou pela janela do quarto e desceu pela escada de incêncio enquanto ele continuava ali, sentado, esperando, perplexo em sua própria sala mais uma vez, jogado em sua poltrona mais confortável com os pés para o alto, como se ainda se sentisse em casa. ainda.

terminou dois dias antes de começar

o ano começou dois dias antes de terminar. então virou a folha do calendário da mesma forma como virava as páginas gastas daquele velho bloco de poemas. sentou-se na mesma cadeira em que havia se sentado no ano passado e olhou o céu cinza pela janela, com a mesma falta de convicção de antes. chutou para o lado o balde de lixo cheio de frases retas e repetidas; finalmente parecia ter coragem o suficiente para se levantar daquela poltrona e ir buscar um copo de água - há semanas só bebia vinho e respirava aquele mesmo ar viciado de antes. aquele ar vencido. suado. sofrido. realmente gasto por sua própria respiração ofegante que tem se propagado pela sala de estar - conclusão, não estava. olhou ao redor, com os mesmos olhos cansados de antes. sentiu um aperto no peito e aquelas pálpebras que pesavam: eu nunca mais vou largá-lo, pensava. nunca mais! e eu nunca mais vou me importar com nada que tem a dizer, pois que suas palavras estão amassadas naquelas folhas amareladas, no lixo, no nada. estalou os dedos: eu nunca mais vou voltar para mim. sentiu um medo breve, como se qualquer coisa que estivesse para acontecer soprasse no ouvido um falsa esperança. deixou que alguns minutos do novo ano passasem sem muito compromisso; sentiu um alívio, e sentiu então um tranco. um giro louco dentre as idéias como se alguém segurasse uma arma no fundo da alma e atirasse sem pena por todo o corpo. estava ainda sentada; estasiada pela sensação. sentia frio e sentia, acima de tudo, a falta. a falta que fazia. estava presa. presa! estava presa para sempre. todas suas novas idéias planavam sobre sua cabeça sem saber o porquê. todos os seus sonhos estavam nos olhos do outro. nos olhos que refletiam uma cor idefinida. um cor doce. um cor doce de mel; é, eu nunca mais vou voltar. e nunca mais vai deixar de estar com ele.

coisas que se faz | 3

a gente quer um olho para olhar no olho.

(o olho do outro tem vidro, e a gente se vê acondicionado ali - daí o despero. sair de um lugar que não tem porta, janela, ventilação? o olho do outro é abrigo e cárcere incontestável. talvez daí a preferência também.)

sábado, 27 de dezembro de 2008

delírios | 2

sobre brancos desbotados:

vermelho que se transforma em branco desbotado. desbotar é perder cor forte. e quanto ao branco, quando desbota? será que o branco quando desbota deixa de existir? porque o branco não perde a cor, não desvanece, não descora, não altera a cor. o branco não perde a viveza da cor, o branco não empalidece. então o que faz com o branco que desbota? ou melhor, o que faz o branco, dele mesmo, quando desbota?

parece-me que a deficiência dá liberdade. aquilo que lhe tornar invisível dar-lhe-á liberdade também. mas liberdade de quê? liberdade da NÃO-culpa?

exemplo à pedido

certas coisas não são objeto de contrato.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

outros dela

a espera era um detalhe agora. agora ela tinha um desejo de se cuidar sozinha, de se encarregar por ela mesma. de salvar o que era dela nos outros e de tornar dela que lhe pertencia nos outros.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

em nós, natal

EM NÓS, NATAL.
na tal sala, naquela mesma sala das cócegas: natal.
na tal sala do roteiro de um circo: natal.

delírios

ele colocava a roupa dela, e dizia na voz dela:

que orgulho! que orgulho desse acordeonista! - que maravilhoso seria podê-lo tocar os dedos, os meios, os sentidos! eu me lembro, ele se apresentara formal, e polido. eu me lembro dele, mesmo sem nunca tê-lo visto, eu me lembro de seus arranjos, suas trepidações, sua insegurança nas notas mais jovens.

e tirava as roupas dela, e dizia na segunda voz dele.

eu não lembro! eu não lembro! que desastre! - que importuno seria poder tocar-lhe o corpo, os seios, os sentidos! eu não lembro, ela se colocara a dançar formal, e torcida? eu não me lembro dela, mesmo a avistá-la todos os dias! eu não me lembro de seus tantos rodopios, suas canções favoritas, sua imprecisão com outras melhores e mais jovens... e não me lembro!

