respirou fundo, a resgatar ar de dentro do corpo, exigindo compaixão de si mesma. poderia amar james ali mesmo porque ele esperava pela reação dela. pena para ele, pensava, que segurava um agasalho e uma sacola velha com uma surpresa – ana laura odiava surpresas, mas tinha que admitir a curiosidade e a poesia que a cena trazia até ela. pensava no quanto mais ele poderia falar. diria que era linda, de novo? de novo, seria só isso? perdia o ânimo um pouco. fechou os olhos. tinha um silêncio dela que tinha sido quebrado – e o corpo trincou, rachou quase ao meio como se abrisse uma fenda no tempo, e na distância, e nos poucos passos que a mantinham afastada de james. acontece que a proximidade a qual ele parecia estar o tornava intocável também. ela pensava: entende quando você chega muito perto de alguma coisa, e o olho perde o foco do objeto? o olho dela estava incapaz nesse sentido. depois que o olho voltou ao corpo, os olhares estavam igualmente parados no outro, e brilhantes. o que acontecia era uma combinação, aquela corriqueira felicidade e a descaracterização dos maus modos – e o que era passado poderia ser qualquer coisa também. percebeu que o que tinha acontecido, todos os motivos pelos quais tinham brigado ou desistido agora, desistiam deles. os motivos desmoronavam, os argumentos, as falhas todas postas de lado por um momento. e sabrina flutuava ali por perto deles, mas paralelo a eles. porque sabrina sempre esteve ali, tantas outras mulheres como sabrina existiam – e continuariam a encontrar com eles, sabia disso. sabrina era uma espécie de margem da relação. talvez ana laura que a tivesse colocado ali, à beira – mas a posição já não parecia incômoda mais. porque ela sorria para james com aquele sorriso manso e misterioso, como quem guarda um segredo na urgência do momento de contá-lo. então era ana laura que transpunha o corpo no plano paralelo, de onde o ouvido não tinha ruído nenhum – de cima ela via james e sabrina se abraçarem na rua. sabrina sorria mesmo sabendo que ela sabia de tudo – uma mulher que não tem nada a perder não faz esforços. porque sabrina não tinha dia para morrer. então porque não? porque não james ao invés de qualquer outro homem? acontece que na descrição das mãos dadas, tinha que ser james porque tinha também que ser ana laura. e tinha que ser ana laura de james. ana laura era a melhor candidata. porque a repulsão que ela sentia por ele, gerava – na outra – desejo. a proporção das coisas tinha uma intenção também. e aquelas personagens divididas em centenas de partes minúsculas pulavam de história em história – representando, ou dominando cada uma delas. muitos dos receios de ana laura tinham se transformado em pequenas percepções do instante seguinte. ela teria que saber das possibilidades na espera. foi como se tivesse colocado dezenas de perguntas organizadas em fila, por ordem de tamanho e importância. e os questionamentos exigiam postura dela – uma postura simples e conjunta. porque se james percebesse a fila, pegaria suas metades na rua, como uma mulher que busca o vestido no chão, ergue a saia até o joelho e corre. ela pensava qual imaturidade da condição humana envolvia isso. porque james correria para lados opostos: de um lado a broa quente, do outro, a culpa do fim do relacionamento. por todo o corpo, a omissão que o corpo tinha posto tantas vezes à mostra. e todo aquele sentimento de uma missão não-cumprida; tinham as coisas mal resolvidas ainda. havia vômitos ainda, saídas precipitadas, deixadas de lado por eles. há tempos não pensava sobre isso.
(26 de junho de 2008)