quarta-feira, 23 de maio de 2012

'Coisas de Sabrina', escritos por toda parte

Devo ajudá-la a recompor as malas. Não existe hora melhor de partir? Eu já tinha pensando nesta cena antes, é verdade. Eu já tinha escrito sobre ela em algum sonho desta semana mesmo, mas perdi todos os comentários que redigi mentalmente sobre ela também. A memória é muito instável.

Pois foi então que o meu movimento de entrar no apartamento logo se tornou um compasso ritmado com seus pés que estavam a minha frente. Sol. É, fazia bastante sol naquele dia - tanto que a fina camada de gordura impregnada no vidro das janelas da sala filtrava a luz fazendo com que as partículas de poeira flutuassem sobre o assoalho, bem visíveis. Os falsos tapetes persas recolhidos e acomodados no canto, o castiçal de Paris, o cinzeiro vermelho: tudo envolvido pelo típico plástico bolha (quanto as fotos soltas na mesinha de centro, ela disse que as tinha deixado ali para que nossos rostos de felicidade pudessem testemunhar aquele momento, como se os olhos estáticos da fotografia pudessem guardar aquele dia com eles também). Sabrina usava uma regata leve e sandálias. Aos pouco tudo foi se acalmando. Respirei. Ela me puxava pela mão - suas unhas estavam bem feitas e sua pele, razoavelmente macia. Ela não tremia, tampouco esboçava qualquer sinal de nervosismo pelo que pude reparar. Sinto como se fosse um pássaro pego pelas asas, sendo puxado pro ninho.

(...)

Passamos os últimos vinte e dois dias idealizando sua mudança e, mesmo assim, esta imagem não se parece em nada com a que eu imaginei. Conforme entramos, apresenta-se a nossa frente o corredor formado por suas caixas de papel pardo. 'Coisas de Sabrina', escritos por toda parte. E então me ocorre que se eu pudesse materializar sua vida, se pudesse medi-la ou dar peso a ela, acredito que sua vida teria o tamanho que suas caixas ocupam na sala. Não se sabe, verdadeiramente, o quanto existe dentro de um apartamento até que todas as suas coisas estejam fora de seus lugares habituais. É como se aquela barreira de caixas me fizesse sentir tola por todas as vezes que disse que o apartamento estava vazio de sua presença. Sabrina era uma mulher imponente, e agora sim eu a enxergava. Agora que ela vai embora. A vida é muito curiosa.

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