sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

sinos | 2

a vontade que me dá o sino é menor agora. o prato raspado traz uma lembrança não-viável. eu poderia queimar os discos, os vinis da festa - não o fiz. a minha confiança tinha duas vertentes: ou era muito pequena, ínfima. ou era gigantesca em tamanha desproporção que a pouca distância dela a tornava impossível para mim. eu não vou precisar desfazer a promessa de novo - talvez isso fosse uma nova promessa. partirei daí.

e daqui.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

sinos

que sino? que maldito sino que toca tão pouco e tão fino em uma noite como essa? talvez a badalação fosse uma inversão dos valores. e eu trocaria outras coisas importantes por esse pouco de noite, de céu, de pratos vazios. muita comida para mim, e para esse meu fastio todo. eu sei, eu tinha feito uma promessa. e eu a tinha desfeito logo depois. o que impede, pede também que eu me afaste. entenda, entenda. eu farei uma festa depois dessa porque nós somos o mesmo. o mesmo péssimo causador de primeiros contatos. E DE INTENÇÕES FALAHAS.

domingo, 25 de janeiro de 2009

um pedaço

o movimento de erguer a taça era hediondo a tal ponto que me reduzia. o pior é que eu sabia que ela faria o brinde diversas vezes seguidas porque conhecia a minha memória fraca. eu precisava das seqüências da festa mais quatro ou cinco vezes depois do ocorrido original. eu percebi que o meu cérebro passava por uma lavagem, uma drenagem de idéias. a minha saúde tornava dúbia a saúde proposta no brinde. e o brinde duvidaria de mim que tomava água e que já não bebia alcool nenhum. eu sei, a gente vai se curvar diante daquilo que tem - ou ao menos do que deseja possuir.
ela trouxe até o meu lugar na mesa o meu prato. tudo dela cheirava a cigarro, até a comida que ela fazia. o cheiro me dava enjôo. engolir um jantar daquele jeito era um ato comprometido para mim - ainda por cima, ela fazia brindes. a sua companhia não me deixava. eu não precisava de louvor, não precisava ser bem-vindo - eu nunca tinha ido embora. a sua insistência era em um vazio. e ela sabe: a insistência dela vai criar uma demência estética.

sábado, 24 de janeiro de 2009

noitada

dose pouca, pouca gente, muito movimento.
o que era seu no momento que não era mais meu?

o salto só não dói em um lugar:
no cigarro no chão.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

milhões de vezes

aquilo que usei para convencer você agora não me convence mais.
o argumento não foi falho.
a falha que foi pouco, assim como a roupa.


eu não sou mais a mesma.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

quanto aos princípios

mulheres de terno, homens de vestido.

você tem um teto, eu não tenho

e que chão mais gasto esse para se passar pano, não? a minha mão vai esfolar, da sua vão cair os dedos. eu achava que o meu medo era o maior! covarde. comigo, com ele, contente, conselho, covarde. você me contém, eu o esvazio. eu me detenho. eu me mordo e você se queixa. e você não se deixa para mim por quê? covarde. comigo, com ele, contente, conselho, covarde. eu achava que você era maior. eu achava também que a minha intuição era boa, que eu era boa, que a minha saúde era boa. será que ainda tem gente que morre de tosse? tem gente que morre de querer morrer, ou de querer viver demais. meu excesso não lhe convém. eu achava que você não tinha excessos - que você era morno, brando, parado de corpo. eu vou perder os dentes e você vai perder o tempo. você não está livre das possessões - até para ser feliz é preciso ter felicidade. você vai controlar tudo? eu não vou. eu vou ficar aqui sentada no teto que eu não tenho. eu deixo que você fique a esfregar o caminho. eu quero que se oculpe, cúmplice.

corpos para fora

NÃO NOS CABE DIZER UM PRECIPÍCIO NEM UMA PRECIPITAÇÃO.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

sobre pragas

isso agrada ou degrada?
o que degrada, agrada?
ou simplesmente agrada o que te degrada?

