domingo, 10 de agosto de 2008

pela sensação de poder algo

é como se você tivesse que repassar o que é verdadeiro e o que não é. às vezes não dá mesmo para prever qualquer futuro - ainda que fizesse planos, seria impossível evitar furos, ou mesmo rompimentos breves. e NÃO, não são as situações: são as pessoas. pessoas que magoam pessoas - e, claro, essa insuportável mania de querer ser feliz o tempo todo.


eu queria ser um velho gordo, pronto para morrer. eu queria ser uma avó que não descasou nunca, ou então uma velha que casou sete vezes e ainda tem pique para ir ao supermercado para comprar vidros de pêssegos em calda. é, eu sempre odiei doces de compota. para falar a verdade, nem de chocolate eu gosto muito. eu gosto é de cerveja e cigarro. eu gosto da companhia dela, durante a semana. gosto da sua ausência aos domingos. e da sua incessante marcação aos sábados. eu gosto do cheiro do seu cabelo. do formato das suas mãos. da construção das suas palavras. não tem como, eu sou passional demais e o fato de estar com alguém exclui automaticamente qualquer outra pessoa. eu achei que minha paciência havia mudado, mas não. eu ainda vou me incomodar muito.

constato, assim, que a última hora é a que demora mais para passar, pois que carrega com ela toda aquela expectativa do final. e as pessoas gostam de se sentir próximas uma das outras - sabe, uma espécie de linha funcional que conduz as relações.

eu sempre sei que vou sentir muito quando falar com ela. eu sei que vou vazar litros de mim. é, deve ser isso. eu queria, por vez e outra, recomeçar, passo a passo. eu deito na minha cama e dali a cinco minutos ela já vem me perturbar. adivinha tudo como sempre tenta adivinhar. e eu tento ser uma mulher fina, mas não dá: sou tão criança quanto fui um dia. é, acho que deveria poder sair por aí falando verdade, todavia, devo conter-me apesar, ainda, da vontade que me toma e que insite para que eu o faça. não se trata apenas de não fazer. isso não ter nada a ver com não fazer. é, você simplesmente sabe quando estão falando de você. porque você para como um animal e resguarda-se. um animal forte, mas de cabeça grande e burra.

às vezes não consigo me sentir funcional - é, não vai dar certo. você acha que pode sentir quando estão se aproximando, mas a verdade é que não pode. então qualquer tentativa, que não a de tirá-la do pensamento, passa a lhe parecer estúpida e em vão. poderia combinar passeios, mas não. à meia noite devo estar em casa. eu durmo sempre acordada. outra vez, o animal. e se eu chegar e ela chegar primeiro? ou e se ela chegar e, não me vendo, for embora? ah, que rude da minha parte idealizar assim, tão pequeno e contido. precisava de uma imagem para se reerguer. e então outra para que possa se estabelecer definitivamente. não tem mais modos, nem sonhos próprios. apenas um cartaz de seu filme favorito, como símbolo de suas memórias. ou um símbolo final de comoção de idéias, de abstração e de sussurros amorosos - não turbilhantes, apenas amorosos. poderia dizer então que nenhum rancor que sentisse seria forte o suficiente: às vezes a gente se bate mais que o necessário. de repente, eu até consiga finalizar um projeto, mas o tempo insiste em me desejar inteira e em me exigir atenção completa. não há pudor nos divinos momentos. essa gente não precisa de qualquer ensino.

e não, você não entendeu.

eu não lhe desejaria tudo, mas apenas o pouco que posso desejar: saúde. espero que esse soluço passe. que o tropeço passe. que a recruta passe, mas que não passe a agonia. o desespero. a trepidação do corpo sobre a cadeira em frente à mesa. eis algo que lhe impulsiona para frente. e joga. e revoga. mas não abandona jamais. eis que lhe corta as pernas: mas a cela jamais. eis que lhe dá suficiência. autonimia. dicotomia. PODER.

e não pelo poder, mas pela sensação de poder algo.

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