ainda A CABINE, A JANELA POÉTICA:
guardou o caderninho de volta no bolso e cruzou os braços sobre os joelhos curvados em cima do degrau. abaixou a cabeça. notou que ninguém sorria em sua direção – os sorrisos são barulhentos, alarmantes. os dentes rangem quando se sorri. o tempo parece não passar no silêncio, apenas as buzinas da rua interrompem aqui e ali. ela está parada feito degrau de cimento. e está patética como sacola com chocolates e poemas. do tempo que decorreu, seu instinto não chegou a promover nada. deixou que ela ficasse ali sentada como um chocolate de um dólar – seu preferido. nenhuma pluralidade ou acontecimento fora do comum. nenhum exagero, apenas a mesma continência e uma cabeça curvada sobre a coxa, fingindo sono e fingindo a beleza poética que lhe é naturalmente de direito. não queria um documentário da vida, aquela coisa chata; mas uma descrição barata e eficiente. talvez fosse hora de parar de negar seu corpo perante outras pessoas. alguns já nasceram grandes, ela apenas nasceu. e não entendeu o porquê de não poder se sentar em um degrau na rua e esperar. pensa demais. reflete demais sobre si. sobra em cima e dos lados. extrapola-se. tem overdoses dela mesma. então encomenda um novo corpo pelo correio, contorcido em uma caixa de papel pardo – pois que seu corpo magro já não serve para nada. e que inferno: não consegue apenas abaixar a cabeça e dormir no próprio colo. precisa imaginá-la de olhos fechados. precisa fechar-lhe os olhos, tirar-lhe a roupa. precisa de tudo em um segundo, precisa dar mais tempo ao que durou um segundo, ao drama ou à cama mal vestida.
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