VOCÊ É IDIOTA?

domingo, 18 de janeiro de 2009

das lamentações

eu tentei ligar. mas me parece que a linha do telefone estava entupida, ou posta de lado. teria mudado de endereço? essa incerteza me desconsertava.

contextos

odeio tomar decisão precipitada.
então, por favor avise-me caso eu esteja me antecipando demais.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

a não cobertura de nós

minha intimidade vai relevar falhas.
- minhas falhas, intimamente, revelar-me-ão.
e, revelado, reduzir-me-ei a falhas e intimidade.

o tormento vem do outro.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Boemia | 5

Por tantas vezes pensei nos acontecimentos como uma nova rotina – talvez eu fosse adaptável a Marcela. Porque eu desencadeava em mim a proporção das palavras dela, uma extensão de suas palavras como se elas quisessem me levar para alguma parte que eu desconhecia. Uma parte da cidade, da angustia, do corpo dela que eu desconhecia. Eu sou medroso, mas tenho ainda mais curiosidade do que medo. E a minha aflição tem fundamento – Marcela com seus pulsos firmes e punhos cheios de pulseiras de prata ainda era a mulher mais contorcível que aprendi a conviver. Talvez nossa relação não fosse valiosa – não a discutíamos. E ela fazia uns bilhetes pequenos e anotava neles frases curtas. Sua intenção era, na verdade, um estado de demonstração rápida do desejo. Aquilo que denunciava também a urgência do corpo e que as palavras tentavam substituir – ou ao menos abrandar – a espera. Malditas tardes de espera em relação a Marcela que sempre se prolongam mais do que o necessário. Seu horário livre, suas horas, eram curtos fragmentos de tempo. E que tempo mais arisco para se tentar algo, eu pensava. Nesses tempos da Marcela de olhos coloridos, minha juventude talvez pudesse se tornar tão eterna quanto ela.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

meu ensaio | 2

O MEIO ARTISTA DE MIM

desbotado de nuvem, aquele céu da primeira boa manhã do ano, agora trazia até mim toda a sua flacidez. sabe, aquele céu de tramas finas e minuciosas e que faz sombra xadrez no chão. no chão, as pessoas solteiras que sobraram, como insetos, mas já mortos de cansaço. o chão era cheio de mulher, de homem, de velho que só viveu vinte e quatro horas. e eu que abracei o mundo em um dia também? porque meu mundo ameaçava decompor a sorte? – ou a pouca sorte que tive? ele, ator, imitador, ilusionista. homem de um terço – de rezar, mas de não beber nada. então eu, cheia de mim, embriagada de mim, voltei sozinha.

notas | 17 - segunda parte

ainda SOBRE O NÃO-CUMPRIMENTO:

a cabeça vai rolar, mas se era para fazer sem contar, qual o propósito afinal? porque para o outro ainda seria só a pessoa que foi enganada. há quem achasse o outro besta demais. vai ver isso não incomodava, ou simplesmente tornava cômodo, como um novo acordo entre eles: não prestaria conta ao outro. cansou de prestar? cansei de prestar também - pensava.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

notas | 17

QUANTO AO NÃO-CUMPRIMENTO:

se há gente que se trai, imagina quanto há gente que trai o outro. de uma convivência que não exigia palavras, tampouco demandava diálogos, até a traição era um comprometimento, uma fidelidade às avessas. porque a traição foi perdoada - alegou que ao menos esta era verdadeira, concreta, cognitiva. sobre a traição era possével identificar pessoas, horarios, datas firmes - daí talvez a origem de sua confiança que os sorrisos não inspiravam.

