DE HOJE:
A minha cabeça está doendo. Eu a sinto doer como doença que não tem cura. Eu achava que doer fosse parte de um processo desconhecido de cura. Eu achava que os motivos certos tinham caminhos errados – mas não. Eu sinto minha cabeça doer como parto lento – eu já tive filhos quando os imaginei felizes. Eu já tive um apartamento pequeno para guardar qualquer coisa que quisesse esconder do resto do mundo. Eu a vejo sempre, aquela menina, como motivo de pausa e de consolo. Eu acho que eu perdi os movimentos do rosto. Do olho. Do canto da orelha. A minha cabeça está doendo. Eu acho que minha garganta secou. Por que tive que partir? Acho que saí de mim. Como que um corpo pode tanto se fazer mal? A minha cabeça dói. A minha cabeça rói a minha idéia. Eu não sinto inveja de mim mais. Eu nem sei mais quem eu sou. Eu acho que eu saí de mim – eu me vomitei. Eu me joguei no chão. Eu me pisei, e tenho me feito tola desde então. Eu queria focar, mas minha visão me parece tão estreita que eu não vejo nada. Eu queria ter coisas maravilhosas para oferecer, mas eu não tenho nada de bom. Eu só tenho dúvidas. E eu tenho uma cabeça que dói. Eu queria deixar de lado ansiedade, decoro, sabedoria. Eu queria não poder morrer de fome. Eu queria parar de chorar um pouco, de vazar um pouco, de transbordar um pouco. Eu queria ser mais para mim, eu queria acabar em mim. Eu queria ser só eu como companhia, já que ela acabou por me deixar também. Eu queria falar mais fácil – eu tenho me engasgado com palavras. A minha cabeça dói muito. Eu sinto de novo meus dedos finos e esse monte de ferida. O tempo não vai curar nada, eu sei disso. Diferente do que se diz, o que não mata não deixa mais forte. O que não mata me deixa com raiva. Eu tenho ódio dessa mania de ser feliz. Eu queria um mundo sem perturbações – ou um mundo em que as pessoas falassem e cumprissem. Eu não quero pena porque eu não sou doente. E só sou grande e não caibo no espaço dentro de mim. Eu tenho idéias espessas, gigantes. Eu tenho pretensão de pensamento, de filosofia. A minha cabeça lateja, expulsa. Eu acho que estou andando em círculos, que estou a fazer tantas coisas e ao mesmo tempo não fazer nada. Esse ano não quer passar. Essa fase não quer passar. Ela não quer passar por mim porque dói. Porque machuca me ver longe, eu sei, me machuca também. O tempo não vai curar essas feridas de hoje, hoje já está eternizado. O tempo parou durante a ausência que eu tive. Eu me sinto cega. Eu perdi meus movimentos do corpo – meu coração está pulsando para nada. Ela me ocupou inteira. Eu morro de saudades do tempo que eu dei para ela porque ele passava diferente. Eu sinto falta da demora. Da espera. Do significado das horas. Eu lhe dei horários específicos. A minha cabeça dói muito mais agora, quando eu lembro. Agora eu entendo como dói fazer doer. Como é ruim exemplo dentro de exemplo. Como é fácil saber o final da história. Como é impossível aceitar – fala-se tanto de aceitação, mas e depois? Provavelmente não se vai aceitar – pois bem, erro em cima de erro. Estrago sobre estrago. De mim, nada. A minha cabeça dói como chuva. Como nuvem. Como prazo que não termina. Como beijo de despedida. Dói como objeto. Como faca. Como desculpa. A minha cabeça dói como orgulho. Como sexo de graça. Como amor de graça. Como esmola. Dói como incomodo constante, como pedra no calcanhar, no rim; como pensamento que não cessa. Dói como o sorriso dela de dor. Como a cautela. Como disciplina. Dói como o medo de doer. De tentar. De salvar alguém. Dói como permanência. Como paciência. Minha dor é simbólica, violenta. A minha cabeça dói.
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