quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

cartas de alguém bem perto | 3

há uma importancia das terceiras pessoas em nossas vidas.



devo me lembrar de você de que forma, extamente? devo lembrá-la como a pessoa que me fez rodar sobre uma euforia generalizada ou como contemplação serena? devo lembrá-la como a sensação de completude que me trouxe ou como o abismo de equilibrio em que me transformou? há uma importância das terceiras pessoas em nossas vidas. e esta importancia foi a qual eu reverenciei tantas vezes e pus em xeque tantas outras. devo lembrá-la como paixão ou como angustia? como pergunta ou como confissão? como desassossego ou como permanencia? posso sequer chama-la de permanencia mesmo voce tendo estado aqui por vinte e quatro horas? a vida nunca me preparou para você, e queria que você soubesse disso. mesmo nas vezes em que eu me revelei - tive de ser meio burra, meio sem saber brincar e errei muitas vezes para te dar a vez no jogo. e nessas suas chances, você foi ao banheiro, foi dormir cedo, foi beber pelo caminho, foi visitar os pais. e eu me tornei palavras como 'quase', 'logo', 'perto'... expressões como 'daqui a pouco', 'em breve', 'da proxima vez'. então, da proxima vez, quem sabe, diga para a vida - ou para qualquer coisa que coloca duas pessoas que se gostam no mesmo caminho - diga que você não soube jogar, que não teve tato nem tempo... que não teve vontade. porque presença é pura vontade e o desgaste da saudade é de uma intoxicação sem limites.

sábado, 24 de dezembro de 2011

felicidade são horas? | 2

imagina quanto tempo demora até você colocar uma camera no rosto? e então o olho do espectador passa pelo olho da camera do filme, que passa pelo olho do personagem, que passa pela camera que simula a camera do personagem, que olha para ela, que olha para ele de volta, que na verdade, olha para nós e fala para quem vê... a comunicação é muito dificil hoje em dia.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

felicidade são horas?

[...] é uma busca incansável por quem é capaz de tirar os filtros do rosto como quem se desnuda. como quem abre um roupão no meio da rua. coletivo. porque na coletividade a gente aparece e inevitavelmente se esconde. as pessoas não reparam mais - e de repente há alguem que me vê. e agora? eu não sei lidar. mesmo de longe, quase tão incomodado quanto eu, a princípio, eu me repudio dele. depois aquilo me atrai. o solitário pode agarra-se a qualquer coisa mesmo. eu não me aproximo, mas faço como uma reverência - eu quase consinto. e nesse consenimento aquilo se torna uma adoração, um documento de quem eu sou, um registro... uma imortalidade [...].

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

à ana | 16

hoje


que voz é esta sua? não entendo. porque talvez eu não esteja a me reconhecer nesses ultimos dias também. aliás, a pretexto de seu corpo é que escrevo isto. sabe, ana, quando me sento eu me sinto retroceder um pouco. queria meu corpo postado ao seu lado, como fizemos antes, mas parece que tem um bicho que me come pelas beiradas, e me tira o tato de você. é desesperador ver eu me perder de você assim. peço desculpas pelo meu abandono que talvez me tenha feito deixar um lugar, uma função, o seu amor. acho que causei um esquecimento de mim mesma, achando que nossa deliciosa paixão, alegria e proximidade jamais cairiam sob o rigoroso sistema da manutenção. eu achei que a segurança que eu tinha em você me daria forças pra tudo. acontece que de repente eu deixei de ser questionada por você, para ser meio desfigurada pelo meu egoísmo. há problemas, claro. mas eles não são, nem nunca foram você. pois que foi na sua companhia que fiz planos, que montei a vida, que sonhei de novo - que aprendi que as coisas que a gente acredita são verdades realmente bonitas. não quis me afastar, negar minha presença. eu só queria a urgência de sua companhia pela minha de novo, como tantas vezes eu quis também. quero poder curar suas carências, mesmo sabendo que nunca serei completamente capaz. quero, e quero hoje. me desculpe, meu silêncio tão pesado às vezes, eu sei - ele também é para mim. porque tenho estado meio calada aqui, em telefones, em tanta comunicação. abraça meu corpo, ana. porque eu me sinto agarrar seu corpo de novo. desculpe, agora, se minhas palavras foram vazias em algum momento... acontece que elas estiveram muito carentes também. tenho um sentimento angustiante produzido por uma saudade de nós, sobre a qual eu não tenho tido domínio. errei pouco, muito, tantas vezes, sutilmente, fui intolerante, aspera, receosa. porque te amo com um amor deveras agressivo, sobre o qual ainda luto para sair do constante enfrentamento em relação a você. você entende? por vezes ainda confundo, porque te amo tanto que volto a misturar o amor e os tantos inimigos que ja tive misturados a ele. quero ver a coisa pura que fomos, quando adquirimos a noção da verdade pela simples intuição. você sente? então estamos do mesmo lado.

domingo, 30 de outubro de 2011

à ana | 15

carta à ana, entregue em julho deste ano mesmo.



