sábado, 18 de dezembro de 2010

Nós | 3

Eu respiro. E o fluxo de ar dentro de mim se revela nas partes minhas e expande a vida. Há vida que finalmente vejo. Agora eu tenho postura, coluna, desenho nos lábios. Agora eu tenho referida nos olhos, a cor refletida dos olhos teus. Eu sei, eu me tornei um anjo também. Eu aprendi que não é possível gostar com exceção. Eu descobri que todo o mundo tem uma pobreza dentro da própria casa. Que todo o mundo tem uma miséria ou um mistério não descoberto. Eu percebi que as escolhas doem mais do que as coisas deixadas no caminho. Eu desviei do meu caminho. Fisicamente, eu deixei o mundo – ironicamente, eu me encontro nele pela primeira vez. Eu não sinto nada agora. Eu não estou consolada pela apatia, não estou jogada, eu não me deitei. Eu não dormi, mas flutuei na crista do sono, da dor, do arrependimento, da incerteza e da morte. Eu não encontrei nada. Eu me sinto adormecer sob a neve – já impossível de sentir a morte chegar. As minhas pálpebras doem, e eu as sinto inchadas, vermelhas. O meu olho quase fecha. Eu não sei. Eu guardei a vida – fosse ela uma moeda ou uma pérola. Fosse ela um passeio, um dia, uma pausa qualquer. Escuta, além daquele assobio fino e longo que me fez reconhecer você, um violino tocando? Escuta essa música que me traz você, me carrega o corpo, e que me leva. Eu sei, não nos encontraremos no lugar em que você vive, tampouco neste lugar em que eu estou agora. Nós nos encontraremos no meio do caminho, no alto ou no mais longe daqui. Nós nos encontraremos. Eu me sinto pegar a roupa que visto e levantar. As minhas costas doem, meu amor. Os meus remédios não descem. A minha voz não sai. O meu anjo ainda dorme na cama. O meu anjo, tão calmo, disse para eu tomar o tempo e não comprimidos. Eu não consegui. Verdade, eu menti de novo. Esse anjo não era um anjo. Esse anjo era uma vida inteira. Eu me sinto uma projeção de anjo sustentado no ar com aparente imobilidade. Meu anjo diz, você paira, olha, deveras sente – e então estamos suspensos. Quão breve somos nós? Ou quão eternos? A minha dúvida não tomba para o lado da tristeza, entenda, mas ela se debruça. Eu quase danço. A minha pergunta dói mais porque é feita, e não porque corre na possibilidade de jamais ser respondida. Eu quase volto. Eu quase não me deixo ir. Eu sinto uma vida que me puxa, e outra que me canta aos ouvidos. Eu me sinto tentando somar três cadeiras e uma maçã. Em que eu acredito?


Eu não vejo a cor da primavera. Desceu sobre mim uma malha de aço, grossa, de cor cinza. Essa malha grudou na frente dos meus olhos também. Que compromisso é esse ou o quão omisso é isso? Eu vejo um desejo tão estranho e tão disforme – já tão conforme nada. Eu me perdi? Eu me lembrei. Eu me lembrei de que o tempo é que era uma coisa muito estranha. De que uma semana poderia demorar meses e um dia, acabar em horas. Quantas horas há entre nós? Quanto espaço físico ou quanto futuro? De quanto é o tempo físico?


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