quinta-feira, 7 de novembro de 2013

uma estrela em um caleidoscópio

madrugada de 06 de novembro

sinto meus olhos apertados. minhas pálpebras formigam e ardem de dor por não conseguir fechá-las. que paz me aguarda do outro lado? que megera esta vontade que me consome como um cigarro ambulante contra o vento da praia, varrendo para tirar até meus cílios do lugar? parece que o meu rosto derrete e, com suas fissuras abertas dos escorridos de uma vela, vertem as lagrimas como líquido opaco que se transforma em cera dura, maciça, congelada nas beiradas do queixo. eu jamais esquecerei a sensação que se atirou sobre mim nesta noite. uma noite perpétua.

eu sou uma causa urgente sob custódia da própria sorte e intuição. 'uma mãe invisível', como você me disse. em minha cabeça, incessantemente repetem-se as cores da permissão, do alerta e das violentas freadas que meu entusiasmo sofre e suscita aos meus músculos, dolosamente. verde, amarelo e vermelho, vezes tantas a perder de vista. meu corpo convulsiona-se e as articulações rangem como se houvesse cacos de vidro entre cada um dos ossos. simultaneamente, considero-me uma massa mole, gelatinosa e disforme sobre o colchão. um peso morto, sem beiradas apenas feito de abismos e vãos - tão impróprios quanto a presença de um cego em um show de fogos de artifício. um pêndulo à mercê da imaginação limitada pelo pouco sentido que tem, mas obrigado a ver, sem prévia referência, o resto funesto do próprio infinito. um olho que gruda na beirada do cadeiloscópio e vê múltiplas estrelas de si mesmo  - onde todas suas facetas digladiam sob a condição atroz de toda estrela: ter seu brilho reconhecido ainda em vida.

esta cama é um leito, onde uma morte se anunciou hoje. meu estômago já regurgita poesia, por onde um braço mecânico e mal assistido vasculha goela abaixo meu interior, meu côncavo peito. neste travesseiro de hoje deposito meu sonho, minha utopia, o terreno de minha liberdade. e se serei livre? bom, minha prisão se estende pelas medidas deste corpo que carrego - de frágeis e nebulosas extremidades, capaz apenas de exceder o próprio perímetro quando pranteia. um delinquente sob a eterna vigilância da policia de si mesmo ou um miserável andando sem propriedade em um mundo que lhe presenteia com a escolha e o pune com a destruição de tudo ao redor da alternativa escolhida. este mundo já não volta.

o abajur aquece o inchaço de minha pele, das orelhas ao contorno dos lábios. são incontáveis soluços derramados neste leito ermo e distante. um pelo que arrepia, um fio de cabelo que se solta, um membro com cãibra, tudo em causa de me recompor e me reunir organicamente perante a súplica de atenção. uma atenção que não veio para mim e, certamente, não virá até nós. fomos nós que construímos isso? quer dizer, é obra nossa esta rede invisível que nos une? já usamos, vestimos, tragamos, tantas vezes. serviu-nos de trampolim, de escada, de área de descanso, de ponte. e agora, como um manto que caí sobre o céu azul-veludo do dia, esta rede cobre-me como uma armadilha épica, óbvia, que me recolhe num susto do chão e me exibe no alto, numa gaiola.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

me ame com fé | outubro

A,
afinal, onde construímos os nossos palácios?

gostaria muito de lhe devolver com clareza o anseio que você me proporcionou. gostaria de me postar a sua frente em resposta, em solução mágica. mas acho que construímos nossos palácios, como você me ensinou, em nós mesmos. primeiro em nós mesmos e depois, inevitavelmente, sobre as envergaduras de todo tipo - quer de dor, quer de saudade.

ah, como tantas vezes pode ser áspero nosso desejo de fé, de concórdia... de paz! e pensamos que antes nossa terra fosse seca e não desse nada, ao menos não a tomariam de nós, não é mesmo? mas você, em suas verdades e mais atenuado espírito de auto-critica, ministrou uma vida focada na congruência e no encontro. te encontrei, me encontrou, te tratei, me trataste como força, como laço. e nos nós de nossas entranhas até mesmo os intestinos delegaram ora vômitos, ora a mais plena sensação de saciedade.

só o tempo trará a mim o instante real do repouso e creio que a você também. muito embora busquemos acelerar o momento do sofrimento e puxar o elástico das sensações de prazer. o tempo cai bem ao inteligente, e digo isso a você com uma certeza que passeia por pouquissimos campos de minhas convicções.

sei que seguiremos mais limpas e asseadas, a cada dia que passa, como um cavalo garboso em sítio terno onde verdejam os campos. o galanteio é difícil a quem vive sob a eterna penalidade de si mesmo, ainda que tendamos para o desajuste cômico das manobras ousadas cujas nossas asas ainda respiram, tão frescas, os viços da juventude.

