terça-feira, 9 de setembro de 2014

As estações | À concretude do inverno

"alice in waterland" (by elena kalis | elenakalisphoto.com)

TERCEIRA PARTE
a determinação está no sentido das realidades precisas

Os dias seguem quietos e longos. Horas determinadas por regulares atividades que pratico, sem pensamento ou crítica, com a normalidade de um banho morno ou gole de água em planície seca, árida, de fim a perder de vista. Neste estado privado de calor, de toque, olhos tremem por baixo das pálpebras, num sono leve, frágil, que ameaça trincar ao menor desvio, enquanto esforço-me mentalmente para vencer esta solução finada que a vida deu a nós; estes aborrecimentos, planando como abutres na crista do sonho que se perdeu, da garrafa quebrada, da palavra que já não se volta atrás. você se arrependeu? ou teve mágoas, ou pesou os erros, não sei; muito ou excepcionalmente, o verbo do amor se emprega mal, agora, porque destrata o conhecimento criado acerca da origem, do desenvolvimento de nossa nação, nossa ciência, arte, tudo; tudo criado naquele mundo, baixo, de generosas trocas - e doloridas, claro - mas atadas em nós organizados - primeira e segunda classe - capazes de guiar beijos muito bravos, raivosos, de quem passa a vida a entregar só metade; fosse nos terços ou nos quartos, o tato perdido na distancia está exposto e tem tamanho, dimensão concreta de asfalto, de buraco, de gente que passa e leva, nos carros, toda sorte de carga; pensa-te acima da multidão; eleva-te o sofrimento ao nível mais alto, rarefeito, no teto do ilustre, no heroico, porque a saudade termina logo na primeira esquina; na curva mais rápida, na prosa não lida; surge, depois, dos recolhidos cacos dos copos quebrados, a aguardente, ainda amortecendo a língua mordida, que me autocensura, belisca, impede que seu rosto se forme nos corredores diversos da memória, agredida, pela concretude dos nãos que caem como blocos de neve firmes sobre o teto, sala, como distúrbios em toda casa. Agarro-me ao lençol fino, ao cobertor grosso, e os pés interpostos sem saber se a imagem de sua face vem em paz ou em desassossego; porque se passo desta noite, deste acordo de encontro, se sobrevivo pra existência póstuma ao aborto de nós, posso determinar - quem sabe - que a realidade virá precisa e que você, mulher, também em busca, necessita desta parte abandonada de mim que entalha em você o formato do corpo, do porto que lhe represento; vem, pois, sem as armas da juramentada postura dos que não cedem e aquece-me em espírito, ao menos, nesses súbitos que arranham o céu de nossa própria imaginação. Estou largada nesta cama extensa à morte de minha própria sorte que, num descuido, pode trazer você e, depois, levá-la embora num adeus breve e indeterminado. Vista-me, mais uma vez, no pensamento para que eu saiba, enfim, se colocar nossos corpos um diante do outro é, de fato, comportamento,  desejo, um gesto de zelo que procura não só amar, mas viver. 

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