AMIZADE

qualidade demodeé.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

ponto de partida

eu tive a impressão de que ele havia me chamado. daquele jeito que fazia, depois de um assobio fino, fazia um aceno que me cumprimentava com jeito de se despedir, de ir embora. eu perguntei para ele: você está indo viajar? porque ele carregava umas sacolas desformes e que lhe davam um ar de pressa e de desvario. ele disse apenas que não era uma partida, mas que era uma volta para não voltar mais. não é possível, deve haver um lugar para gente estúpida como eu. porque mesmo nos momentos mais delirantes era comovente ver um homem que demostrasse aquela preocupação tão carente por uma mulher. eu nunca entendi essa etapa da vida - da vida que era para ser nossa, mas que agora não tinha nenhum de nós dois. eu era cada vez mais para baixo de mim, porque se tem uma coisa que eu sei fazer bem é esperar. eu sei que isso é perdoável, mas é importante. e quanto a ir embora? era uma partida, ou um ponto dela.

sábado, 20 de dezembro de 2008

a solidão dos grandes

a tarde cair foi como se um peso tivesse caído no chão. e parecia que tava carregando tudo com ele. eu tive a sensação de que ele fosse me puxar junto, pra perto dele - porque às vezes parece que até o vazio é sozinho, o pesado é sozinho, e parece que tudo precisa de companhia. a gente não pode ser sozinho - e nem consegue.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

ela praticamente engolia meus brincos | 2

ela engoliu meus brincos.
MAS FUI EU QUEM OS VOMITOU HOJE.

coisa de mim

como pode alguém tão jovem dizer coisas tão tristes? jogue suas pernas no fogo, sua vida no fogo. algumas pessoas são maiores do que outras: será que a surdez é assim?

agora, ao invés de olhar no outro o que deveria fazer crescer, o dinheiro do outro dá impotência. aptidão torta, pela metade. coisa de quem não pára para pensar mesmo. e se o tempo não passar, faço questão de passar por ele - e de pisá-lo, arremessá-lo no fogo junto com as pernas, a vida e as pessoas que são maiores do que outras. será que a certeza é assim?

da educação dos filhos

você não acha maravilhoso?
eu acho melhor você desligar a televisão.

o peso dos anos

perguntou a menina:
- você fez ou não fez estas flores dançarem?
respondeu a mulher:
- eu não fiz nem as coisas simples que sabia fazer.

esse é um feiticeiro

por que não usar a melhor fantasia:
O CORPO DE OUTRA PESSOA?

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

sobre o amor

UMA DESCRIÇÃO, ou seria uma discrição?
seria uma discrepância enorme
entre o tormento que causa e, bom, todo o resto.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

leve, leve

estive pensando em um texto. mas de tanto pensá-lo, acabei por parir seus enigmas um pouco precipitado - um mistério mal-folmado, um bebê prematuro da minha prosa. é, então ele me veio a cabeça, como um peso nesses ombros magros e sem peso que tenho. era uma lambida de gato, um breve aconchego, um cachecol de litras vermelhas e verdades, natalino. daí veio um estalo, uma idéia - pois que a única ideia que tive, veio até mim como bêbado oferecer-me um prefácio confuso com pontuação convexa.

leve, leve esta grafia fina!
leve, leve essa pequena mina prata.
leve giz, caneta, grafite, nanquim!
leve, leve, leve!

veio até mim com um sorriso oblíquo e pendente de vendedor. então veio um surto; e teve um clima. e teve uma guerra logo depois disso. a gente queria, mas não sabia ser. a gente não sabia como era querer ser. eu liguei, tentei, insisti 65 vezes, mas descobri que ela já estava grávida de outro. DE OUTRO! de outro.