quero que você deixe essa vida, que se case comigo. que nossos filhos sejam ruivos e de olhos verdes - porque a minha avó tinha olhos cor de céu quando amanhecia quando era moça. quero que você seja a moça mais feliz do mundo, que nossos dias sejam permanentes dentro da lucidez incômoda que temos em comum, que nossas noites sejam sempre cedo demais. que nossos "demais" não sejam muitos nem muito chatos, mas que sejam sempre excesso e que nos extrapolem. que você não parta, mas que divida comigo tudo que te faz distrair ou encantar. que você cante para mim, em um canto do quarto, o quanto eu ainda a posso surpreender. que você conte comigo, porque já não poderia mais fazer de conta, que é tão somente você que desejo tomar conta o resto da vida.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

a cabine | 6

tua vez, ana.




acontece que se você me sentasse no meio de um monte de gente, você teria a sensação de ficar invisivel. acontece que você não fica. você só começa a se maquiar com os outros. começa a se confundir com eles. você deixa de ser você sem sumir. e o pior, sem sumir. o espaço é como uma calçada imensa na qual você se senta, pede uma cerveja, gasta horas, dinheiro, muita invenção pra nada. é como se você fosse perdendo alguma coisa sem fazer ideia de onde deixou. não há instante para as coisas nossas deixadas nos outros. talvez elas estejam no mesmo lugar que o ultimo guarda-chuva perdido, o ultimo isqueiro roubado sem ladrão. e quem eu fui nesse tempo todo? eu precisava mergulhar em algum lugar, mas eu só tropecei em uma poça de água no chão. lugar raso. foi entao que eu tive uma idéia.

cartas curtas de alguém bem perto | 2

muita coisa nos faz exigir.
pouca coisa nos faz completar.
quase tudo nos tortura um pouco.
pouco e nada nos basta.


agora para. para com isso agora, rita.

felicidade são horas | 3

nós ainda seremos história dos outros mesmo que esta história seja a única história possível para nós. eu subo, te vejo, quase te toco. ao mesmo tempo, balanço sobre estas rodas finas por trás da cesta de arame, em ritmo que é você quem dá. eu ando a medida que você me vê. e quanto mais você me olha, mais a vontade de continuar me toma também. tomaremos uma água de coco depois daqui? acontece que você sorri tanto que eu paro de fazer perguntas. aos poucos eu começo a aprender o silêncio, a calma de ver. eu sinto como se você estivesse domando a minha urgência - e eu continuo.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

eu me lembrei de você hoje, história

eu me lembrei hoje que seu apartamento tinha um pouco de bolor. nas rachaduras infernais do teto que renderam para nós inumeras noites de dor de cabeça imaginando o tamanho do desleixo patrimonial de seus vizinhos. e olha que nem eram muitos. eu me lembrei hoje das almofadas que imitavam cor de palha que você trouxe da viagem de recife - e no primeiro cochilo aquele enchimento barato fazendo cócegas nos nossos ouvidos. eu me diverti. eu me lembrei hoje do seu primeiro café que não deu certo. das horas que passamos tentando consertar o coador e a térmica para entender mais tarde que, na verdade, eram três colheres de pó, e não cinco. eu perdi a conta de quantos cafés tomamos na padaria, nesse meio tempo. eu me lembrei hoje do vestido grená, das suas meias constantemente sem par, da meneira como você adorava tangerinas e odiava peras, das revistas de economia que você nunca lia, do curso de partinação, das aulas de grego, da história.... eu me lembrei de você hoje. hoje, eu me lembrei de você de novo.

sábado, 15 de outubro de 2011

à ana | 14

ah ana. à você.
que continua fazendo história sem deixar de nos construir a cada dia.
obrigada.
eu te amo.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

ana sobre o bom tempo | 2

tenho tido sonhos estranhos também. sonhos em que a gente se vê em bancos desconhecidos, em quartos apertados, em apartamento dos outros. talvez agora eu entenda a forma como você os tem descrito, esses sonhos de estranheza. eu teria me apaixonado com tanta facilidade por você, que, ainda quando penso, me corre certa sensação de espanto.


ana teria se apaixonado com facilidade por sua personagem. acontece que sabrina, aquela mulher incrivel, tornaria as coisas impossiveis. pois que elas já tinham dado nome aos filhos, aos pássaros, aos cães que teriam.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

pedro e claudio

andava sem pressa, para chegar no horário combinado. duas longas avenidas separava-os. duas avenidas e três cigarros. passos curtos eram suficientes para rever todos os tópicos para a conversa, daquele 30 de agosto. às 16:53, passou a pensar menos e a pisar mais forte no chão. quase podia enconstar o dedo mindinho na quentura do asfalto. ajeitou-se e abriu o portão. olhou o portão para trás de suas costas. só lhe poderia interessar dali em diante. estranhamente, teria percorrido duas avenidas e fumado três cigarros mais rápido do que este austero caminho de terra batida a sua frente, que se estendia até a porta. era majestosa a casa, como os olhos dele, pensava, que haviam se debruçado, aquelas janelas pareciam derramar suas interrogações também. por que tanta demora? se tivesse marcado pela manhã, não teria queimado os pés no chão. se não tivesse que vir até aqui, se tivesse dormido desde o primeiro dia do mês aqui... não teria ido embora, mas pensava, não teria vindo hoje também. deu um passo, retomou o ar. tossiu pra dentro. brigava para respirar de verdade. mais um passo para trás. chegava o momento de tocar a campainha. sim, ele estava lá, entre as frestas da janela via-se a poeira e o cheiro do café no caminho da luz. olhou para as sandálias, onde se formava uma bolha pequenininha. segurou a tosse de novo. bateu palmas, não foi preciso muito, e os passos pontuais de pedro se aproximaram. ele veio meio malemolente, meio sonolento. pijamas que tinham tomado a forma de seu corpo. ele olha minha sandálias com um sorriso de mover quase nada, mas de quem diz "eu me lembro desta postura". a intimidade faz isso com as pessoas. elas começam a se lembrar das pequenas manias torturantes ou dos pequenos gestos encantadores.