somos tímidos reagentes. acontece que no cerne desta transformação específica, sei que nos humanizaremos e nos identificaremos concretamente frente aos ataques da matilha. e que assim seremos também.

fique.
com fé,

N.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

cartas marítimas | 9

fildsville, 31 de fevereiro de 2023.


maria paula,

acho que desenvolvi uma necessidade psicológica de acumular. faz dias que não tenho coragem de me aproximar das beiradas da cama, pois me invade uma mansidão cujo tamanho eu jamais havia experimentado. metade consequência do porre, metade casulo de minha própria mente. nada me atinge ou me desonra. percebo os outros como projéteis desgovernados vindo em minha direção, minha amiga, e tal qual uns vultos desalmados, atravessam por mim sem ferir nada. meu aspecto é frio, vítreo. ao mesmo tempo, sinto toda e qualquer afirmação sobre mim infiltrar-se em minha cabeça como uma britadeira no concreto da rua. eu me parto. sou um pequeno pedaço solto, uma quantidade diminuta qualquer.

são verdadeiros os boatos de que este clima insalubre se tornou referência para meu pensamento. tudo adoece nesta óptica e por este prisma. exerço a minha visão sobre as eventualidades recentes como se o silêncio fosse um artigo de privilégio... reflito, refrato e separo em tantas ordens e por tantas vezes que já não ousaria contabilizar. acho que tudo o que é preciso é respeitar o tempo. o melhor silêncio é o silêncio autoral.

eu renuncio à dignidade soberana do domínio de mim mesma. perdi rédeas da moderação, como uma corda solta, puxada pelo peso prédio abaixo. não sei como reagir diante desta nova postura tão vaga, inconsistente, anônima. agora, sabrina é uma memória de distância; e embora sua forma em meu imaginário permaneça intacta, só posso me apoderar dela bem pouco. tentei fazer desta ruptura uma concessão para que ambas realizássemos nova parte da vida daqui em diante. mas acredite, sem rodeios, que esta metade a que me resta viver não será de ocupação ligeira ou agradável. eu sinto não ter sido a ideal companhia nestas semanas que passou aqui em sua última estadia. mas confesso que esta inércia em mim mesma é como uma mão gigante espremendo minhas vias respiratórias. meu tempo atual é de aflição. nada mais.

meu trabalho no escritório não se estenderá por mais de três semanas. logo, a ideia de visitá-la me parece ainda mais cativante e próxima. foram realmente inspiradores os dias que passei aí durante aquele outono, jamais me esquecerei disso.

espero ouvir noticias suas em breve.
com saudades,
ana.

ps. chico e lola, os pássaros que compramos na viagem ao brasil, permanecem com a saúde em observação. não há certeza quanto ao sentimento que sabrina e eu partilhamos neste momento, nem em que nível. mas é certo que vida segue costurando laços no sentido sensorial e interpretativo absolutamente para além de nós. estamos os quatro suspensos no ar e, sim, em um o futuro que só possui a habilidade de conseguir quando se admite presente. tão raro! quero terminar em dança, não em marcha.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

JUNHO

dois é par

Caso soubesse os acontecimentosque este vinte e oito de junho pudesse ter me causado, me acometido de tantaturbulência, teria olhado para as bordas da vida com simplória perspectiva eassumido uma postura mais calma. A vida me tomou em uma ciranda desconhecida dedescompassadas voltas. Se ao menos tivesse me avisado sobre o que esta dançafaria comigo, teria acordado de outra forma. Saltado da cama, como quem pula deum avião a doze mil pés de altura para cair em queda livre. São mais deduzentos quilômetros por hora, logo no primeiro riscar do sol em contato com océu da manhã. Fui arrebatada por uma avalanche de derradeiras e inúmeras coisasque me incomodavam junto a tantas outras que me traziam conforto, numtempestear de descargas ora eróticas, ora meramente eólicas. Temporal ouclimática, não importa, mas recebi você em todas as suas verdades que mepuseram para dançar de um inverno a outro. Um ano inteiro irradiando felicidadee, por que não, pulsante de dúvidas? Pelas descargas temíveis de nossa raiva –a qual o futuro está constantemente impulsionado a provar o desuso – nossaspartes menos corpóreas davam-se conta, em intervalos, que as dores não estavamsobre a pele, mas sob os tecidos robustos da imaginação. Ninguém via – ou viu –este mundo de doloridas trocas o qual fizemos de casa. A convivência secontraiu como músculo e se expandiu feito copa de árvore que avista osprimeiros dias de primavera.

