segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Me decifras, por isso te devoro.


e você, está curada?

"Eu ainda me lembro, ela ficou procurando pelo meu corpo se eu tinha alguma nova cicatriz. Cicatriz é forma que o tempo encontrou de se tornar concreto, palpável diante dos olhos. Fosse queimadura de panela, arranhão de unha de gato, corte no dedo por folha sulfite, rasgo no joelho, tatuagem inédita. Pouco importava. Na minha cabeça, aquilo representava ou era uma maneira de nos atualizar diante do tempo que tinha passado. Dedicamo-nos a esta busca silenciosa por alguns instantes. Descobrir as cicatrizes físicas do corpo durante o tempo da separação era como ver o quanto tínhamos sofrido e curado na ausência. Porque naquelas porções de pele regenerada, a vida tinha achado uma forma de se reinventar. A vida tinha voltado a ser possível, voltado a crescer apesar das impressões duradouras deixadas pelas ofensas, a ingratidão, a teimosia inevitável e tanta doçura, e tinha achado uma maneira de crescer sobre a ferida e estancar a dor. 

E quanto aos tecidos menos superficiais, quanto àquilo que estava e está o tempo todo sob o verniz da vida atraente, mais embaixo, no mundo das trocas, aquilo que os olhos não vêem apesar do corpo nu, com certeza, pediria mais que toque. Aquilo que o corpo fala ocasionalmente, mas não diz ou não entrega nas palavras logo de cara. Pra saber o quanto realmente havia sido refeito na vida que existia dentro de nós, concluí que seria necessário um pouco mais de tempo; mas diante daquele encontro, eu também quase pude afirmar que havia uma nova disposição, uma facilidade a qual, desta vez, não havia sido preciso forçar nada".

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