terça-feira, 6 de maio de 2014

A bordadeira | 2


'quiçá já tivesse habitado aquelas paredes antes, não sei' 
(...)

Joaquina me aguardava na porta da universidade e fumava o cigarro típico das esperas. Ela entrou no carro e nós nos cumprimentamos. Fui tomada de certa paz desarmada. Eu me senti nua.

Ela sugeriu que fossemos jantar em um pequeno bistrô ali perto, no mesmo bairro em que morava. Assenti com a cabeça. Tanta urgência que autogoverna as cidades grandes havia desaparecido. As ruas pareciam enormes tapetes desenrolados com o término a perder de vista. Um infinito de asfalto. No exterior do carro um silêncio inédito. Atravessamos dois ou três faróis até que chegamos ao restaurante. Os nossos encontros sempre haviam sido marcados por longos espaços de tempo, muito embora nunca tenhamos deixado de ter contato. Quem sabe em razão das manobras temporais e amorosas que o destino impele sobre nós, somos outorgados a viver, a conhecer, a viajar, a amar e, porque não, a sofrer, para que, depois de muitos anos, possamos retornar mais ilustres e sábios aos fragmentos que deixamos em nossas próprias terras a germinar. Somos responsáveis por lavrar nossa alma. Era então, no lavradio de nosso encontro, que eu era tomada de sobressaltos por conta desta sua desenvoltura. Eu estava determinada e estava, ainda mais, determinada a não personificar minha postura, eu não me prostituiria. Percebi que eu não estava projetando, já eu estava vivendo - o que mudava tudo.

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