Nossa, como cresci nestedesmedido tempo de nossa convivência! Mesmo dito e feito, volto repetidas vezes a sentir o esforço quefiz, de me sobrelevar e então me naturalizar ao seu lado. Entre diasindistintos e a exausta construção de muros, a defesa foi um barulho difícil desuportar – até para mim. Perdi as contas, as horas, as chances... por que não?Mas a desistência muito pouco nos pertenceu – embora a tenhamos adotado feitofardas, veemente, algumas vezes. Os limites são tão naturais como o ar quecircula nos pulmões. São partes do comportamento involuntário do organismo deque somos feitos. Na estrutura, na robustez e essencialmente na discordância,sei que nunca se tratou da controvérsia rasa, que investigava apenas assuperfícies de nós. Mas um período inteiro de mais de trezentos dias paracompreender o mínimo. E, por isso, em meio às falidas capacidades de deduzir, omarinheiro que veleja há meses avista pequena saliência no imenso tecido demar. O cume, talvez de uma geleira ou talvez a ponta de um ilhéu. Qual não é asurpresa e felicidade deste desajeitado dirigente que vê apenas tediosas águashá tanto tempo? No mar morno há agora uma direção: este rochedo no mar, umnorte próprio. Seu grito ecoa pela embarcação inteira. Naquela planície úmida,o convés é como um perímetro descampado de suricatos, levantando-se um a umeles aparecem. Tudo é convocado. E então, ele – que era um – passa a contar-separa mais de mil. As amídalas são sinos de festa entre a estridênciado primeiro grito.

[...]

Tudo vibra.

PARA A PARTE ÚNICA DE UM ACASOEXCLUSIVO DE NÓS - Junho/2013

segunda-feira, 22 de julho de 2013

lábios fazem vento feito um leque que desloca e acelera o ar em direção a vasilha cilíndrica sobre o fogão. a asa polida arde tanto quanto o fogo que sobe e exibe a labareda a quem quiser ver. a flauta do encantador que seduz a cobra, ah, dançava. com o sussurro que honra seus compromissos, eu testemunho a autenticidade de suas palavras naquela baixa combinação harmoniosa interpretada em tom não graduado que meu ouvido mal alcança. sei que eu me lembrarei desta cena eternamente. de suas roupas velhas e cinzas que circularam pela casa toda, em cada cômodo, em cada fresta e por atrás de cada porta. o prato fundo em brasa, o canto com o som de pequenos estralos dos folículos de ervas... uma mãe que afaga a criança no colo. foi o convencimento de uma verdade. uma verdadeira fé.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

o cúmplice

o encontro, de marcos jorge

a malha dá voltas e nós conforme seus próprios fios de seda. às vezes, tecido ponteado; noutras vezes, rede rudimentar. a quanta discussão qualificada se dedica o casal? em meio a muita transição de caminho e de cruzamento, existe toda uma sorte de crimes contra a fidelidade do amor. entre a não-obrigtoriedade e a plena vontade de ir e vir existe um vão. será que as pessoas ingênuas acreditam mais em deus por isso? o meu seguidor depende o meu poder de convencimento, de ludibriá-lo ou encantá-lo (também é isso) para pertencer até mesmo nos tempos mais impróprios: daí a idea atroz do encontro. de que essa pessoa me defende, me cumpre, me salva. ao invés de achar que encontrar é, de alguma forma, uma desistência do próprio a fim de torná-lo um pouco do outro. ser extraordinário no desconhecido é tarefa fácil. ao encantador logo me encanto. é que para quem não me conhece tudo é imprevisível e excitante. até um sonho. sensação de repartir que dá. grande sabor de repartida. entregar-se, na verdade, é sair do armário da descrença.




< despe ou despede-se >

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Amor

voce me parece bem.

A poesia é um mercado bem pouco provável. Um mercado-depósito. Guarda os desrespeitos que ultrapassam os perímetros normativos - nossos. Mesmo vinte anos de poesia ainda não me tornaram, em nada, em uma boa poeta (já vou logo anunciando). Ainda bem que falar de amor é inesgotável. É atípico do melhor jeito. Graficamente falando, nos tornamos todos miseráveis perante a dor amorosa. De perder permanência ao lado do outro. De falha própria e única com que lidar. A honestidade diante do amor não é 'não acreditar', mas crer que medidas e pesos vivem nesta volta. Eu esbarro, você esbarra, numa hora ou noutra, nessas inevitáveis humanidades de ciúmes, invejas, inseguranças. E sabe o porquê? Porque, no fundo, ninguém sabe, mas o melhor do amor é não ter que se proteger da pessoa que você tem ao lado.

< Isso poderia ser um ótimo começo >