madrugada de 06 de novembro
sinto meus olhos apertados. minhas pálpebras formigam e ardem de dor por não conseguir fechá-las. que paz me aguarda do outro lado? que megera esta vontade que me consome como um cigarro ambulante contra o vento da praia, varrendo para tirar até meus cílios do lugar? parece que o meu rosto derrete e, com suas fissuras abertas dos escorridos de uma vela, vertem as lagrimas como líquido opaco que se transforma em cera dura, maciça, congelada nas beiradas do queixo. eu jamais esquecerei a sensação que se atirou sobre mim nesta noite. uma noite perpétua.
eu sou uma causa urgente sob custódia da própria sorte e intuição. 'uma mãe invisível', como você me disse. em minha cabeça, incessantemente repetem-se as cores da permissão, do alerta e das violentas freadas que meu entusiasmo sofre e suscita aos meus músculos, dolosamente. verde, amarelo e vermelho, vezes tantas a perder de vista. meu corpo convulsiona-se e as articulações rangem como se houvesse cacos de vidro entre cada um dos ossos. simultaneamente, considero-me uma massa mole, gelatinosa e disforme sobre o colchão. um peso morto, sem beiradas apenas feito de abismos e vãos - tão impróprios quanto a presença de um cego em um show de fogos de artifício. um pêndulo à mercê da imaginação limitada pelo pouco sentido que tem, mas obrigado a ver, sem prévia referência, o resto funesto do próprio infinito. um olho que gruda na beirada do cadeiloscópio e vê múltiplas estrelas de si mesmo - onde todas suas facetas digladiam sob a condição atroz de toda estrela: ter seu brilho reconhecido ainda em vida.
esta cama é um leito, onde uma morte se anunciou hoje. meu estômago já regurgita poesia, por onde um braço mecânico e mal assistido vasculha goela abaixo meu interior, meu côncavo peito. neste travesseiro de hoje deposito meu sonho, minha utopia, o terreno de minha liberdade. e se serei livre? bom, minha prisão se estende pelas medidas deste corpo que carrego - de frágeis e nebulosas extremidades, capaz apenas de exceder o próprio perímetro quando pranteia. um delinquente sob a eterna vigilância da policia de si mesmo ou um miserável andando sem propriedade em um mundo que lhe presenteia com a escolha e o pune com a destruição de tudo ao redor da alternativa escolhida. este mundo já não volta.
o abajur aquece o inchaço de minha pele, das orelhas ao contorno dos lábios. são incontáveis soluços derramados neste leito ermo e distante. um pelo que arrepia, um fio de cabelo que se solta, um membro com cãibra, tudo em causa de me recompor e me reunir organicamente perante a súplica de atenção. uma atenção que não veio para mim e, certamente, não virá até nós. fomos nós que construímos isso? quer dizer, é obra nossa esta rede invisível que nos une? já usamos, vestimos, tragamos, tantas vezes. serviu-nos de trampolim, de escada, de área de descanso, de ponte. e agora, como um manto que caí sobre o céu azul-veludo do dia, esta rede cobre-me como uma armadilha épica, óbvia, que me recolhe num susto do chão e me exibe no alto, numa gaiola.
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