sexta-feira, 31 de outubro de 2008

multidões | 2

giravam em torno dela como uma grande festa; uma ciranda eterna. o envolvimento na dinâmica não a insentaria de culpa. perceber emoção não significa ceder emoção. a multidão não tem fundamento filosófico: a multidão é um estímulo coletivo. toda vez que vem, arma-se de paciência. se conhecesse, duvidaria - duvida conhecer, contudo. estavam anacrônicos, os sorrisos e os gemidos dos risos. demandaria tempo estabelecer uma relação plena de sentido. a multidão lhe abstém. aquele monte era a emoção que não se conseguiu integrar. eles tinham nuvens nos olhos. castelos de sorvete nos olhos, no céu. no céu, o céu e só. lembra tê-la cumprimentado, apertado sua mão: viu, eu mudei meu jeito! - como se tentasse atribuir-se ainda um pouco mais de crétido, disse. o pulso estava nos outros. o gosto estava nos outros. dançavam com ela, ora para ela. e lhe esbarravam no braço e nos cotovelos - queriam levá-la, prendê-la. tentavam fazer dela uma instância. a multidão era um degrau de gente, um tropeço. a multidão era uma partida: ou fosse embora, ou recomeçasse dali mesmo. preferiu, já na primeira vez, estagnar. o sangue corria fino e contínuo. morno. VOMITARIA. tragaria tudo depois de colocar tudo para fora. a multidão produzia sons repetidos e sem intervalos. a multidão não fazia silêncio - e quando tentava fazê-lo, enlouquecia. a multidão era pedaços de unhas de gente. gente que não era gente.

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