quinta-feira, 10 de junho de 2010

todos os textos do mundo

O CAPÍTULO DO BAR:

tinha chegado ao limite. tinha chegado ao fim, se é que o fim poderia ter essa cara de cansaço. o espaço do mundo tinha se tornado um espaço muito pequeno para o relacionamento com ele. como uma figura da firmeza, desapontava como uma folha de papel árida, e se esmigalhava seca e sem ar? sem água e sem prazer: já não tinha mais nada. essa cena, da paisagem alienígena, continuou por intermináveis minutos até que ela esticou o braço, sem jeito, para pegar uma bebida. encheu o copo igualmente imóvel de um movimento impróprio, quase a transbordá-lo. o bar ficou vazio e escuro: sobre ela, uma importuna luz do teto já tão baixo a lhe incomodar a cabeça. seria um sofrimento para a personagem esse ato. ana laura apertou os lábios, um contra o outro, e deixou sangrar. tinha vontade de chorar, mas não conseguiu - que importuna virtude, pensou; ainda tinha uma falta de pele, um descompasso da dor: uma ferida de tamanho estranho. lá fora chovia muito, mas ali alagava-se o meio fio. lembrou-se de james. lembrou-se sabrina; inevitavelmente, esqueceu-se. sentiu o peso do corpo agir sobre as pernas, mas as pernas já não pensavam. sentiu-se pateticamente confortável naquele banco duro de bar. ausentou-se: estava por conta própria. estava a se tornar a frase principal de sua poesia preferida. tudo tinha uma valor irrelevante. james parecia estar lá, porque o seu coração pulsava ali e a respiração conseguia se fazer percebida. mas ele não estava lá. nunca esteve. era cansaço, era sono. era isso. ana laura tirou um dolar amassado do bolso, e colocou no balcão sob o copo de cerveja. levantou-se. saiu do bar e não olhou o que tinha ficado atrás. chegou em casa com a calça molhada até a altura dos joelhos, em razão daquele meio fio alagado. o cabelo goetava sobre os ombros, como se tivesse acabado de sair do banho. ironicamente, sentia-se suja, imprestável.

(12 de fevereiro de 2008)

Um comentário:

  1. Larissa Carrascosábado, junho 12, 2010

    E no dia seguinte a mente já se faz vazia.
    Ao longo do dia as irrelevâncias a lotam. Seu ápice são as espumas do copo. Toma a última dose do seu remédio diário.
    O ciclo se repete. É vicioso.

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