terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Nós

Eu penso. E o meu pensamento vem lento e estonteante. Eu quase me atropelo. Desce por mim um pensamento dentro da contradição: eu não sei se espero. Porque penso ser essa espera complexa demais. As coisas demoram, e da demora, desmoronam as coisas. Sabe aquela martelada constante outra vez? Aquela britadeira que não para nunca? Se eu voltar às mãos para a nuca de novo, eu acabei. Eu dei um chute no tempo, numa palavra de requinte nenhum. Em nenhuma parte de mim tinha sobrado tanta verdade. Verdade, eu menti. Eu não tinha conhecido uma pessoa. Eu tinha conhecido um anjo. Teu anjo, olho para mim e digo, agora tão meu também, fez um movimento bem curto, um cumprimento tão tímido que eu tive pavor da minha euforia por um instante. Mas depois me reconheci dentro da cena, que tão breve, me incluía e me significava. A minha dor não era imprópria, entenda, mas bem própria da fala que eu tinha começado a usar. Eu já não sou mais subalterna: eu tenho voz agora. E a minha voz sai ritmada por uma fala doce e dura, azeda, feito vomito, feito alivio. Feita de mim, pelas coisas trazidas até aqui, regurgitar não dói. Não me traz dor a inaptidão de dizer – porque digo, não apenas as palavras que quero, mas a essência da intenção que desejo – dentro do mundo em que os ouvidos parecem estar tapados. Eu tenho um eco na minha cabeça, que reverbera, que tomba as paredes e que ainda queima cortinas inteiras. A minha casa, daqui de onde me vejo, não é linda. A minha casa é a casa de quem fugiu e esqueceu. A minha casa é a casa da volta – do meu regresso, enquanto menina não deixei o lar; porque enquanto mulher, abri os braços para o mundo. Eu tenho os braços do tamanho do mundo, de uma força tão imensa, que imersas estão em mim essas veias de sangue seu. Oras, anjos tem sangue correndo entre os ombros também? Esse anjo não é de lá – foi o que me disse – porque como eu, é daqui... do mundo em que as coisas ainda doem. Do mundo em que as pessoas ainda sambam, se desculpam, desafinam. Esse anjo veio do mesmo lugar de onde eu vim. Eu não dormi o suficiente, mas a minha suficiência tornou-se boa o bastante. Eu parei de completar. Eu parei de sorrir sempre que a razão do riso tinha que ser desconhecida. Eu me conheci realmente, quando deitei, quando comecei a acordar sem ter chegado a dormir. Eu criei uma coisa sem tempo ou tamanho, nem precisão. Uma coisa tão larga e estreitíssima que era capaz de passar por debaixo de uma porta e depois derrubar um prédio. Que era capaz de se enterrar sozinha, de tão viva e tão descrente, e ao seguinte instante, indefinidamente flutuar. Era uma coisa escrita para dar um norte nesse “silêncio”.

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