estou a iniciar um texto. eu me concentro: e eu sei, eu vou perder um tempo. é como se fosse ter um filho ou fosse decolar, pular de um prédio. passo a ser uma extensão de mim. tropeço, como um bêbado. trago a embriaguez comigo. sou apenas um pacote de receios. sou eu, resguardo.
sexta-feira, 19 de março de 2010
eterno presente | final
às vezes é preciso muito silêncio para que se veja a beleza. desencadear uma situação periférica não fará velhos assuntos desdobrarem. e eu já não me tornaria menos fiel a minha condição. eu tentava tratar da crise como um local externo, impróprio de mim. porque mesmo depois de quase duas semanas, eu ainda me sentia sem produzir nada. eu sentia apodrecer na intenção da escrita. das viagens, muitas delas eu já tinha desconstruido. porque a minha lembrança sobre ela tinha perdido a razão sobre o meu entendimento. eu via o seu sorriso não mover quase nada na minha memória. e na minha memória tão gasta, eu via seu rosto de mapa, em que tantas vezes desenhei o céu, e dancei a noite toda: pudera já ter perdido a conta de tantas as vezes que me perdi a ele. porque eu ainda me lembro das canções que muitas vezes nos fizeram guiar os próximos passos. eu tinha parado, e o meu olho tinha se fixado nela também: talvez essa fosse a minha desvantagem agora.
segunda-feira, 8 de março de 2010
dialética
o cansaço me ocorria
como um animal enorme a me afundar as necessidades:
porque eu não fiz nem as coisas que eu sabia fazer.
como um animal enorme a me afundar as necessidades:
porque eu não fiz nem as coisas que eu sabia fazer.
eterno presente | 6
uma cartase me contemplou agora; embora achasse isso contraditório. eu queria imaginá-la em uma situação sem a intenção degradante da fala - quando ela gritava, isso era possível. então eu voltava às nossas danças sempre. eu voltava ao ruído do jazz que era ela. eu voltava para o oscilação, para o balanço que ela tinha mostrado para mim. eu ouvia uma música contínua que ora me dava luz, ora me apresentava o breu. porque o jazz era isso: a tensão e o relaxamento; assim como a entrega passional que vai da extrema euforia à melancolia profunda. eu sei, eu a conheci. foi ela quem fez o samba do começo, quem torceu muito os braços e trouxe a alegoria toda com ela. ela não projetou riso em mim, não depositou nada porque o verdadeiro sorriso já não traz movimento nenhum. por isso, talvez, que eu entendia que o seu exagerado balançar de braços era uma intenção vazia, heroicamente vazia, para impressionar. eu voltava ao jantar calmo que tivemos, a calma que tivemos em tempos bem mais interessantes do que estes. porque eu esperava por uma nova intenção que fosse regada pela sorte. eu tinha optado pela arte, acontece que agora estava entregue ao acaso. ela era o acaso.
eterno presente | 5
talvez eu tivesse entregue uma canseira ao tempo. de toda a minha satisfação e disponibilidade, imaginava já estar farta de expressar força sobre ponteiros tão gastos. esse decorrer de horas era inativo, então eu ficava imaginando o que, possivelmente, poderia ter me trazido até aqui. muita coisa era absurda; se me perguntarem quem foi gabriela, eu diria que diferente de marcela que foi uma mulher enorme, gabriela foi uma mulher de verdade. meu conhecimento, meu pensamento nela representava um capítulo:
"cairia por terra a minha tentativa? hoje, acordar me desconcerta. faço dela uma imagem sem encaixe, quase vazia. eu não morri, talvez aí a origem do empobrecimento da minha queda. a morte era uma mulher que libertaria, como uma espécie que confiava na alma, na vontade do corpo que fazia da quietude um entendimento para a alma dela. eu queria cooperar no desenho da história, acontece que essa história foi a única história minha que tomou mais lugares do que tempo - e isso eu desconhecia, daí a minha tolice em relação ao corpo dela também. ela, na cama. eu a olhá-la muito e a pretexto de nada (como capitu, e marcela, e todas elas). ela teria que ter tido fundamento na discórdia. eu não exigi o controle, eu não perdi o corpo para outro. eu não entreguei a minha misericórdia, a minha tristeza, a minha pequena destreza. eu me coloquei na sua irracionalidade como se tivesse voltado a ter a idade dela quando essa insatisfação me ocorreu também, anos atrás. eu a entendo, entenda. e faço do meu entendimento uma continuidade da vida, e não uma ruptura. se eu tivesse enlouquecido, se tivesse perdido a cabeça, talvez a tivesse encontrado. acontece que, dessa vez, me bateu em meio a idéia uma dúvida conceitual, puramente acadêmica. eu me formava diante dela como se eu fosse uma defasagem de anos em relação a mim mesma. eu me via nela. nela, eu via o que eu tinha sido de mim um dia - a tratar do caos com frieza. porque a frieza, a crueldade da mulher é ainda maior diante de outra. eu via nela um exército que me abateria os brios, que me derrubaria o corpo no chão e o rosto por muito tempo. eu tentava montar uma postura que se mantivesse em pé, sobre os tolos pés que tinha, como ainda a contemplar seu tempo de dúvida. há coisas na vida pelas quais não se deve agradecer nunca? a dor tornaria a volta mais fácil, acontece que eu desprezava a volta agora. se o acaso havia feito tão bem às coisas, retroceder me parecia ousar em uma direção abstrata, contrária a nebulosa vontade dela. eu tentava andar, mas as minhas pernas ainda falseavam um pouco - talvez marcela estivesse a me ocorrer outra vez. ela tinha me inundado: como marcela, ela era uma onda gigante. se me perguntarem quem foi gabriela, eu direi que, assim como marcela, gabriela ela era onda gigante de óleo também."
