segunda-feira, 30 de agosto de 2010

não terminamos, ainda

há uma xicara de café, frio. um dia quente, muito tempo - um tempo seco, a garganta inflamada, uma inflamação nos nervos: eu precisava me acalmar. e claro que não seria o café a me trazer calma - ainda mais frio. eu me enchia de cafeína ainda mais para piorar tudo mesmo, alimentar a ansiedade. era a perna que não parava quieta. era aflição. se eu pudesse fugir de mim, eu o faria. porque fugir trazia um tempo externo de mim, impróprio. própria de uma conclusão minha, eu entendi que entre achar e ter certeza havia uma brutalidade. ele dizia que eu era uma mulher bruta ao sentar, ao cruzar as pernas, ao desenhar homens em paredes. o meu recheio é todo delicadeza. a carcaça era, sim, dura. mas por proteção, temia haverem homens como ele. já tinham passado tantos e nada que me causasse esse abalo. engraçado é que eu ainda não consigo ter essa certeza. achava curioso a forma como eu ficava a desenhar. eu dizia: não parece, mas eu sonho (e no meu sonho é bem a você que vejo). o certo, é que nunca digo os parênteses... espero, estava a reformar: não percebia meu recheio ser todo delicadeza. a carcaça era, sim, dura. mas por proteção. temia haver mais homens como ele. já tinham passado tantos e nada que me causasse esse abalo.eu costumava me fazer o contrário de tudo que o agradava.

e porque eu mudava tanto de opinião? eu tinha que parar de escrever assim porque me incomodavam muito aqueles buracos que eu tinha desenhado como se fossem os olhos dele. eu precisava voltar, e nessa conversa isso era possível - eu tinha que aproveitar tudo. tudo era importante. de tanto eu amar, eu já achava que ele era bonito. eu tinha só metade de um olhar para vê-lo, metade da verdade que eu contava, que eu contava comigo, ele já não sabia. corre o risco de pra mim ter sido toda essa lava e pra ele só a fumaça. é o que mais me incomoda. a impossibilidade de se ter certeza. aqueles olhos-prontos não me diziam nada. eu que dizia por eles, como marionetes.esse será o primeiro encontro dos nossos olhos nus. então eu tirei os óculos que me davam a impressão de ver demais. eu ja estava falando de mim, vê? ou lê o que lhe digo, digo, a você, e tome o tempo que lhe é seu. o café que era meu, a frieza do meu café também, tome em um gole só (a nudez dos seus olhos não me reconhece mais?).

ele me disse: tomo. olha que desconheço a razão desse impulso em fazer tudo o que você me orienta. o frio do café é o mesmo, mas o sabor diferente. será baunilha? essa doçura é sua? me pergunto agora o porquê de nunca ter provado.

escuta, além de provar. essa musica francesa que está entre eu e você. ouve essas notas sem tradução, já não importa o que está sendo dito. se você entender, explica-me. senão, estende a mão, eu a seguro comigo. o que era para ser um homem , tinha se tornado uma mulher na parede. e há muitas coisas para se imitar uma parede. eu lhe convenço? eu convenço a mim e ao meu parâmetro da partilha da escrita.

partilhamos, quase dançamos: estendo a mão e com ela a ergo. é da minha altura, compreende? nem menos nem mais. e não me diga não saber dançar. o seu corpo se move por instinto. é assim a melhor das danças.sem palavras nossas, vejo você girando até por acidente se encontrar no labirinto. e nos seus olhos míopes assisto você chegando ao centro. lá não há mais o minotauro. é só um homem.

um homem não é um homem, eu lhe disse, e uma mulher é uma mulher sempre. a minha visão turva curva-se na sua direção, vê? não sei se me dirijo a você ou ao o que, de mim, estreguei a você na dança. porque com você eu me imaginava dançando, coisa que não fazia nunca. porque eu não dançava, eu tão somente imitava uma dança - como aquele homem imitava um homem desenhado, como imitava olhos os circulos que fiz, como eu imitava você, como você era eu e como eu, já não era nada.

não terminamos?
não terminamos, ainda.



(em uma doce partilha das palavras com LETICIA SODRÉ,
http://tout-bleu.blogspot.com, 24 de agosto de 2010)

2 comentários:

  1. O míope desenha tão próximo a parede que de tanto força-lá transpassa seu desenho sem significado concreto adentro. E pior, sem notar que ali naquela pedra cimentada havia tão belos detalhes esculpidos.

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