segunda-feira, 27 de setembro de 2010

à ana | 3

dediquei à ana um texto novo, de novos termos - ou os mesmos termos de pouco uso, aos quais, há tempos não me dedicava.
eu nunca tinha visto tão longa orquestra antes.


era sexta-feira e a minha vontade pediu tantos cigarros na noite ainda cedo que caiu sobre ana a minha vontade completa. eu fiquei pensando em como eu poderia, tão breve como nunca sou, sair da minha pressão e gostá-la em apenas quatro dias? o que foram os dias, naquela hora, eu já não soube responder. ana desligou o carro com aquela mania que tinha de olhar de lado, e sua dicção cantada e seus olhos levemente fanzidos me puxaram o corpo e me seguraram pela boca inteira. o meu encantamento batia justamente nesse ponto em que, além de olhos lindos, a imensidão de olhar que ela tinha - tinha, também - muita coisa que pensava ali. eu aceitei que ela não escrevesse - acontece que a oratória é sempre imprescindível, e a oratória dela era fantástica. porque eu tinha parado para ver ana, e não somente tinha parado para beija-la. claro que no beijo podem haver pausas inteligíveis, que existem apenas na idéia; mas eu entendia isso como uma grande virtude dela: nem sempre a pausa é essencial. eu nao tive sorte com ela, eu tive a exuberância puxando minha sorte e me puxando para ela.

ana tem os lábios muito finos - como posso tê-los retratado a princípio. hoje, ela já tem os lábios muito grossos, mas da mesma delicadeza de que me lembro antes. porque agora há uma história naqueles lábios, uma história de agora. e o corpo também - que com inacreditável verdade quis segurar para não cair. tive que me agarrar à partes menores, às orelhas, aos fios soltos de cabelo, porque ficaria presa sem jeito caso não tivesse pensado nisso. apensar de que agora me pego pensando nas tolices que conversamos e na seriedade de nossos relatos emprestados. se eu contasse tudo que vejo nela, ficaria meses inteiros falando sem parar. então penso que desejo imensamente deixá-la falar antes porque suas histórias são contadas no canto de sua voz, na orquestra de sua garganta.

da mesma forma que um peso - ou uma estranhesa - tinha se abatido sobre nós daqui aonde eu estava até ela; hoje, há uma caminho de nós de lá até aqui. a vida existe na maior intensidade possivel. porque mesmo que a sensualidade admitisse muito rápido a tolice, era tão maravilhosamente disforme o corpo de toda identidade de ana enquanto mulher que eu precisava me deitar com ela - em sonho ou não. eu tinha uma pensamento híbrido em consequência disso, e me punha em sonho a construir a invenção da realidade. e eu me punha as roupas quando imaginava seu gosto - e eu me impressionava inteira. a minha impressão era enorme ao ponto que descia uma erudição sobre nossa conversa - era incrível o lugar em que chegávamos só falando. ana era uma mulher de argumentação muito doce e de uma intolerância brevíssima ao desacordo quando eu achava engraçada a sua seriedade. porque há muitas coisas ridículas na vida - e a seriedade infinitamente graciosa de ana, com certeza, não era uma delas.

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