estou a iniciar um texto. eu me concentro: e eu sei, eu vou perder um tempo. é como se fosse ter um filho ou fosse decolar, pular de um prédio. passo a ser uma extensão de mim. tropeço, como um bêbado. trago a embriaguez comigo. sou apenas um pacote de receios. sou eu, resguardo.
segunda-feira, 28 de maio de 2012
sobre a curiosidade das borboletas
'encontrar-se. mas em horas como estas? eu deveria ter me segurado na parte mais frágil de seu corpo. ao contrário, fiz como se apenas pudesse considerar o lado mais forte como real motivo de nossa convivência. estive errada, é verdade. e agora, este erro gentilmente consegue explicar a mim que não se agarra alguém pela força, mas pela fraqueza. iremos, como se diz, a duras penas por esse caminho porque, diferente do que se espera, a força não aguenta quase nada. desgasta-se logo. e isto estava tão absolutamente longe da inteligência que, enquanto minha possível desenvoltura intelectual se expandia, o meu corpo murchava. uma flor seca, uma espécie de borboleta caída que tinha pousado no ombro, numa hora branca, leve e rara, e voado na outra. o tempo voa. mas entenda que a borboleta não voa pela sua leveza. não. ela voa porque representa, em um corpo físico bastante pequeno, o delicado voar do tempo. daí, dificilmente cruzamos com a mesma borboleta duas vezes na vida. as borboletas só vivem vinte e quatro horas'.
quarta-feira, 23 de maio de 2012
'Coisas de Sabrina', escritos por toda parte
Devo ajudá-la a recompor as malas. Não existe hora melhor de partir? Eu já tinha pensando nesta cena antes, é verdade. Eu já tinha escrito sobre ela em algum sonho desta semana mesmo, mas perdi todos os comentários que redigi mentalmente sobre ela também. A memória é muito instável.
Pois foi então que o meu movimento de entrar no apartamento logo se tornou um compasso ritmado com seus pés que estavam a minha frente. Sol. É, fazia bastante sol naquele dia - tanto que a fina camada de gordura impregnada no vidro das janelas da sala filtrava a luz fazendo com que as partículas de poeira flutuassem sobre o assoalho, bem visíveis. Os falsos tapetes persas recolhidos e acomodados no canto, o castiçal de Paris, o cinzeiro vermelho: tudo envolvido pelo típico plástico bolha (quanto as fotos soltas na mesinha de centro, ela disse que as tinha deixado ali para que nossos rostos de felicidade pudessem testemunhar aquele momento, como se os olhos estáticos da fotografia pudessem guardar aquele dia com eles também). Sabrina usava uma regata leve e sandálias. Aos pouco tudo foi se acalmando. Respirei. Ela me puxava pela mão - suas unhas estavam bem feitas e sua pele, razoavelmente macia. Ela não tremia, tampouco esboçava qualquer sinal de nervosismo pelo que pude reparar. Sinto como se fosse um pássaro pego pelas asas, sendo puxado pro ninho.
(...)
Passamos os últimos vinte e dois dias idealizando sua mudança e, mesmo assim, esta imagem não se parece em nada com a que eu imaginei. Conforme entramos, apresenta-se a nossa frente o corredor formado por suas caixas de papel pardo. 'Coisas de Sabrina', escritos por toda parte. E então me ocorre que se eu pudesse materializar sua vida, se pudesse medi-la ou dar peso a ela, acredito que sua vida teria o tamanho que suas caixas ocupam na sala. Não se sabe, verdadeiramente, o quanto existe dentro de um apartamento até que todas as suas coisas estejam fora de seus lugares habituais. É como se aquela barreira de caixas me fizesse sentir tola por todas as vezes que disse que o apartamento estava vazio de sua presença. Sabrina era uma mulher imponente, e agora sim eu a enxergava. Agora que ela vai embora. A vida é muito curiosa.
segunda-feira, 21 de maio de 2012
cartas marítimas | 6
fildsville, 12 de maio de 2022.
querida maria paula,
tenho pensado sinceramente na possibilidade de visitá-la. sei que minha presença em sua cidade, como todo objeto estranho dentro de uma rotina, talvez lhe cause desajustes cotidianos - acontece que minhas descompensações aqui tem sido tão grandes, que qualquer tipo de esboço de novas chances já me farão bem. espero não incomodá-la ainda que esta visita esteja sob permissão de seus convites.
o brasil é realmente um lugar sobre o qual nunca mais pensei. e por isso imagino que, aos poucos, tudo que deixamos de pensar tenda a se distanciar de nós. então esta visita cai sobre mim não apenas como uma vontade inegável de encontrá-la, minha amiga. mas vem como um desejo de testemunhar sua evolução, de produzir algo, de avançar. é preciso conviver, e é preciso muita disponibilidade para isso.
o brasil é realmente um lugar sobre o qual nunca mais pensei. e por isso imagino que, aos poucos, tudo que deixamos de pensar tenda a se distanciar de nós. então esta visita cai sobre mim não apenas como uma vontade inegável de encontrá-la, minha amiga. mas vem como um desejo de testemunhar sua evolução, de produzir algo, de avançar. é preciso conviver, e é preciso muita disponibilidade para isso.
