segunda-feira, 2 de maio de 2016

a ideia das bolas de feno



Estou tentando imaginar o que me trouxe até aqui. Tentando tomar conta da dor antes que a dor tome conta da vida. Faz um inverno que me impulsiona a permanecer em repouso, regrada a pequenez deste espaço. Enquanto passa o café, penso que deveria ter enviado aquela mensagem de "bom domingo" meia hora mais cedo. Acontece que sempre achei a prontidão intimidadora e o atraso irritante - e isso me colocava em certo lugar dialético, no centro de um escopo filosófico com o qual eu me sentia sem condições de dialogar. De um lado minha agilidade que se desdobrava com destreza, do outro as delongas das minhas carências que tem apenas a função de importunar quem as recebe. Senti meu peito ficando ligeiramente sem ar e tossi para dentro. Tenho vinte e sete anos e a cada dia aumenta minha sensação de estar distante da vida, mas perto de quem não importa. E neste jogo de palavras que só seduz o negativo, o cético, o derrotista, o chamado das iluminações poéticas passou a ser difícil de ouvir, ainda mais para mim que, justamente agora, nunca tinha me sentido tão sã. Que horror.

O futuro parece que não chega; só o passado que aumenta, como uma bola de feno rolando ladeira abaixo. Ah, as bolas de feno. A ideia do totalmente deserto, do tédio total, da falta de almas vivas de fato, a zona morta - com exceção do possível herói que avista - não me lembro quem nem qual - talvez, eu mesma seja a pessoa quem vê, alguma coisa que está por vir. Mas eu acredito. Porque antes de tudo, vem a crença de que essa coisa sem nome que se aproxima, essa imagem da bolinha inofensiva, tediosa e rolante, quem sabe, seja a mensagem que preciso para rever meus conceitos. Ou posso ignorar e apenas rir da escritora lunática que tento me tornar? Que nasci sem ser? E que acabou restando que eu fosse, bem, apenas eu?

Acho que até mesmo para esta solidão programada, inevitável, em que sou o avarento que conta as horas para ficar só, a rotina que acabou com o amor, lá atrás, agora parece me fazer muito sentido. A rotina acaba com o amor porque ninguém suporta muito a realidade, era isso. E este era também o cerne da dificuldade de tantas relações; a problemática mais básica, a mais rudimentar antes de toda poesia: a urgência de realizar coisas incríveis na contrapartida de proteger o amor sob aparência da normalidade.

É o café coado, a mosca que pousa sobre a casca torrada do pão, é o batom que foge da margem do lábio, a camiseta do Hard Rock Café. Talvez o tédio minimo dos dias seja essa célula-tronco de toda busca. O déjà-vu de uma vida inteira. O mainstream dos apaixonados, dos aborrecidos, daqueles se arrependeram na pressa ou na pausa. Perco o ar, sirvo café. E, no fim, essa imagem da bola de feno é capaz que me salve, porque se aproxima causando em meu coração desestimado o despertar de um cuidado singular, cheio de falha, mas a mesma sensação que tenho quando tomo esse café nesta xícara fina. Incomoda, mas passa. Fico adiante de mim. Fico imaginando o que me trouxe até aqui. E talvez tenha sido simples, na verdade. Dosar para ver a simplicidade - nem que fosse para ver a simplicidade que é a simplicidade do fim do amor. 

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