domingo, 7 de março de 2010

eterno presente | 3

se me perguntarem quem foi gabriela, eu direi que gabriela foi uma mulher que teve muita pressa - e que gritou muito. porque eu me lembro dos seus gritos me ensurdecerem e me vem a cabeça a imagem da imensa força que eu fazia sobre os ouvidos, as palmas abertas e os dedos entregues ao ar a tampar de mim o ruído irrisório da sua voz. mesmo depois de pensar muito nessa circunstância, o silêncio inventado que eu encontrava no seu grito fazia recriar em seu rosto uma expressão doce. como se aquela raiva pressuposse o grito e o silêncio, a quietude não estimada de nós trouxesse uma graça que eu não imaginava mais existir. as coisas boas puxariam as manias, e isso se tornaria uma mania com o tempo também. abafar um som não vai torná-lo menos agudo: eu já achava essa sitação gravíssima. agora, como se ela depositasse as coisas em mim, eu me opunha a ela diferentemente da postura que outrora assumi, de abrigá-la muito. porque no desgaste de pequenas misérias, muita coisa já tinha se perdido. já tinha tornado sua bolsa um conforto, seu colo, seu tempo um conforto sem explicação. assim como marcela, gabriela também contraía a atenção como doença. e eu fazia da sua doença uma alegoria para ela no começo, acontece que eu demorei demais para contar as horas, e para entender quantos dias haviam se passado desde que o meu bicho havia saído. porque eu senti o meu bicho, aquela preguiça enorme que eu tinha, se arrastar ainda mais. talvez na tenativa de adoçá-la, estivesse a torná-la intragavel e só: foi nisso que eu fiquei pensando.

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