a xicara de café dele era fria, a minha, de chá, sem açúcar.

pedro! que bom que seu nome voltou a me ocorrer agora, pensei. pois que as pessoas que não tem nome são pessoas sem passado. eu entrei como se fizesse parte daquela luz, daquela poeira flutuante no sol. eu já tinha estado ali em outros tempos, cujo espaço entre os móveis era maior. seus olhos me afundaram? perguntei se ele estava sentindo dor. ele perguntou se alguma vez eu tinha sentido saudade.

-- claudio, nunca mais achei a blusa estampada, aquele que compramos no rio, lembra?

fechei e abri os olhos como quem não quer ver, não queria saber do passado em comum. e foi logo sentando na poltrona do canto, distante dos outros sofás. acendeu o baseado e esperou o som familiar do reencontro. era um cheiro familiar. pedi um trago, ou uma bicada (eu nunca soube usar suas gírias). ele me estendeu a mão e o espaço entre nós, antes abismo, tornou-se um vão. eu passaria apertado por lá, mas me contive e estiquei a mão em sua direção também. acomodei-me com a bolsa ainda pendurada no corpo.

-- não pedro, eu não faço ideia de qual blusa você está falando.
-- você só lembra do que realmente quer. senta!

então eu busquei um canto confortável no sofá xadrez, igualzinho de quando estive lá pela última vez. e a poeira da sujeira dos móveis gritava mais do que o café, mais do que eu mesmo. vai, pedro, pergunta logo! e pontuava a conversa, e burilava aos poucos. se disse que precisava conversar comigo, mas o que mais, eu pensava, teria de dizer? que tinha dez anos a mais do que eu, eu já sabia. que aquela noite derradeira, que os arranhões no corpo, que a mesma adrenalina que o despiu ou a entorpecência que o trouxe junto ao tédio foi o que o fez ir embora. eu já sabia disso tudo. acontece que o sofá era confortável mesmo assim, e genioso, fazia com que eu me adaptasse a ele. apoiei os punhos:

-- o que foi, pedro?


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parceria com dayane rodrigues,
do blog "palavras bambas"
link:
http://palavrasbambas.blogspot.com/
talentosissima!

terça-feira, 4 de outubro de 2011

cartas de alguém bem perto

há vertigens entre chorar e rir.
há listas mundanas, pessoas de tão longe.
há tanta gente perto que já não sei mais se quero.
há tanta coisa que não entendo,
ainda que tudo me inquiete.
eu me permito o esquecimento e a lembrança.
eu gaguejo um pouco enquanto falo
e tenho quase certeza que me encolho um bom tanto quando deito.
em ser razão, eu me estico.
ao ser paixão, eu fico, eu permaneço.
não sei ser só do outro, nem tampouco, toda de mim.
eu vivo sempre mais embaixo, no mundo das trocas.
você não?

domingo, 2 de outubro de 2011

felicidade são horas | 2

ela
você já tinha pesado em passar a vida inteira no mesmo lugar? e qual lugar seria esse de dançar longe e tanto? foi por isso que nos sentamos aqui, márcio? você tem dançado durante a vida toda? eu também não. talvez sua disponibilidade me tenha inundado. e eu me deixei atrair, e me deixei inundar para perto de você. o que há proximo de nós agora? o meu cabelo feito onda, meu pouco sono, minha falta de coordenação... há uma proximidade tão desconhecida e tao familiar em você. você me segura?

márcio
você, menina, cuja beleza eu jamais poderia ter dito. tive que pousar meus olhos sobre você porque sua imensidão me puxava e me abatia os brios tempo após tempo. era claro que eu não havia dançado nada antes de você. não a este balanço, pelo menos. já estive aqui, mas este lugar é completamente diferente. você parece que se descola da paisagem, do banco, parece que te projeto no mar com a roupas voando ao vento. tenho vontade de pegá-la nos braços e sair correndo, ou como pássaro - bem rápido, que plana rasteiro e muito rápido sobre a agua. e justo de você que ora me dá a mão, ora me estende os olhos, noutrora balança os cílios e se encolhe. é você quem me convida para dançar. seu rosto é lindo. eu te conheço?

