quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Boemia | 5

Por tantas vezes pensei nos acontecimentos como uma nova rotina – talvez eu fosse adaptável a Marcela. Porque eu desencadeava em mim a proporção das palavras dela, uma extensão de suas palavras como se elas quisessem me levar para alguma parte que eu desconhecia. Uma parte da cidade, da angustia, do corpo dela que eu desconhecia. Eu sou medroso, mas tenho ainda mais curiosidade do que medo. E a minha aflição tem fundamento – Marcela com seus pulsos firmes e punhos cheios de pulseiras de prata ainda era a mulher mais contorcível que aprendi a conviver. Talvez nossa relação não fosse valiosa – não a discutíamos. E ela fazia uns bilhetes pequenos e anotava neles frases curtas. Sua intenção era, na verdade, um estado de demonstração rápida do desejo. Aquilo que denunciava também a urgência do corpo e que as palavras tentavam substituir – ou ao menos abrandar – a espera. Malditas tardes de espera em relação a Marcela que sempre se prolongam mais do que o necessário. Seu horário livre, suas horas, eram curtos fragmentos de tempo. E que tempo mais arisco para se tentar algo, eu pensava. Nesses tempos da Marcela de olhos coloridos, minha juventude talvez pudesse se tornar tão eterna quanto ela.

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