ela tinha deixado nas linhas coisas ditas que eu também não entendia. talvez o meu exército a tivesse invadido também - porque os excessos que eu cometi não me fizeram desejá-la mais: eu já a gostava com tudo que tinha. eu tinha entendido isso como algo belíssimo também. o debate sempre gera necessidades.
eterno presente | 4
queria pensar em tempos de maior racionalidade. em tempos menos quentes, mais desgastados. antes tivesse surrado completamente o hábito, ou tivesse tornado o vício irretornável. porque agora eu não conseguia mais olhar para ela sem ver tudo que a envolvia também. gostava dela antes, quando ela ainda reclamava - alegoricamente, eu lhe punha sorriso nas fantasias. hoje, talvez, eu a prefica calada, a tornar a espera um pouco mais sábia. porque se me perguntarem quem foi gabriela, eu direi que gabriela foi uma mulher que não calou a boca, nem fechou as pernas. uma vez feita dela ficção, ela já não poderia mandar na aventura que insistiu comigo, daí a necessidade de torná-la escrita tão rápido, de não perdê-la de vista. de não parar muito em seus olhos: ela seria o meu próximo trabalho. como marcela, se descoberta, ela deixaria de existir. eu imagino que a mulher dela era um bicho ainda maior que o meu; e a sua preguiça era imensa, imersa em tanta vaidade. eu penso na beleza do rosto dela, e me cai sobre a lembrança uma martelada, uma britadeira que não pára nunca. assim como no instante de criar marcela, gabriela já tinha me tinha feito perder muito o sono na discussão minha de pequenos desprazeres com ela. não me tornará mais sábia a sua volta, nem menos feliz o seu encanto. eu me encolhia no seu encanto, ao contrário dela que se esticava na minha presença com outros. a sua beleza não precisava ser contada porque eu a via com clareza. porque eu a gostava, agora, sem todas as ironias com as quais tantas vezes gostei. de certa forma, tudo estava perfeito agora.
domingo, 7 de março de 2010
eterno presente | 3
se me perguntarem quem foi gabriela, eu direi que gabriela foi uma mulher que teve muita pressa - e que gritou muito. porque eu me lembro dos seus gritos me ensurdecerem e me vem a cabeça a imagem da imensa força que eu fazia sobre os ouvidos, as palmas abertas e os dedos entregues ao ar a tampar de mim o ruído irrisório da sua voz. mesmo depois de pensar muito nessa circunstância, o silêncio inventado que eu encontrava no seu grito fazia recriar em seu rosto uma expressão doce. como se aquela raiva pressuposse o grito e o silêncio, a quietude não estimada de nós trouxesse uma graça que eu não imaginava mais existir. as coisas boas puxariam as manias, e isso se tornaria uma mania com o tempo também. abafar um som não vai torná-lo menos agudo: eu já achava essa sitação gravíssima. agora, como se ela depositasse as coisas em mim, eu me opunha a ela diferentemente da postura que outrora assumi, de abrigá-la muito. porque no desgaste de pequenas misérias, muita coisa já tinha se perdido. já tinha tornado sua bolsa um conforto, seu colo, seu tempo um conforto sem explicação. assim como marcela, gabriela também contraía a atenção como doença. e eu fazia da sua doença uma alegoria para ela no começo, acontece que eu demorei demais para contar as horas, e para entender quantos dias haviam se passado desde que o meu bicho havia saído. porque eu senti o meu bicho, aquela preguiça enorme que eu tinha, se arrastar ainda mais. talvez na tenativa de adoçá-la, estivesse a torná-la intragavel e só: foi nisso que eu fiquei pensando.
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