'esta cidade respira paixões', você me disse. então eu vou mesmo sem saber qual tipo de roupa devo usar, qual tipo de sapatos. já não confio plenamente em meu comportamento e confesso que existe certa infantilidade nesta sensação ao mesmo tempo que a ideia me seduz. dizem que as viagens não são apenas os destinos para os quais se vai, por isso decidi que a farei de navio ate aí. este sentimento de estar rasteiro ao mar bastante me agrada. além disso, poderei ver o mar de perto - me embriagar um pouco da felicidade que ele sempre me trouxe.
novas notícias sobre sabrina, pois não aguentaria até o desembarque para contá-las a você. estamos distantes novamente. preciso aplicar a ela a mesma disponibilidade que dedico a escrever - o que tem sido precisamente difícil. sua presença é como um costume para mim - e talvez eu não tenha mais idade para criar novos hábitos. aliás, como está pedro?
aguardo noticias suas,
quanto a minha chegada aí, principalmente.
saudades como sempre, minha amiga.
que a semana transcorra bem,
ana.
novas notícias sobre sabrina, pois não aguentaria até o desembarque para contá-las a você. estamos distantes novamente. preciso aplicar a ela a mesma disponibilidade que dedico a escrever - o que tem sido precisamente difícil. sua presença é como um costume para mim - e talvez eu não tenha mais idade para criar novos hábitos. aliás, como está pedro?
aguardo noticias suas,
quanto a minha chegada aí, principalmente.
saudades como sempre, minha amiga.
que a semana transcorra bem,
ana.
terça-feira, 8 de maio de 2012
(aqui cabia uma ideia, que foi perdida)
o acaso está ligado a situações geográficas:
como um lugar que não existiria sem a geografia de alguém.
acaso,
de causa sem precedente.
mas qual nome devo dar a causa?
estou em causa ou estou unindo meus interesses?
eu não caí nos seus olhos, por assim dizer, sem querer.
- o acaso é isso.
então, se por acaso ele voltar, faça-o esperar.
porque dentro desta aleatoriedade de ausências,
a sorte rapidamente pode tornar-se azar.
exuberância, ao invés disso.
eu escolhi.
não vivi por acaso, não morri, não pensei por acaso.
ao acaso, sim. mas o acaso começa sempre com uma hora vaga.
o acaso é excepcional,
e
o mundo não tem nada de óbvio.
não vim para estar sem saber o porquê.
e por quê?
porque na vida aprende-se sobre estes acidentes do tempo,
que se conhece por lógica meio difusa,
por neblina,
por neutralidade da qual desconfio.
ou apenas pelo que, popularmente, chama-se de acaso.
eu não vim pra dizer que a passagem foi breve.
insisti.
bati,
na beirada, no topo, no meio.
variei
- e demorei muito, é verdade.
amei a mim mesma, entre outras conclusões.
tive de estar muito ocupada para que não achasse que a minha cabeça chamava por um nome
que eu seria incapaz de repetir.
a sorte só se aplica à loteria - e às vezes nem a ela.
infelicidade constante isso, eu sei.
acontece que
o artista nunca concebe
com
se
pede.
(ainda bem).
/ era muita sensibilidade
e talento em um mundo tão podre.
como um lugar que não existiria sem a geografia de alguém.
acaso,
de causa sem precedente.
mas qual nome devo dar a causa?
estou em causa ou estou unindo meus interesses?
eu não caí nos seus olhos, por assim dizer, sem querer.
- o acaso é isso.
então, se por acaso ele voltar, faça-o esperar.
porque dentro desta aleatoriedade de ausências,
a sorte rapidamente pode tornar-se azar.
exuberância, ao invés disso.
eu escolhi.
não vivi por acaso, não morri, não pensei por acaso.
ao acaso, sim. mas o acaso começa sempre com uma hora vaga.
o acaso é excepcional,
e
o mundo não tem nada de óbvio.
não vim para estar sem saber o porquê.
e por quê?
porque na vida aprende-se sobre estes acidentes do tempo,
que se conhece por lógica meio difusa,
por neblina,
por neutralidade da qual desconfio.
ou apenas pelo que, popularmente, chama-se de acaso.
eu não vim pra dizer que a passagem foi breve.
insisti.
bati,
na beirada, no topo, no meio.
variei
- e demorei muito, é verdade.
amei a mim mesma, entre outras conclusões.
tive de estar muito ocupada para que não achasse que a minha cabeça chamava por um nome
que eu seria incapaz de repetir.
a sorte só se aplica à loteria - e às vezes nem a ela.
infelicidade constante isso, eu sei.
acontece que
o artista nunca concebe
com
se
pede.
(ainda bem).