all

aquilo como uma identidade.
em todos os lugares as pessoas fazem seitas, barbaridades.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

a pior noite, resumida

a pior noite. comecei a descrevê-la, ainda lembro, pelo vento que traçava uma melodia fina entre a fresta da janela e a festa que há pouco acabara. o violino fazia silêncio. dos convidados, aqueles poucos amigos que bebiam muita cerveja e as duas únicas mulheres que bebiam prosecco. dez anos sem dar presentes de natal e ainda espera que eu reconheça a voz dela? a doença dos que não reconhecem vozes - eu sei, e dos que não sentem nada. foi isso.

domingo, 14 de dezembro de 2008

o TÃO humano que as mulheres são

o tom humano que as mulheres dão.

por estúpido que pareça

CAÇOAR É ELEGANTE, CRÍVEL.

narração

eu trazia em mim uma espécie de carga oblíqua e espessa, dessas que custa a passar nas veias. porque o sorriso dela havia sido tão firme, eu não sei explicar, mas a travessura de seu olhar havia fincado em mim uma ocasião - uma próspera ocasião na qual ela pudesse vir a instalar-se melhor e mais confortavelmente. talvez tivesse pensado, penso eu, que eu fosse um grande anfitrião e que a receberia nesses braços pouco alimentados e mal supridos pela vivência que ainda não havia tido. eu acho que até a magreza dos calcanhares meus a impressionava, a curvatura desforme dos dedos e os lábios trêmulos que imitavam um sorriso em sua presença eram motivos de seu amor e da leitura sublime de nós - e de nossas personagens. sua curiosidade era sua literatura. dentro de mim sei que ela se acomodaria. mas tardia tarde essa amanhã! eu sei, estes são os que tardam, meu bem! ah, minha amada, estes são somente aqueles que tardam.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Humano, demasiado | 2

A regra continua válida, qualquer valor, que não o de se deixar sair pela sabedoria, vai fazer com que a história fale, essencialmente, por si. A confiança que transforma a inteligência em esperteza: da educação, uma aceitação, uma relíquia não só de quem faz, mas de quem presta serviço – o compromisso, uma atuação pacífica e massiva na existência. Eu sei, o homem perde detalhes quando é lido – e como tudo que é grande, faz-se impossível de se manter todos os princípios intactos: a generalização é anticientífica, outra vez. Daí a erronia generalização. A generalização rasa. A gente vai precisar de educação no ego porque vai se curvar no outro, bem no centro do outro. A inspiração corre nos erros, nas valas: a educação vai ser maior na segunda chance, na vez seguinte, na continuação. Pois bem, continuemos. Você vai ser capaz de trabalhar no paralelo? O que é proibido? No caso, a greve vai ser essencial. A gente tem que parar para ser notado, para ser dito. Talvez a gente precise cessar e erguer o respiro para comprometer o pensamento com outro pensamento – o bom é que a gente tende a isso o tempo todo. A gente vai precisar amarrar tudo isso no final também.

Boemia | 4

Marcela era pedra feita de flor.
E eu era ela, Marcela.

Humano, demasiado

A educação não existe senão pela contemplação dela pelos educados. Reclamo ainda, e não pela má-educação que me faz inflamar, mas pela educação torta, faltante, pouco incisiva. Dos dias de hoje, eu sei que posso tirar o ruído da idéia no instante em que me comprometer com ela. E a minha idéia tem pêndulos, crises, tosse, problema financeiro. Mas que idéia que não tem?
Se ela fosse lisa, eu desconfiaria.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Boemia | 3

Tudo o que lhe dizia respeito era passível a comprovação. Eu sei, a gente vai se curvar diante do que tem – ou ao menos do que deseja possuir. A Marcela era um privilégio – e como todos os bons privilégios, um tormento seguinte. Porque quando ela fumava seus olhos fumantes caiam sobre mim, suas pálpebras pesavam sobre mim, e as cinzas avermelhadas polvilhavam a minha roupa – e o meu corpo por baixo a amparar seu corpo, a anulava. Ela subia em nós. Ela suava em mim com aquele tesão que lateja tanto que chega a ponto de escorrer, a ponto de transbordar pelos poros e pelos fios de cabelo. Unhas pouco compridas e muito bem feitas: os seus detalhes eram notados por poucos e devagar. Se eu a descobrisse toda, ela iria embora. A dúbia questão de ser é que a fazia existir. Ela disse que a certeza a sufocaria e que eu seria submergido logo depois também. Ela disse que tomava tempo fazer planos e por isso nao se entregaria tanto. Ela teve a audácia de profanar um destino, um destino para mim - ela conseguiu descrever também que agora até eu já acredito fazer parte dele.