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texto baseado no conto de dayane rodrigues, "decupagem"
do blog: http://palavrasbambas.blogspot.com
link: http://palavrasbambas.blogspot.com/2011/09/decupagem.html

felicidade são horas

saudade do amor involuntário


a disposição é uma coisa que acontece delicada. quase me pega pelo colo, no balanço deste barco no asfalto, no dispensar de toda preocupação. tenho márcio em meus olhos, mesmo que ele tenha posto o rosto a me olhar e só. engraçadas são as coisas de agora. a tudo que é eternizado, é engraçado, parece lhe cair sobre certa seriedade. "saudade do amor involuntário", foi assim que decidi chamá-lo. agora, sentada, já não posso decidir quase nada. pois que márcio me torna paisagem, sorriso, completude. há pouco pensei em dizer para que descêssemos daqui, que pulássemos pela janela, que rolássemos pela areia. precisava tocar-lhe, sentir dele o cheiro real de sua presença. ao mesmo tempo, sua observação caía doce sobre mim, como parte de tudo, como anjo daqui mesmo, me fazendo sentar outra vez. eram essas as duas naturezas. márcio, você me vê. eu era vista. eu era sua imagem de hoje. e hoje, para mim, tem o seu balançar de braços a me seguir. acontece que agora, quando assisto a mim, minha falta de sincronicidade me irrita. mas eu sei que ele conseguiu capturar minha forma mais pura, mais simples de mim, minha agitação, talvez. minha urgência de viver.

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texto baseado no conto de dayane rodrigues, "decupagem"
do blog: http://palavrasbambas.blogspot.com/

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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

é o bom tempo que convida a um passeio | 2

fiz um passeio, tornei a rua - e, na espera, o teu aceno. que me despiu. outra vez o convite teu. foi movimento significativo da cabeça e dos olhos, suponho, de ir para além das mãos. era movimento de me encontrar? de me trazer pra perto? de me juntar? eu me sinto sucessivamente presente a isso. eu apagaria o cigarro ou o jogaria pelos ares, como quem ri com cabeça pra trás, em uma indignação quase graciosa. o sol vem de trás de tua janela ou era apenas tão besta que eu estava que meus olhos ora responderam teu aceno mas, no momento, seguinte fez com que eu levasse as mãos ao vestido, ao cabelo e à lugar nenhum. era tua observação quase censura que agia como se me quisesse puxar pra perto. acho que lhe prometi um passo sem saber ao certo de teu ritimo. alegorizaria esta dança, mulher? eu tive um pequeno sopro de ar no vão - acontece que o vão, de repente, tornou-se exatamente o que ele era: ineficaz. o vão era a distância que separava dois encontros. eu me lembro. teu lugar não é proximo, tuas roupas são diferentes, teu sorriso eu só vi de longe ou de passagem e teu cumprimento não precisou de perfume.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

ana sobre o bom tempo

é como o bom tempo que convida a um passeio.



ana acorda. coloca o braço na poltrona, fecha os olhos e volta a pensar. de repente aquilo já tinha se tornado uma história - não dela, literatura, mas da realidade da outra. pois que para ela a mulher voltava a janela todos os dias, para ver o que pareciam ser fitas métricas, botões ou tosouras que alice, olivia ou clarice usava. sabia vê-la durante o dia, mas saberia ela imaginá-la quando escurecesse? o final da tarde não conta, não é escuro o suficiente. nada por volta das 18hs deve contar. então conta com o que vê, com aquilo que sabe contar e lhe cabe nos dedos. ainda seria preciso atrever-se, mas essa mulher era nova demais para ela. ainda vai mantê-la suspensa no ar, noutra janela, por mais três ou quatro páginas. este cenário de troca era diferente e tinha puxado ana de outra maneira. sentia uma vontade de voltar a escrever o tempo todo, e ao mesmo tempo que precisava fazer dela prosa, precisava vê-la atentamente.


ainda com os olhos fechados, sabe que o sexo durante a semana é infinitamente mais excitante pela falta de expectativa. a transa de quarta-feira, da segunda de manhã, da terça a tarde, do lanche que durou dez minutos. a intenção sexual do final de semana é sempre parecida demais, então pouco teria a falar sobre isso. o jantar, o filme, os corpos, o sexo. a quanto tempo está vestida? a quanto tempo não recolhe a toalha do cansaço e joga a toalha do banho? há tanto tempo, pensa ana.

é como o bom tempo que convida a um passeio

eu vim de um lugar que eu não venci. qual nome você tem? posso chamá-la de alice hoje, de olivia amanhã, de clarice, do que eu quiser. você costura as fantasias que põe nos outros, não é? você tem ombros largos, cintura fina, tem as costas iguais as minhas. põe teus olhos em mim - pois que coloquei toda a minha curiosidade em você. o mundo não pára para que as pessoas se conheçam. mas, às vezes, ele espera, ou passa duas vezes no mesmo lugar, ou pousa pessoas em janelas à mesma altura. são janelas sujas estas ou faz apenas faz muito calor aí? estas persianas também me incomodam, ao mesmo tempo que me acomodo aqui, com seus olhos que varrem este espaço, suponho eu, vez e outra. talvez eu tenha enlouquecido, mulher... pensando imaginar nossa semelhança. talvez eu tenha me divertido muito nesta confusa imaginação a qual me disponho. eu me deixaria cair no samba: a sedução é tão fácil. e tão estúpida. talvez nós dessemos boas risadas em um momento, e, em outro, eu poderia facilmente deixar sua seriedade feminina cair sobre mim. teu sorriso não faz rir, entenda, mas convida a leveza do riso como quem convida para um chá, como quem divide um pedaço de chão, de sol ou de bolo, ou como quem convida, simplesmente.