/ era muita sensibilidade
e talento em um mundo tão podre.
terça-feira, 1 de maio de 2012
fiquei dias sem escrever, é verdade
estive há uns dias sem escrever, é verdade. sem produzir nada para viver um pouco só para mim. acho que presenti regenerações sinceras por dentro do corpo. e, logo, os órgãos que eram meus repartiram-se, transformaram-se em órgãos como os órgãos de pessoas comuns. ao final de doze dias, acho que morri um pouco ao invés de viver.
o lugar favorito no mundo
quando o tempo o faz sentir assim, meio a mercê do rumo incerto ou do momento impreciso das estações, você imagina se as pessoas realmente mudam muito ou se tão somente existe um medo do inadiável futuro - que se aproxima, ora em forma de avalanche sedutora, ora de assassino cruel. não há muita educação a se ensinar aos homens, é verdade. praticantes de um desleixo instantâneo e gratuito descabido em tempos cuja carência consome as pessoas, como bichos minúsculos que corroem um armário de mogno. não nos coube nenhuma preferência acentuada por nada, que dirá pelo medo irracional que se tem do tempo. também, como poderia? quem puder reger seus próprios ombros sobre o tempo, poderá qualquer coisa também. poderá usar-se de garras amigáveis e de decoro deslumbrante.o tempo age com muita postura diante de nós. e mesmo as desestruturadas e megalomaníacas cidades, que não conhecem nada senão as próprias experiências familiares e nós, que não conhecemos nada do mundo, tampouco de suas engrenagens perfeitamente ilógicas, girando, ao mesmo tempo que tentamos desvendar o menor sinal de padrão ou repetição. eu me esgotei na explicação - na falta de tradução que tanto acontecimento tem. o tempo, mestre das desventuras seriais. e eu achando que a rotina dos dias me poderia massacrar. sendo que, quando penso nisso, no instante em que penso nisso, o tempo já formulou novos planos para mim. tal qual a partida de um jogo, sendo a única certeza possível a perda ou o ganho. os únicos dois pilares possíveis sobre o qual o mundo existe. não existe nem paixão, nem devaneio, nem guerra, solidão, fome, nada. tudo sobre os alicerces únicos do mundo. os opostos perfeitos - a perda e o ganho.
sinto uma dilatação de meus órgãos por debaixo da pele, eles sendo descobertos e repartidos. metades idênticas e facilmente confundíveis. há impossibilidade de saber a qual lado do jogo eu pertenço. pra qual lado da moeda o meu rosto será mostrado. a perda e o ganho. a vitória sobre a fantasiosa sensação de derrota. e a derrota triunfante deitada sobre o corpo da aparente vencedora, irrisória na posição de sossego. a vitória tem um corpo desinteressante, é verdade. e a derrota, uma senhora de mediana idade, sempre esguia, sedutora. não há escritor satisfeito em vida? não foram todos abraçados pelas mãos enormes do pensamento? desperdicei a vida escrevendo? desperdicei a vida me interessando pelas pessoas. cultivei gestos amorosos ou posses descabidas e ciumentas. não sou dona de nada agora. nem mesmo de mim, porque não posso tocar em mim - e somente os olhos tocam.
imagino e, imediatamente, este pensamento horroroso me invade. eu nunca vou poder me ver. e a constatação que, a princípio parece obvia, vai se tornando concreta. eu só sei o que conheço do meu reflexo, do que acredito dele - ou como eu me imagino ser. eu suponho que meus braços tenham este comprimento, que minhas pernas formem estes arcos desconexos logo após o tronco. eu nunca poderei ver meu rosto como você me vê. você imagina o poder que é dado a você com isso? imagine. você sabe mais sobre mim do que eu jamais poderei saber. então, pois que desejar ver a mim mesmo é como supor a morte. não há como saber com certeza nem com verdade. em quanto a verdade o perturba? a verdade é como olhar a si mesmo. fisicamente impossível.
a verdade é o que se conhece como verdade. como palavra que poderia facilmente ser chamada de outra coisa. eu poderia chamar a verdade pelo nome que quisesse. eu poderia dar a ela o nome de um objeto altamente mutável. transferível. poderia chamá-la de mesa, de cadeira, de qualquer coisa. eu poderia dar a verdade o nome de uma mulher bonita ou de uma mulher vadia. eu poderia chamá-la de maria, de olivia, do que quisesse. os nomes não são nada. eu poderia dizer que sou homem, mulher, poderia dizer que tenho qualquer coisa entre as pernas. eu poderia ser qualquer coisa, e fui.
fui reverência de nomes. fui condizente ao impulso. corri desengonçadamente sobre estas pernas de pau - aos quais dei o nome de alicerces. a um deles, dei o nome de ganho - e ao outro, de perda. e para andar é preciso os dois, para mover-se, alternadamente. não são minhas pernas, entenda, nem nunca serão. desconhecidas e impróprias pernas. pernas para onde se vai ao mundo - a vida é assim. cheia de equilibrar-se.
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