quinta-feira, 26 de março de 2009

O Ambiente

Foi uma surpresa retornar. Todo beijo nosso residia ali, como doença. Lembro-me da clara falta do ar, e do falso bombeamento de sangue dos pulsos. Fragilizei os joelhos. A minha respiração deixou de ser um suspiro e passou a ser um bafo longo e pontual. Uma martelada de ar que saía da minha boca, e por entre os dentes. Não passaria por isso de novo, eu pensava - eu já tinha jurado não passar. Já tinha esquecido - e eu já tinha jurado esquecer também. Mas a minha garganta tinha fechado e da janela vinha muito vento - e o balançar de cortinas, claro. Tive vontade de por a perna para fora, o rosto para fora e fazer buracos nele para ver se assim entrava ar em mim. Eu sentia as minhas pernas finas e as pontas dos dedos sensíveis, pontiagudas. Então eu apertei meu braço com a maior força que pude projetar: eu ainda era a maior decepção dele. Por que as bigornas não são brancas? Tinha um pesar nas minhas costas também. Há meses não chorava como hoje. Hoje, o dia mais cinza de todos. Errei na roupa, na frase, no cumprimento todo. Errei na piada, na ordem, na desordem das coisas. Eu precisava de um abraço hoje - daqueles sem fala, sem comentário. Sabe aquele aperto mudo do corpo do outro? Então, um desses. Não havia nada que pudesse fazer a minha direção mudar. A minha arte era essa e só. Não há a passibilidade da prioridade em mim. Eu já tinha enganado todo o mundo, e agora estava a voltar no tempo - e no prefácio dele. Eu já tive 50 anos. Eu já morri de câncer, de tuberculose, de tosse há 100 anos. Eu voltei com a mesma gripe de meses, e depois vim com uma falta de ar. Eu já morri de medo de guerra, e voltei inteira com 2 pernas. Porque a minha neurose vem da minha esperteza demasiada. Seria o cigarro desculpado pela genialidade? Achava que sim. Seria a minha vida outra vida? Seria minha a outra? Eu duvidava. Mulher nenhuma se atrasa tanto. E eu sei, eu tinha parado para resolver um problema. Mas acontece que o momento do erro me tomou o corpo e me tombou no álcool - eu perdi uma parte da história com isso. Eu já tive 50 anos, e agora estou voltando. Eu pausei o tempo, pousei sobre os ponteiros e os ajustei. Estalei os dedos e defini o momento do retorno. Dos tontos, um monte de trono de rei. Eu achava o escacho fácil, aquela separação toda. Mas a gente só percebe que falar é difícil quando perde essa capacidade. A minha lingua enrolou, e depois veio o reconhecimento tardio da perda. Os meus olhos ficaram dependendo de uma visão magra e turva - aquela madita hora mágica. Poderia cometer suicídio agora. Já morri. Já fui morta também - não há graça nisso. Eu parei no espelho, mas o contorno do olho já tinha feito um novo adorno em volta dele. Sabe alguém que levou um soco? Eu tinha levado 2. Eu tirei o rosto em volta do olho e o pus no chão. Eu sentei no meio do piso, e lancei aqueles 2 glóbulos de olhos para o alto - o aumento do espectro é decorrente do tamanho do erro que há nele. Eu parei na vaidade e na vulgaridade da cena. Imagina um grande rosto de choro e sem olhos? Imagina um rosto com dois furos, dois buracos negros dilacerados na frente, e a frente das coisas? A perda dos olhos, o malabarismo, o falso palhaço: era poético e até quase lúdico. A esse ponto a vitória realmente não era um desejo. O esquecimento era. O meu desejo era interromper o processo da criação. Parar com a idéia, com a fala, com o vibrar do branco do olho. Há de perceber o vibrar do branco do olho na irritação da fala? Eu tentava imaginar que sim. Acontece que o meu olho vibrava tanto que a minha concentração ficava comprometida. Eu sei, eu já tive 50 anos. Eu já fui a regressão do homem, e a paixão da mulher que regride exponencialmente. Eu fiz frente com os dentes na festa. Entende um ambiente que se chega, e que se agarra mordendo? Eu tinha mordido aquele andar inteiro. Eu tinha engolido suas lembranças dali, e regogitado seus desprazeres. Agora eu tinha problemas de salivação, de estômago, de memória fraca. Uma velha sem tempo e de 50 anos.

2 comentários:

  1. Meio sufocante. São momentos que nós fazem surgir, emergir, por momentos ficamos submersos em ilusão. A luz da realidade é forte, mas nem tudo é realidade, é um pouco do que o desconhecido nos manipula...

    Bjs, e obrigado. Minha resposta você tem em meu espaço. Leia.

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