sábado, 24 de setembro de 2011

de quem que foi?

ri, mulher coisa.
que se curva sobre o samba
como quem lê um poema
ri, mulher doida,
que esteve sobre perna bamba
amena e indócil
terrivelmente enorme
vi, mulher noite
que fiz um festim
mesmo em cetim pouco,
e riu muito
comigo
pra cima
de mim.

e vê, mulher moça
que não sei deixar de fazer prosa nem que tente.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

à ana | 13

ha alguma forma DE LHE falar que o amor que sinto por você vai além de coisa QUE SINTO, DE ESFORÇO QUE FAÇO, DE CAMA QUE DEITO. MESMO quando em TANTA CONVERSA MINHA E SUA NAO tivesse havido DITO NENHUM. HOUVE APENAS SEXO, QUE FOSSE. ERA TUDO QUE TINHA. MEU CORPO E SEXO oferecidos a você, A MULHER MAIS LINDA DO UNIVERSO MEU. VOCÊ. QUANDO TUDO HAVIA BRILHADO diante de ti, eu não vi o fim, mas eu vi o único recomeço sob minha chuva de folhas amareladas do outono que era você. uma mulher não houve antes de ti, entenda. houve apenas desenganos, passatempos inúteis antes de ti. o fim, se aproxima. o fim da vida. eu e você com cento e oitenta e dois anos. viveremos assim? sonharemos ainda assim, como meninas de uma vida infame, quase enferma, mas já sem doenças do corpo, sem crateras na alma, cheias ainda de coisas que te puxam e sonhos que te trazem, os mesmos cujos anjos trouxeram você um dia. não sei o endereço desta casa, nem mesmo memorizei a rua que você mora, mas saberia chegar ate você. não por caminhos, mas pelo teu cheiro, que cegamente me guia, ate você, ate a cama em que fizemos nós, em que recitamos nosso futuro, em que fizemos filhos. pois que foi na cama em que me trouxe rosas que eu me apaixonei... é, foi nessa cama que te esperei, não com os braços abertos, mas com a vida completamente entregue. tua casa é completamente linda, teus braços, sua blusa com botões pela metade abertos. abertos por mim, ou pela vida que veio antes, que fosse. serei eu a fechá-los todas as vezes. o passado tinha ficado em outro tempo, cujos esquecimentos eu só poderia perder a memória para lembrar. subi, gritei teu nome, te encontrei. e agora? a vida apronta para nós, não uma cilada, mas um cama.



POR QUANTOS ANOS ESCONDEU TEU TALENTO DE MIM, OU TEUS DESALENTOS? QUANTAS DUVIDAS TEVE ANTES DE EU CHEGAR? ANA, SOMOS UMA DA OUTRA. SOU TUA, MINHA. MINHA CUJAS PERNAS DOBRARAM, CUJOS BRAÇOS DOBRARAM, NAO NO GOZO, MAS NA MAIS ALEGRE EUFORIA QUE EU LHE PODERIA DAR. NAO ME RECUPERAREI DESTE AMOR. VIVEREI ETERNAMENTE NELE. DISPOSTA, FIRME, FRANCAMENTE. SOU TUA. ÉS MINHA.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

sobre perdas & ganhos

perdas
perder é estar privado de alguma coisa, é deixar, é interromper a presença em alguém ou em algum lugar, é deixar de ser visto ou ouvido, é desaparecimento, perda de controle, de juizo, das estribeiras, do norte. quando a gente perde, perde-se a hora, chega-se atrasado com frequencia, perde-se tempo, esforça-se em vão. a perda pode ser também a perda da vez de fazer, da vez de esperar, da vez de ir embora. é só cuidado para que nao se perca a chance antes que perder signifique perder a vida. a perda também é recuo, mas é, acima de tudo, perder-se de amor. apaixonar-se.

ganhos
ganhar é adquirir, é ter lucro sobre alguma coisa ou sobre alguem. ganhar é tirar proveito, é fazer dinheiro. ganhar é alcançar vantagem, ou fazer sucesso, é vencer um debate, uma competição, uma luta, uma guerra. o ganho é a captação de recursos, o ganho de confiança em si próprio. o ganho é a obtenção pelo acaso, a loteria. ganhar é estender-se, mas é como o fogo que estende-se pelo edificio, o toma, e o desfalece em seguida. ganhar é atingir meta, é chegar cedo, é postar-se a porta. o ganho é progresso, é melhoramento. o ganho está relacionado a comparação com os outros. ganhar é ser mais vaidoso do que o outro, é impor-se mais que outro. mas ganhar, acima de tudo, a crescer. desenvolver-se.