Boemia | 2

Anime-se. Mais um pouco e você terá trocado o dinheiro pela própria farra. Dizem que a maldade das atitudes não consiste em executá-la propriamente, mas em escoltá-la. E por quê? Porque você não vai precisar esperar quinze horas de vôo, cinco anos de guerra, dez dias de fome. Se você conseguir gostar-lhe muito, já decerto terá tudo. É, ela bem que disse que essa minha fase de silêncio não a faria mudar em nada ou a afetaria – seu afeto era maior, ou então era nenhum mesmo, eu concluía. Engraçado esse tempo nosso de monte de gente em preto e branco. Eu não nasci para isso – e ela dizia: você e essa sua mania de grandeza. Que fosse: a minha cabeça tratava de mim como um imbecil.

é o pequeno que ficou gritante

alguém que me vencia nisso o tempo todo percebe que existem frases menores presas a essas frases. nesse caso qualquer indignação já seria uma boa pergunta. e o que é branco aqui vai depender do nivel criativo: que cor você vê? eu vejo 466. e você? você morre de medo, você é uma pessoa analógica. são treinamentos que as pessoas fazem, esse diálogo. quando você sai de um túnel e entra na claridade, por um momento você fica cego - você já viu o olho de um gato no sol?

É O PEQUENO QUE FICOU GRITANTE.

notas | 15

o palhaço não quer fazer rir, quer ser aceito.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Boemia

Ela era tão metódica que, ainda agora, eu me embaraço no instante de descrevê-la. O mais difícil a seu respeito sempre foi conseguir separar aquilo que ela era, daquilo que ela estava. Ou como ela estava diante do que pensava – ela se atrasava o tempo todo nos pensamentos e às vezes eu tinha a sensação de que ela falava e que suas palavras chegavam até mim frações de segundos depois. Eu queria seguir seus conselhos, mas tanto seguia seus passos, seus ombros, que mesmo o espaço no reflexo do seu espelho ao seu lado era pequeno. Ela tinha aqueles lábios finos e longos. Olhos grandes, azul-violeta e com pequenas granulações. A sua voz era constituída, gritante nos tons e desamável. Uma voz de mulher que fuma: com o prazer do vício nas palavras. A Marcela era uma mulher intrigante e ao mesmo tempo lisa. E superficial, como apenas ela conheci, digna de desconfiança. Porque ela falava articulando os sentidos, propagando mistério. Ela fazia malabarismos com sua dicção e me jogava pelos ares, como se repetisse que eu era um jovem inútil e desfeito na vida. Ela sempre quis um jogo com dois participantes – um homem, porque ela mesma faria a performance de sua própria mulher. A fantasia do relacionamento, do casamento, do divórcio, do consórcio do carro: Marcela tinha paixão por todas elas. Marcela não era bonita, nem gostosa – sua sensualidade era apenas a forma feminina que tinha encontrado para me persuadir. E eu caberia dentro de seus olhos até estar pronto para ir embora, como ela mesma repetia. A Marcela tinha olhos estranhos de ninho – seus olhos eram um abrigo passageiro e perigoso. Seus olhos ficavam no alto, no lugar mais alto que ela sabia que eu não poderia alcançar. EU ARRANCAVA SEUS CÍCLIOS NO BEIJO, mas não chegava em seus olhos. No ninho dos seus olhos, emaranhado, no ninho dos seus olhos emaranhados eu jamais chegava.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

todo mundo vai ser junto com você

entenda que mentir, para ele, sempre foi muito fácil. de todas as coisas não ditas, ele as dizia com firmeza, como se postasse um ponto. fazia pontos e continuava nas mesmas linhas, - já havia escutado isso em algum lugar - indignas e ressonantes. as mensagens eram claras, mas a clareza lhe tirava a visão por vez e outra - assim, outra mentira.
ele dizia: ficar velho é isso, você vai ver. então ele colocava aqueles óculos enormes, lentes grossas que chegavam até a ser um pouco amareladas, e dizia que a vida costumava ser diferente.

