terça-feira, 11 de setembro de 2012

cartas marítimas | 7

fildsville, 27 de outubro de 2022.
querida maria paula,

perdoe-me a urgência repentina desta carta. sei que se esticou um período de silêncio entre nós nestes últimos quatro meses. nesse tempo, conheci, inventei, reverti muito tudo que acreditava em sentidos menores e fragmentados. desejei que você, em toda a sua verdade literária, me mandasse um sopro de ar. senti muito a sua falta, e queria que você soubesse disso, minha amiga. esta casa se transformou em um quarto de hotel - cujas vigas de madeira reclamavam tanto pelo frio, que constantemente me sentia incapaz de relaxar e de dormir. e se as casas são as pessoas que moram nela - há quanto tempo sabrina não habitava mais este lugar, a ponto de eu ter vontade de colocá-la à venda diariamente? é isso. os dias foram pequenos para todas as minhas obrigações diárias. eu estive tentando me livrar com violência de todas as coisas imóveis que restaram aqui, ao mesmo tempo que fazia paradas que me suspendiam no ar. apatia desmedida por coisas complexas demais, desistência pelos contratos e chutes - muitos chutes no ar - que não moveram, como se diz, sequer uma palha do lugar. não escondi a tosse, não escondi o amor, mesmo dentro destas oscilações todas. e ganhei o que com isso? bom, descobri que talvez quem vai ao mar, distancia-se da terra. pensei, pois, que naquela hora em que caísse no mar, viraria lenda - e pirata que seria, poderia viver de propriedades mágicas de mim mesma, recolhidas de todo canto que passasse. plano perfeito se não fosse tão mal feita minha jornada. 

então, antes da primeira parada, encontrei algo que voltou a me encher as pupilas de alegria e vontade. e imediatamente pensei se seria capaz de suportar os olhos cheios de luz outra vez. você seria? eu seria? acho que a gente põe os problemas antes mesmo deles acontecerem, você não acha? papagaio de ombro, joguei pra longe. tampão de olho. de repente, eu queria ver tudo de novo. fiz viagem curta até o mar, mas as águas, querida, sei que nunca foram rasas. como poderia, também? ocasionalmente sabrina volta a por os olhos sobre mim - e quando dou sorte, a tempo, ela o faz antes que possa soltar as velas para bem longe. noutras vezes, com um pouco de agonia, ela me presenteia com seus sumiços. a vida tem dessas coisas.  

e a minha carta deve-se apenas a isso, a minha necessidade de partilhar com você a sensação de limite que tive. eu quase me perdi, mas vi que, às vezes, as chuvas cancelam viagens, você entende? e então, o que era um atraso, uma falta de estar simplesmente, um desgosto momentâneo, um enjoo de sabor, é o que passa a existir de novo. e você vai dedicar-se. eu me dediquei, outra vez. eu estou aqui, e só saberia ser feliz assim. e você, onde está? há quanta felicidade por aí?

um beijo apertado
com saudades de sempre. 
ana

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