terça-feira, 28 de junho de 2011

à ana | 12

pois que há de ser com ana meu casamento, minha vida, toda minha confissão. pois que há de ser com ela que minha confiança existe, que minha força aparece e que nossa transparência se funde. casei com ana, no instante em que houve beijo nosso e eu - mesmo sem saber o porque - soube que não haveria compreensão de outros lábios senão os dela para mim. sei que houve o mesmo, tão inexplicavel acontecimento, em seu sentimento. hoje, há uma gestação entre nós, dois abismos, uma fila quilométrica de confissões e eu ainda posso contempla-la da mesma forma de antes ou da primeira vez, pois que meus olhos ainda tem a ambição de viverem ao seu lado. e foi de tanto não dormir proximo de teu corpo, apenas a companhia de sua respiração, que minha vontade de casar-se projetou-se ainda mais. porque é hoje que a vejo com clareza, com certas palavras que outora a fizeram feliz, mas que agora, talvez a façam enxergar a verdadeira compreensão por trás delas. ainda vejo seus olhos frazirem, acredite. ainda vejo seu corpo me olhar, suas mãos me trazem, sua saudade. eis que as palavras não serão jamais suficientes a quem tem a urgência de calor - e calor não se pode dizer. e até onde poderiam medir seus braços, ana, para entender que mesmo a dureza de minha razão é um pedido de emoção pura? tenho sido dura... tenho estado fria. é que faz muito frio aqui, neste lugar de passar tantos dias. queria que teu abrigo fosse de muito aconchego. sei, fizemos guerra. mas vamos tornar a fazer arte? eu te amo.

quarta-feira, 9 de março de 2011

à ana | 11

ao carnaval de ana, em casa de ana.


em quantas festas quantas vezes você já se sentiu à vontade? há um estranhamento, claro. mas o que a principio não é estranho? então você começa a andar pelo salão: reconhece pessoas, desconhece casais, já não imagina o porque daquelas crianças. vê roupas, cabelos, vestidos horriveis, inadequação da moda. a beleza das festas tende a estar parada, e quando o seu olhar para: você a reconhece. em um canto, sentada quase ao seu lado, a beleza da festa, a unica beleza festiva possivel.

ah, ana! penso em tanta coisa. penso até em nossa geladeira cheia de suas garrafas de plástico cheias de água. queria ter-lhe escrito uma confissão, mas minha intuição só aconteceu agora que me deitei. estava esperando ainda que você saisse do banho. pois que hoje não vou acender a televisão, nem fazer musica, nem serenata: quase nada. hoje à noite, só o silêncio descendo aqui nesta casa-lugar. eu me casaria com você - não hoje, entenda - mas na vida. quem foi que te trouxe? pois que não me responda que foi a vida, porque eu já não acreditaria. eu dormi, mas naquela hora não. eu dormia porque era a sua parte anjo que falava, e era a minha parte anjo que escutava você falar também. eu me apaixonei outra vez. foi como se você buscasse na parte mulher o que sentia e de forma doce colocava as palavras organizadas em sua boca. anjo, que mexeu os lábios para falar de saudade na medida em que apressava o coração: naquela hora eu não tive pressa. porque mesmo que as vezes as nossas malas pareçam pequenas no mundo e grandes no quarto, eu voltaria para este sono infinitas vezes. porque minha cabeça tinha feito as pazes, depois fez as malas - naquela hora que tinha parado de fazer de conta.

minha recepção foi quase uma pergunta: o que você veio fazer aqui de volta, além de tumulto? respondi em pergunta para mim também: e como você tem estado sem eu estar aqui? você me vê indo embora eu já me vê longe? há quanto tempo, exatamente, você me vê de longe? eu construí um muro ou eu só tenho estado morando há quilometros de distância? você perguntou como eu estava hoje? eu também não quis saber.

ainda ouço, e ainda sinto as pequenas correntes de ar formadas pela sua respiração enquanto você dormia. estive presente. pus meus braços em todo lugar de nossa dança de sono. houve pernas de um lado a outro, você se lembra? e você me acompanhou em todos os passos - e mesmo eu, que bem pouco danço, me reinventei naquela coreografia meio sonho, meio saudade. pois que dormir abraçado, ana, não é deitar-se junto - mas é dormir e manter-se de braços dados, nos braços do outro não somente sobre o colchão, mas no compartilhar terno do sono. foi assim que você me encontrou? porque eu sei que minha alma emerge do corpo quando durmo e sai a te buscar na rua. foi assim que te encontrei? porque quando minha alma voltou ao corpo, depois do primeiro beijo, deitou-se calma sobre mim e disse: aconteceu algo. e essa frase, bem pequena e silenciosa, fez um eco dentro do universo inteiro - e você pensou, ainda que sem entender: aconteceu algo. é, aconteceu.

domingo, 6 de março de 2011

a história do homem mundo

o homem mundo existe agora -
mas claro que sua existência exige muita insistência também.


pois que minha parte poeta também subiu até o final de um rio imenso, colocou os pés na água e depois os colocou para correr sobre umas pedras disformes de uma montanha muito alta. eu quase ri. não precisava de clareza para enxergar - o que poderia ser um motivo para tão rápida subida, não precisava de silêncio também, para concluir qualquer coisa que pensasse: não. era aquela subida a vontade de tocar o começo do céu - de onde cairam os anjos que lhe são companhia. para ver qual o gosto que tem as nuvens brancas sobre sua cabeça (ou até aquelas quase cinzas ou pretas); e para saber, enfim, que pensamento lhe rege a mente - saber que tipo de gente é, que pessoa vai ser dali em diante.