domingo, 11 de janeiro de 2009

a estilhaçadora de copos

aquela janela fazia um olho em mim. as cortinas-pálpebras e as minhas próprias se desenrolavam sobre o branco do olho com aqueles cílios longos e grossos nas pontas. eu acho que sentia um cansaço, um esgotamento de dois dias intercalado por 50 minutos de sono. há meses não tinha a precisão para dizer: eu sei, hoje eu não vou dormir. tomaria ainda uma caneca de café se tivesse, abraçaria o mundo - não em três - mas em um dia. emendaria braços e pernas aos braços se pudesse. da sacada, disse: vê aquelas árvores lá embaixo? vê os morcegos que passam por dentro dela, dos galhos? eles pensam que estão no alto, que estão voando no alto - então eu cruzei os braços no parapeito, recuando um pouco o corpo e apontando o queixo sobre os pulsos - olha! olha para mim, vê como eu estou bem mais alto do que eles e eu nem preciso voar. - continuei - o que será que as pessoas estão fazendo agora? bolos de morango? traição? tampei os olhos, e apontei qualquer janela: tem um cara por ali que não pára de tossir. você acha que ele vai morrer? ALGUÉM ACHA QUE ELE VAI MORRER? você acha que você não vai morrer? vê como daqui tudo é longe e grande? vai depender do seu ponto de vista. o que você deseja ver essa noite? olha aquele prédio como parece pequeno e de fácil acesso!

eu tive a sensação de poder puxar tudo para mim como um tapete, que traz tudo, que engole tudo. ou uma toalha de mesa que exige um movimento rápido, mas, se preciso, impressionante. talvez um dia lembrem de mim dessa forma, a estilhaçadora de copos e louças - melhor do que ser lembrada por um unico copo trincado. o primeiro é o primeiro, o segundo já é parte do resto.

e quanto a mim? eu passaria a noite naquela varanda, se não fosse o tempo. mas você não entenderia. você teria que escrever PARA ISSO.

só se discute algo a que se dá valor.

só se discute algo a que se dá valor.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

dos alívios

você não bebe só de festa. bebe de infeliz.
(DE GÊNIO)
sabe a sensação?
a musculatura cai. o olho fica boiando na órbita.
e as mulheres ficam muito mais feias do que os homens.
- você já experimentou tomar conhaque? você já viu uma mulher louca, bebendo, caída na vida; aquela cara de dayafter?

então porque isso, não faz sentido nenhum!
a pontuação do bêbado é uma desgraça.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

façanha

na nossa genialidade,
posto tudo que está entre o não-ódio e o desamor
que sentimos um pelo outro.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

tenha bons sonhos | 3

talvez minha insistência trágica ainda possuísse alguma relevância. a este ponto já me sentia satisfeita. o que vestíamos não eram roupas tampouco pijamas. eram lembranças da tragédia. assim, poderia ter tratado dele melhor, porque ele era mesmo o melhor dos pequenos. aquelas pernas inúteis que ele tinha agora lhe enchiam de força. dedos mortos do pé, eu pensava. pele fria, encruada. unha amarela, vertigem nos olhos. ele se quer fazer coitado? que seja. tornar-me-ei companhia ao seu lado. porque não existe nada pior do que a companhia. há de enlouquecer aquele incapaz de encontrar-se sozinho. talvez ele não me perceba mais – ou me note tanto que tenha passado a me ignorar simplesmente. que fosse. estava são? ou estava tão insano a ponto de julgar-se consciente? e justo ele que não fumava, não bebia, não tinha vícios no jogo ou no sexo. penso agora quais prazeres ele poderia ter tido que eu nunca soube. porque agora ele não fala, não diz nada também. ele só faz aqueles rabiscos no ar quando quer sair, e tem força para empurrar a cadeira de rodas – rodas movidas por tração animal. animal. um vegetal, um cadáver de homem!

