quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Carta destinada ao limite

a fronteira está constantemente conosco | M. K.

Demanda-me a explicação se há limite entre a dimensão da poesia e a dimensão física. Porque se há, há maneiras de ultrapassar e transitar ali também. Por vezes, impede-se a si mesmo nesta linha de fogo, ora cruzado, ora brando demais, entre as voltas abissais dentro do hiato mais perplexo de cada frase, o alcance do limite da poesia talvez fosse o local exato onde termina a imaginação e verdadeiramente começa a possibilidade de perda. Perderia as estribeiras, a cabeça, a água lacrimal dos olhos se voltasse a pensar nesta condição tardia de entendimento que lhe abateu com veemência a expressão. 'O que você faz quando conhece alguém?', bom, esta pergunta continua a lhe açoitar a memória como uma ventania devasta um campo aberto - o campo onde os suricatos outrora ergueram-se. Pode uma mulher contar com infindáveis acasos em sua vida, mas deveras há o momento em que o acaso criado no labirinto de sua mente cessa e desperta a busca pelo interesse pr'além dos perímetros imaginários: seu desejo ganha cadência e se torna real, mas um sujeito tão real quanto um homem parado, um vendedor ambulante em sua porta (que triste seria quem deste mal não sofre!). E este cavalheiro a sua frente, por sua vez forte e vigoroso, entranha-se pela porta como se adentrasse as próprias paredes de um estômago e diz, perante seus olhos de plena fadiga, que não lhe concederá três desejos – mas que lhe convencerá, até a exaustão se preciso, de que o desejo inevitavelmente a ocupará em três dimensões. 

Teu desejo logo assumirá largura e peso. Assumirá cheiro. Aceitará toque (e tu deves predispor-te a isso). Dize-me, há algo mais a beira do limite do que tocar a superfície da pele do outro? Fortifica-te sobre a ideia de que o desejo não passa de uma alusão mental a intelectualidade de alguém, mas por qual razão, então, o contato tanto te importa? Haveria de bastar, tu não achas, as palavras simuladas ou mesmo audíveis, datilografadas – que fossem – que existem potencialmente mesmo que sem ação? Cai, pois, em teu próprio precipício de medo, e dá-te conta de que é preciso ver a forma como os lábios daquele alguém se portam ao dizer as palavras que te encantam a mente. Um flautista perante a serpente, é nisso que o desejo te torna - porque todo desejo é, antes de tudo um desejo de causar hipnose no outro. 

Não lhe apagará da mente sequer um segundo de história, mas se alicerçará com tanta certeza neste desejo que ainda há como uma cama no meio da praia de neve: cercada de realidade por todos os lados.

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