houve muito medo também, pois que essa parte poeta desconhecia a forma exata do inicio do céu. poderia ser aquilo parte de um inverno rigoroso, de uma primavera esquisita. poderia ser parte de um calor que o fizesse ficar sufocado, ou de um dulçor, ou de uma acidez intragável. temia que fosse feito esperança, e que o largasse esperando. mas dessa vez sua curiosidade não trouxe mágoas - e ele trouxe na ponta dos dedos um pedaço daquele céu tocado. céu que não era doce, nem amargo. que não era feito gelo, nem feito verão. que não doía e que não fazia doer também. o que fez foi um sorriso nele - já que ali era ele mesmo. aquele céu que via e tocava era o céu de toda imaginação que tinha. conseguiu pensar apenas que aquilo era uma bela invenção. e depois pensou em quanta demora poderia ter havido antes disso? há quanto tempo estava ali, e fosse como fosse, não tinha esquecido.

estava curvado, imerso dentro de si na vista daquele infinito próprio, em sua cabeça, sob suas memorias e a dividir espaço com as lembranças e o que poderia haver de sonho dali em diante. adiante, pensou esta tal parte poeta, que talvez encontrasse outra parte de poesia como esta que era. andar não custaria nada ali. aquele lugar era lugar nenhum, e tudo. era o homem dentro do mundo dentro dele, e ele no homem do mundo dentro de tudo. todo mundo era um mundo ali.

quarta-feira, 2 de março de 2011

à ana | 10

quantas vezes as coisas lhe disseram coisas? quantas vezes seu amor foi incrivel? quantas vezeslhe caiu lágrima de um olho e prontidão sobre a vida do outro? sabe, é a primeira vez que vejo significado nas coisas ao redor e que não falam, é a primeira vez que discurso em siêncio, a primeira vez que sou imbativel, que estou pronta sobre a vida e sobre as lágrimas de antes. sabe, ana, é a primeira vez que existem cartas de mim ao leitor especifico. você, minha leitora, você, minha palavra que se forma sozinha, minha frase, meu palavreado que engracedeu - e que cuido com tanto gosto pelo proprio cuidado que quer para mim também. eu sinto você aqui em forma de falta, de desencontro esquisito, de presença imaterial. mesmo na forma de beijos dados em outro tempo, sinto você, como enlaço de mim, como força - numa exata propulsão que me leva sem me atirar. que não é repulsa, mas me repuxa o corpo todo, na mesma forma como faz repuxar o seu: nossa dança, tão facilmente reconhecivel.

então que venham logo essas alegorias de carnaval e de samba de época, pois que nossa dança está para além deste mês de festa.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

à ana | 9

ah, ana, que é você o par para o qual o destino me criou. ana, com seus olhos de ver primavera todos os dias, com seus dias de ver destino se formar toda hora em minha frente. ana, com seus lábios de dulçor desconhecido, mas reconhecido em mim como a única dolçura possivel em meu corpo. sabe, ana, que é em você que se formou a mulher que conheci na literatura de anos atrás. verdade, achava você impossivel - não no laço, mas nas existencia corpória. ana, cujas pernas sentaram-se próximas as minhas em um balé quase esquisito. ana, cuja dança é bem própria e cujos olhos são tão únicos. foi de ver você, ana, que deixei de ser sozinha para ser par. que deixei de ser um para tornar-me existência de alguém. porque alguém disse nas entrelinhas da leitura de um verão bem longe desse, que às vezes lhe bate a porta alguém que quer - além de entrar - sentar-se para tomar um café. foi isso que você fez. e veja, ana, agora que há uma cafeteira em minha casa - na casa em que moraremos eu e você. no telhado em que pousará o céu de amanhã, sob amparo das evidências que existem hoje. no chão em que repousaremos nós depois amar o corpo e deixar flutuar a alma em que sua integridade se deixa carregar. é, ana, será sob a luz desse dia que os objetos que concebemos aparecerão. nossos lençóis, toalhas - e mesmo que esqueça seus brincos em cima das cômodas - nossos copos usados, nossa vida inteira, nossos corpos de usar uma da outra: meu zelo de amor estará em tudo. penso, medito, e prevejo ana: sempre sua expressão está a me trazer palavras bem cuidadas. de ana, eu cuido.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Texto de tempo de musica

Tem um circo aqui? Ouço um barulho. Essa música é sua ou esse show? É um sino isso, ou não é nada? Você veio até aqui por quê? Sinto seu braço. São suas as pernas que existem aqui? Você me faz rodar no ar. Há ar aqui? Eu giro, e você? Inercia imersa em mim porque giro em volta de ti entre pulos curtos e pequenas corridas. Seus calcanhares também batem sincronizados no chão, nesse chão de areia batida? E nesse chão de argila e céu de névoa? Põe teus pés nessa areia grossa, de rio, nessa argila que marca meus pés, teus ombros, toda história. É natal agora? Canto um conto de natal em meio ponto de som. Se toda a tua voz me fala junto, não te ouço, só te observo. É você quem canta para mim. É uma igreja isso ou uma avenida vazia de natal? Foi você quem trouxe essas luzes? Eu quase vejo seus olhos. Não giro, mas tem algo aqui que me lança para frente agora.

