segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A história de um amor

André e Dorine: conheceram-se em 1947 e nunca mais se separaram. O casal cometeu suicídio em 2007 e seus corpos foram encontrados lado a lado no apartamento em que moravam. Dorine sofria há anos de uma doença degenerativa. André não quis viver sequer um dia em sua ausência. 

Parque Municipal do Varvito - Inverno de 2014.
Joaquina,

Voltei hoje ao parque que viemos juntos pela ultima vez há dois verões. Minhas pálpebras tremulam. Este sol bem pouco cálido parece que vem ocupar, sem matéria, sua presença. Cheguei a conclusão de que a morte não separa ninguém. A vida separa. Porque, cada vez mais, sei que perco a capacidade de perceber com exatidão se fiz sexo ou se apenas tomei um café. Acho que nossos sentidos ficam por demais aturdidos diante dos inevitáveis atos do destino. Sinto-me tão incapaz, meu amor, de lidar com esta injúria que vida conjurou a mim!

A mesma doença que lhe tirou a vida, tomou a minha. Estes anos passaram vagarosamente sem você. Acontece que, nestas falhas de coerência, as coisas passaram do suportável para o passado muito rápido. E eu me vi como se estivesse a testemunhar o mesmo bando de traças que ruiu um armário devorar, agora, uma cômoda, dia após dia.

Decidi, então, que meu corpo descansará ao redor das flores que, na impossibilidade transitória de vê-la, possuem o tom que mais se assemelha a cor de sua pele pálida -  pelo menos em minha memória. Por isso, jogarei meu carro do precipício na última saída da rodovia Helio Dutra, naquela ruela após a estrada serpenteada, em que colhemos magnólias em 97. É a despedida mais fúnebre e também a mais bela que terei tempo de preparar, em um lugar só nosso. Espero que perdoe minha tamanha pressa. Tenho urgência de te reencontrar.

Todo ato de condenação se baseia em algum raciocínio, portanto, seria inevitável que meu corpo não se tornasse vítima desta razão. Torço, apenas, para que minha alma se descosture logo.

Com todo o amor,
M.

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