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

tenha bons sonhos | 2

eu insisti para que não saíssemos. ele na cadeira de rodas, e eu nas bambas pernas que me sobraram. é de enlouquecer qualquer mente em sã consciência. alertei-o: sua cabeça há de lhe adoecer o corpo! ainda eu, mulher, fumante, alcoolatra, fugitiva sabia que aquela cena faria de nós uma exibição. porque estávamos lado a lado, mas ele - aquele segundo doente mental - ainda se movia sozinho. sem sorriso, sem satisfação, sem mérito, sem crença ou descrença - mas sozinho. e as únicas duas pernas bambas que eu tinha, tão somente umas delas sadia e em razoável condição, me traziam um aspecto nobre como se ainda pudessem pensar que eu tomasse conta dele, que o vigiasse talvez, que trouxesse até ele água, soro, saudade da vida. mas que vida lhe teria para oferecer? - ele também não tinha nada para me dar. minha urgência agora era cuidar dos horários, das doses, dos remédios (dele e) meus. eu enchia os pulmões com o vento e as folhas secas - corpo preenchido de tudo que não me pertence, ou que ao meu controle não se desdobra. talvez esse o dia em que se descobrirá algo capaz de adoecer a mente - eis que dentro dela o corpo. ou talvez esse o dia em que se descobrirá algo capaz de adoecer o corpo - eis que dentro dele outro corpo. bem que dizia ao seu ouvido que SOMENTE seríamos loucos no outro.

sábado, 3 de janeiro de 2009

tenha bons sonhos

não matei por amor - um amor desse não se prestaria a tanto. tenho saudade de escrever com as mãos e não só com a ponta dos dedos. eu, ou a quase adormecida de mim, aumentei um pouco a intensidade da luz do abajur. uma prestação baixa do meu serviço - e da minha profissão. ele continuava com aquele enrrolar de dedos, aquela irritação toda que precede o momento do sono. vai ver aque é assim que se sente um doente terminal. talvez minha voz já não possa dizer ou pedir para que ele se acalme, mas pode me aclamar, decerto. não sei qual traço de união há entre nós agora - vai ver que costuraram meus braços aos dele, e as pernas também. vai ver perdi um braço, um músculo, um pedaço das costas para ele. ali não era uma cama, era uma briga de dois animais brutos para sobreviver. e logo ele que cruzava os dedos no ar, que escrevia no ar como um louco, um desvairado. quando olho para o lado, penso: ele é um vegetal, um cadáver de homem! - talvez se o amasse mais já o teria matado; mas outra vez meu amor pouco não se prestaria a tanto. eu precisaria convencê-lo a morrer, e a me deixar. ensiná-lo a morrer direito e pela última vez. porque minha urgência agora era cuidar dos horarios, das doses, dos remédios (meus e) dele.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

meu ensaio

O MEIO ARTISTA DE MIM

buscava os olhos e buscava no buscar os olhos no beijo. no beijo buscava os olhos porque os olhos eram uma parte importante do beijo – e da busca. buscava os olhos. mas olhos? aonde olhos? quais olhos? não sabia se os olhos que procurava ficavam a cima ou abaixo do queixo – engraçado, olhos abaixo do queixo, talvez nunca tivesse pensado nisso antes. porque a gente não deixa de existir, a gente simplesmente morre. você é o seu dejeto. a festa acabou, o dia, o ano. e não pelas pessoas que não estão mais, mas pela sujeira delas que emerge da calçada. e na vala do que sobrou na gente. porque as pessoas ainda estão ali, puta cidade cara de fim. porque tinha cigarro, chinelo, copo, taça, garrafa. lágrima que deixa marca e sorriso que não deixa. você é o seu dejeto. e então eu pude ver de tão perto aqueles olhos de objeto que tinha e pensei: minha ilusão é a própria da qual se compõe – porque a ilusão se recompõe varias vezes. e logo ele: imitador, ilusionista. meio artista. artista de olhos sem olhos. ou artista de vários olhos, várias mãos e pernas. artista de mim - ou da minha parte rude, mal cuidada. porque a minha parte da cidade era aquela parte toda esquecida. de céu rosa esquecido, vermelho esquecido, azul desbotado e sem nuvem.