Mesmo à frente, por quanto tempo você espera alguma coisa acontecer? E se você não sabe o que acontece, você põe suas pernas para fora mesmo assim? Tua alma já viu essa rua? Essas folhas já caíram sobre seus pés algum dia ou teus risos já desafinaram aqui? Teu violino ainda me espera? Espera por mim. É, espera por mim porque eu fui ali e já volto. Porque eu sei que te ama muito o amor que te espera.

E espera.
E tanto espera que fica vazio.
VAZIO. Trem vazio de nós. Caixa vazia de recados seus. Mensagens suas, bocas nossas vazias. Vazia de mim, é você. Espaço, divisão de coisas suas que ficaram aqui, em segredo. Seus cd's ainda em uma caixa, suas caixas ainda em sala minha. Minha vida nas caixas que sobraram vazias. Que sobra de ti ficou aqui? Aqui tem um sol, o único sol possível daqui que veio ocupar, sem matéria, sua presença. Você foi – ou ficamos nós, sós, em um tempo? Minhas borboletas voaram, e você, deixou suas andorinhas assistirem ao belíssimo pôr-do-sol de hoje? Qual é a vista do lugar em que você está? Ainda me pulsa você.

sambas defendidos com alegria

ouvi um samba ontem, que desafinou diferente. fosse a razão que fosse, fosse porque eu não dançava ou porque a sua presença também não estava, eu não sei. aquele samba trouxe nas sandálias uma festa que eu não conhecia. depois, os dias trouxeram uma desconhecida razão de sambar. e da desconhecida paixão pelo samba, foi que eu sonhei você.

pedi um samba ontem, ao homem que desfilou aqui em frente. fosse a razão que fosse, fosse porque eu não cantava seus versos ou porque imersos estavam em mim outras palavras de canto, eu não sei. esse samba trouxe de volta nas saias rodadas o ritmo, a precisão que eu conhecia. depois, os dias continuaram a desdobrar a imensidão de alguém. e do desdobramento dessa possibilidade, foi que sonhei você.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

seus preços

eu bati na sua porta ontem a noite, você se lembra? você estava no quintal, com uma pétala na mão e uma cara de dúvida. eu já não poderia aquecer mais as suas mãos, entenda. você ainda pode me acordar depois, amanhã, noutra semana, não importa. eu já não quero mais o que você pretende levar para além do sol. eu estou tão longe como alguém que vive longe. ou estou tão perto quanto o que machuca sem ir embora. ela era bonita, eu poderia ter-lhe dito. ela era bonita, mas não tinha um ar saudável. sabe o que eu lhe disse ao invés disso? disse que entendia, mas disse também que nem sempre as coisas que compramos são exatamente as coisas pelas quais gostariamos de gastar dinheiro. dinheiro não compra briga, você entende? não compra qualidade nem gosto. já não compro mais de você as coisas suas nos preços seus que nunca entendi.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

à ana | 8

o oitavo texto de ana é esse.

saudade não é ver a cama vazia, mas saber que um dia teu corpo deitou-se nela - e que, nela, ainda está o mito da sua silhueta. saudade não é ver um dia terminar sem um beijo, mas saber quantos outros tantos beijos foram dados em despedidas. saudade não é despedir-se, é desprender-se em questão de corpo e abrir-se para suportar a presença apenas em pensamento. saudade não é ver teus cigarros no carro, mas saber que você fumava dos meus quando não os tinha. saudade não é a grande reconciliação que traz, mas as pequenas implicancias graciosas dos risos de todo dia. a saudade é de uma bobeira impar de quem ama, e não de qualquer eloquencia bem intencionada para amar.

digo, ana, que são suas essas palavras que vieram até aqui. saudade? saudade. não estou mais ocupada do que antes, nem menos facilitada do que depois. pois que sugiro que faça o segunte, faça a cama do lado de fora, sob vigilancia de meia dúzia de estrelas - porque no céu de qualquer lugar que eu estiver, vou ver seu rosto sorrir. não deixe ninguem na cidade dormir com a tua alegria. deite o corpo desse mundo na cama, não só pelo descanso, mas pelo sonho. em dez dias receberá uma carta, de um amigo, escrita por mim. em dois dias, terá mais lembranças do que sensações da minha presença. em uma semana, talvez chore. em quinze dias, provavelmente se lembrará que eu disse a ti, ainda hoje, que esta viagem não é para trazer presentes, mas para trazer a vontade de tornar o futuro de agora em coisa de se viver amanhã. você vê a forma como essas palavras deram um nó? há ecos na minha cabeça, devo assumir. há muito mais coisas em que acredito agora. eu sou uma esquina, uma sombra tua, um sonho de nós. devo avisar-te: meu quarto ficará vazio. mas em compensação minha presença vai e espalha-se no mundo até cair sobre ti, à noite, nas tardes ou em manhãs de vento frio. eu sei, eu vou estar aonde você me sentir. eu vou estar embaixo de tua cama e nas frestas sem poeira do teu armário. nos cordões do teu tênis, nas panelas do teu almoço, na tua bebida, na fumaça do teu cigarro. pense, logo eu existo. estive a pensar em quantas coisas nunca te disse. será que disse que apenas precisaria andar com um balão de ar nas costas e uma foto sua pendurada nos olhos para sambar de novo? talvez você saiba disso em breve. meu amor, eu volto, para você continuar a me trazer a felicidade incansável dos teus olhos. eu te amo, eu te vejo.