- as crinaças não tinham os dentes, e a gente só ia no dentista quando tinha alguma dor insuportável. acho que a gente se cuidava pouco porque não tinha muito o que fazer também. hoje SIM eu acho que eu sou moço e que eu não morro - se não morri até agora, eu não sei, mas estou mais do que surpreso, talvez não morra mais. porque há alguns anos quem era moço morria de doença que a gente nem sabia o nome. eles diziam que era coração ou pulmão, porque muito se fumava. é, teve uma época em que fumar era chic, e a gente fazia pose. e tomava dose em cima de dose. e as profissões também eram simples. ou era médio ou advogado. os que arriscaram a engenharia não eram tão bem-vistos ou aceitos. e os artistas? ah, claro. esses a gente nem falava direito. mal se ouvia falar nos pintores, nos atores, nos músicos. engraçado a gente até podia fazer tudo isso, só podia se fosse também advogado. apesar de que uma médico que pintava ou que participava de peças de teatro era estranho - as pessoas achavam que ele tinha uma vida dupla, e não confiavam a ele seus tratamentos. vai ver que foi por ai que a gente começou a ter tanta gente fazendo coisa diferente. e para quê né? tudo isso e os dentes ainda dóem, ainda caem, e a gente ainda morre. é que agora não dá mais para esperar uma vida inteira. a intera vida que eu tinha já está terminando, olha! olha esses dedos grossos e cheios de rugas. olha o meu rosto, meu pouco cabelo! essa barba que mal cresce. e essa barriga que cresce, essa unha que cresce, essa orelha que cresce. e se ficar velho é assim? é, é bem por ai mesmo.
- vô, o senhor acha certo?
- eu acho que a gente era mais do que senhor.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

notas | 14

o que não tem argumento, profere.
porque o que não erra, automaticamente inexiste.

seu corpo de tropas

- se começar a conversar, eu sento e paro. veja direito o que você está falando: você vê se ela é importante? note que tudo que tem um crescimento, tem um limite também e o seu máximo pode não ser perceptivél.
- vão tratá-lo como uma legião de estrangeiros?
- VÃO TRATÁ-LO COMO UMA LEGIÃO DE ESTRANGEIROS!
- calma. o que você está fazendo?
- eu estou ensinando meu futuro a voar.
- e o que você fez?
- eu fiz 55 vezes um valor que já existe. normalmente eu peço quatro casos, mas não desta vez. olhe a sua intenção e a descreva. eu preciso entendê-la com propriedade. sabe, a sua idéia tem um minuto no máximo; tanta coisa para falar e não chegar a 30? não tem como errar, você tem até uma tabela.
- eu tenho dificuldades.
- eu não acredito que você tenha dificuldades aqui: eu estou dando preferência a uma outra notação.

se você não conseguir me ver

não se apavore se você não conseguir me ver.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

cortiços

eu me possuí nesse demérito, nesse assédio de mim. eu era uma criança que mais parecia um elefante - eu era o menor gigante de todos. eu era um circo. daquela sensação, eu sei o que sobrou: era o calor da vertigem. da inclinação. do inchaço. do desvario. a mão da mãe. a insustentável condição feminina.

ela tinha um microondas em cima da geladeira e no teto, um vestido de festa - ou de noiva. uma roupa que parece não ter sido usada nunca. um vestido que era feito de lustre. parece que foram testadas centenas de mulheres antes dela. NINGUÉM DIZ TUDO.

ah, os cortiços. os grandes discos de gente.

depois isso, a pausa

a caridade é uma conveniência histórica.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

domingo

não aconteceu nada de que se tivesse certeza. as frases sobraram em cima da pia como flagelos da pouca gente que eram. e agora sim as poltronas vazias traziam de volta o olhar dele, e o silêncio dele. e o jornal sem ler, o shampoo, o café sem beber. o whisky de domingo e os programas de auditório vão esperá-lo voltar. eu sei, a gente vai passar semanas nesse domingo... eu sei.