quarta-feira, 27 de abril de 2016

ensaio sobre os apaixonados

"Em um quarto cheio de obras de arte, eu ainda olharia para você."

aos que possam, eventualmente, se interessar, o estado da paixão é aquele em que você nota ter trocado toda embriaguez por alguém. é o embaraço diante da vaidade do outro; é cáustico, mas sóbrio. é desmedido, mas bate nas beiradas, nunca é concreto. nesta hora, acho que nenhuma lembrança seja confiável. a paixão é o verbo que só se conjuga no presente; é o interesse que desconhece distâncias, é o que faz o sujeito sentir-se excepcionalmente romântico. é a complexidade de uma geração inteira. é uma voz sutil em tom grave, é uma martelada constante, britadeira que não para; é o algoz da civilidade, é o debandar de uma manada de búfalos. é também o tropeço que faz cair na tentação do outro fazendo de todo porto inseguro, aluído, capaz de comover cada víscera. é a euforia dos primeiros cinco minutos da briga, é o instante que precede o orgasmo; é o que torna o exemplo menos importante a medida que tudo se torna menos importante; apaixonados são todos aqueles que não dão ouvidos, não seguem conselhos, desconhecem a prudência, estão indiciados ou foram eleitos, e decidem sem reflexão, no âmbito público ou privado; saem às ruas desorganizados, nus, vestidos, travestidos do que permanece mais no avesso do que no peito; são imagens vagas, desconexas; enxergam apenas o ponto geográfico do indivíduo que interessa, o centro, a convergência hipnótica de suas iluminações; são delírios que andam, são os sonhadores na terra da liberdade, os militantes da alegria momentânea; os apaixonados são os peixes fora das águas da normalidade, da chatice que embrutece, das cismas que vão e voltam, de nada a nada. os apaixonados estão no hiato entre o nascimento e a morte, na fenda antidemocrática do sentimento, em todo momento, fora de si.

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